Revista Exame

'Governos autoritários são imprevisíveis', diz ex-diretor na Casa Branca sobre crise na Venezuela

Ex-diretor do Conselho de Segurança Nacional dos EUA para a América do Sul e professor na Universidade Johns Hopkins, Benjamin Gedan adverte que a crise entre a Venezuela e a Guiana ainda traz riscos e que o Equador precisa de ajuda externa para conter facções

Benjamin Gedan: crise entre a Venezuela e a Guiana ainda traz riscos

Benjamin Gedan: crise entre a Venezuela e a Guiana ainda traz riscos

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 25 de janeiro de 2024 às 06h00.

O ano de 2024 começa agitado no continente americano. Ao norte, as eleições americanas tiveram seu início, com a disputa das primárias, e Donald Trump, um dos favoritos na disputa, voltou a dizer que, se eleito, colocará força máxima nos esforços para conter a imigração vinda pela fronteira sul. Enquanto os países do continente se preparam para lidar com os efeitos da possível troca de presidente na Casa Branca, precisam enfrentar também questões mais urgentes: o governo de Javier Milei adotou medidas duras contra a inflação na Argentina, tentando agir rápido logo depois de tomar posse, e os países da região, incluindo o Brasil, agem para manter a crise entre a Venezuela e a Guiana sob controle.

“Governos autoritários impopulares são imprevisíveis e podem ser tentados a buscar apoio por meio de aventuras militares nacionalistas”, diz Benjamin Gedan, sobre a disputa entre os dois países. Ele conhece bem a Venezuela: foi diretor de América do Sul no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, durante o governo de Barack Obama. Atualmente, Gedan é diretor do programa de América Latina do Wilson Center, com sede em Washington, e professor na Universidade Johns Hopkins. Em conversa com a EXAME, ele detalhou os principais desafios do continente em 2024 e analisou como o Brasil pode ganhar protagonismo global ao chefiar o G20.

Quais as perspectivas para o continente em 2024?

Este pode ser um ano significativo para a América Latina e o Caribe. O México, a segunda maior economia da região, realiza sua eleição presidencial em junho. O Peru está no meio de uma crise política prolongada que pode explodir a qualquer momento. O novo presidente do Equador herdou um país sobrecarregado pelo crime organizado. Tensões entre o presidente de Honduras e o Congresso controlado pela oposição aumentaram os temores de uma crise constitucional. A migração está piorando; no ano passado, meio milhão de migrantes viajaram pela selva mortal no Darién Gap do Panamá.

Mas também há tendências positivas para observar neste ano. O governo dos EUA cada vez mais vê a região como um parceiro comercial estratégico, inclusive para indústrias de chips de computador e de dispositivos médicos, e para insumos para veículos elétricos, como lítio e cobre. As empresas dos EUA estão levando a sério a ideia de near-shoring. A América Latina também pode desempenhar um papel importante neste ano no enfrentamento da segurança alimentar e energética global, dadas as enormes oportunidades na Argentina, no Brasil e em outros lugares para produzir energia renovável e hidrogênio verde e para aumentar a produção de alimentos após uma recente seca.

Crise no Equador: soldado revista pedestre em Quito; governo colocou as Forças Armadas para combater facções criminosas (Franklin Jacome/Agencia Press South/Getty Images)

Em 2024, os EUA terão eleições presidenciais. Isso pode levar os EUA a prestar ainda menos atenção à América Latina neste ano?

A eleição de novembro pode alterar significativamente a política dos EUA em relação à América Latina. Os pilares da estratégia do presidente Joe Biden na região incluem a defesa da democracia e dos direitos humanos, a luta contra a corrupção e a ação climática. Nenhum desses tópicos estaria na agenda regional dos EUA caso o ex-presidente Donald Trump retornasse à Casa Branca. Os Estados Unidos também prestariam menos atenção à região caso o ex-presidente retornasse ao poder. Trump visitou a América Latina apenas uma vez durante seus quatro anos de mandato, para uma cúpula do G20 em Buenos Aires, e foi o primeiro presidente dos EUA a não comparecer à Cúpula das Américas.

Dito isso, há elementos da política dos EUA na região que desfrutam apoio bipartidário, incluindo a competição com a China e o reconhecimento da importância dos minerais críticos da América Latina para a transição energética dos Estados Unidos.

Como vê o futuro da crise Venezuela-Guiana? Como os EUA e o Brasil podem ajudar a acalmar a situação e evitar uma guerra?

Nem os Estados Unidos nem o Brasil estão em boa posição para gerenciar essa perigosa disputa. O Brasil é visto como simpático ao regime venezuelano, especialmente após o caloroso encontro de Lula com Nicolás Maduro, em maio, em Brasília. O oposto vale para os Estados Unidos, especialmente após os exercícios militares conjuntos na Guiana em dezembro. Dito isso, ambos têm um papel a desempenhar. Os Estados Unidos podem dissuadir a Venezuela ao sugerirem que forneceriam assistência militar à Guiana em caso de guerra e com ameaças de reinstaurar sanções econômicas.

Por sua parte, o Brasil pode continuar a promover negociações diretas entre Caracas e Georgetown. A crise merece mais atenção. Como vimos na Argentina em 1982, governos autoritários impopulares são imprevisíveis e podem ser tentados a buscar apoio por intermédio de aventuras militares nacionalistas.

No Equador, houve uma nova onda de violência nas ruas em janeiro, após a fuga de um líder de facção, e o governo declarou estado de emergência. Como o país pode superar esta crise?

O Equador tem necessidade urgente de apoio internacional. Os equatorianos estão assustados, o que é compreensível, e seu governo tem pouca experiência para combater o crime organizado, e poucos recursos para isso. Sem apoio maior dos Estados Unidos, do Brasil e de outros pesos-pesados da região, esses grupos criminosos só vão se tornar mais fortes e violentos, e apertar a pressão sobre as instituições da Justiça criminal. Isso é especialmente verdade em relação às ações de investigação para combater lavagem de dinheiro e mapear redes criminosas. Neste momento, o Equador parece tentado a adotar táticas linha-dura, como encarceramentos em massa e uma campanha militar contra chefes do crime. Isso não resolverá o problema e pode levar a abusos de direitos humanos.

Como vê a atuação da China no continente, em um contexto em que o país tem tido solavancos na economia?

Este é um momento interessante para a China nas Américas. Após décadas de influência crescendo rapidamente, a China tem reduzido muito seus investimentos na região. Sua economia mais lenta vai reduzir a demanda por alimentos, minerais e energia exportados pela América do Sul. Pequim, no entanto, vai continuar com importância enorme, especialmente em indústrias estratégicas, incluindo telecomunicações e a mineração de metais para baterias. Dito isso, para muitos países a China é agora mais conhecida como um cobrador de dívidas do que como uma fonte de capital novo. Conforme a região continua a se recuperar da devastação da pandemia, a China não será o motor de crescimento e uma fonte sem fim de financiamento de infraestrutura que foi um dia.

Falando sobre a Argentina, como avalia as primeiras ações de Javier Milei? Ele será capaz de avançar com suas ambiciosas reformas?

Javier Milei não está perdendo tempo. Durante a campanha e em seu discurso de posse, ele deixou claro que a maior esperança da Argentina para escapar de sua crônica miséria econômica seria através de cortes orçamentários rápidos e dramáticos e reformas estruturais. Em seus primeiros dias no cargo, ele desvalorizou o peso em mais de 50%, fechou ministérios, cortou subsídios para eletricidade e transporte público e reduziu o apoio aos governos provinciais.

Em uma sessão de emergência neste verão, legisladores argentinos debaterão centenas de propostas de reforma. Milei ainda desfruta de considerável apoio público, mas ainda é cedo. Sua “terapia de choque” já provocou protestos públicos, uma greve nacional planejada e uma decisão de um juiz federal suspendendo várias reformas. Enquanto isso, a Argentina está em risco de hiperinflação. Isso tudo para dizer que Milei pode rapidamente perder o controle, a menos que ele reverta a situação nos próximos meses.

Nicolás Maduro: presidente da Venezuela quer anexar mais da metade da Guiana e divulgou mapas que já incluem a região de Essequibo (Mariela Lopez/Anadolu/Getty Images)

No México, haverá eleições presidenciais em junho. Qual é sua expectativa para o pleito?

No momento, as eleições mexicanas não parecem altamente competitivas, mas as políticas de um segundo governo do partido Morena [Movimento de Regeneração Nacional] são menos previsíveis. Apesar de a candidata do partido, Claudia Sheinbaum, ser uma protegida do presidente Andrés Manuel López Obrador, ela pode ser tentada a considerar estratégias que permitiriam ao México aproveitar mais vantagens das oportunidades extraordinárias do movimento de near-shoring. Isso exigiria, entre outras reformas, uma abertura bem maior a projetos de energia limpa, que as companhias multinacionais cada vez mais insistem em usar em suas fábricas modernas.

O Brasil assumiu a Presidência do G20 em dezembro. Quais ações o país poderia liderar agora e quais resultados poderia alcançar?

O G20 é um bloco poderoso, e a Presidência do Brasil oferece uma oportunidade significativa para liderança global. As tentativas do Brasil de resolver a guerra na Ucrânia, acabar com os combates entre Israel e Hamas, desvalorizar o dólar no comércio internacional e tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança da ONU tiveram pouco progresso. Seus investimentos diplomáticos no Brics renderam pouco em termos de influência global. Por outro lado, o G20 oferece uma plataforma séria para Lula canalizar suas ambições na política externa. O G20 é muito mais representativo do que o G7, especialmente agora que inclui a União Africana, mas ainda é um espaço mais fácil para construir consenso do que a ONU. As mais de 100 reuniões do G20 que o Brasil planeja sediar neste ano oferecem uma chance de abordar uma série de questões, incluindo desenvolvimento sustentável, fome, pobreza e conservação.

A presidência da Índia no G20 pode trazer algumas lições para o Brasil?

O primeiro-ministro Narendra Modi aproveitou ao máximo a presidência da Índia no G20, e muitas das questões que ele colocou na agenda, incluindo a transformação digital, são altamente relevantes para o Brasil e o restante da região. Dado o interesse da Índia na continuidade no G20 e a crescente atenção dela para a América Latina — o Ministro das Relações Exteriores, Subrahmanyam Jaishankar, visitou a Guiana, o Panamá, a Colômbia e a República Dominicana no ano passado —, há uma grande oportunidade para Nova Déli e Brasília trabalharem juntas no G20. 

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