Marco Rubio, secretário de Estado dos EUA (à esq.), com Ricaurte Vasquez, administrador do Canal do Panamá: Trump fala em retomar controle sobre o local (Mark Schiefelbein/Pool/AFP/Getty Images)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 14 de fevereiro de 2025 às 06h00.
No dia da posse, logo depois de entrar no Salão Oval, o presidente Donald Trump foi perguntado sobre a América Latina. “Não precisamos deles. Eles é que precisam de nós”, respondeu. Apesar disso, sua gestão fez, nos dias seguintes, um gesto forte: a primeira viagem de Marco Rubio como novo secretário de Estado foi para quatro países da região, entre eles o Panamá e a Costa Rica. Isso não ocorria desde 1912. O começo do século 20 é uma época que Trump quer repetir, e a América Latina faz parte dessa estratégia.
“No discurso de posse, o presidente Trump mencionou o presidente William McKinley (1897-1901). Foi a época em que se começou a criar a estrutura que levaria o século 20 a ser um grande século americano”, disse Mauricio Claver-Carone, enviado especial do governo Trump para a América Latina, durante uma entrevista coletiva da qual a EXAME participou. “Para que o século 21 seja um século americano, isso começa aqui, onde vivemos, neste hemisfério.”
O enviado ressaltou que reduzir o poder do país asiático na América Latina é parte importante de um reposicionamento global dos Estados Unidos. “A China quer se tornar o país mais poderoso do mundo, e quer fazer isso às nossas custas”, disse Marco Rubio, secretário de Estado dos Estados Unidos, em entrevista a um programa de rádio, no fim de janeiro. “Isso não é do nosso interesse nacional. Não queremos uma guerra, mas vamos resolver essa questão”, afirmou. “A história do século 21 terá muita relação com o que vai acontecer entre Estados Unidos e China.”
E a dinâmica entre os países se reflete na América Latina. Nas últimas décadas, a China ampliou muito sua presença na região, se tornou o principal parceiro comercial de vários países, inclusive do Brasil, e fez investimentos de vulto, como a construção de um enorme porto em Chancay, no Peru, aberto em novembro. Curiosamente, o primeiro grande alvo de ação contra os chineses na região envolve uma obra de infraestrutura: o Canal do Panamá, que conecta os Oceanos Atlântico e Pacífico.
O governo Trump argumenta que há risco de segurança nacional para os Estados Unidos, porque duas empresas chinesas operam portos que ficam nos acessos ao canal. “Se o governo da China, em meio a um conflito, disser a elas para fechar o canal, elas terão de fechar”, disse Rubio. Carone afirma que a presença chinesa no Canal do Panamá “é muito preocupante, não só para os Estados Unidos, mas para o Panamá e todo o Hemisfério Ocidental”.
Em sua viagem, no começo de fevereiro, Rubio foi pessoalmente até o canal e teve vitórias parciais. Depois de se reunir com Rubio, o presidente do Panamá, José Mulino, disse que não renovará a participação do país no projeto chinês Cinturão e Rota, um programa de infraestrutura global do país asiático. Apesar disso, Mulino ressaltou que a soberania sobre o canal, para ele, não está em discussão. Na viagem, Rubio disse que Washington “tomará as medidas necessárias” caso o país não reduza a influência chinesa na região.
O Ministério das Relações Exteriores da China disse que Pequim não interfere na área e que considera o canal “uma rota marítima internacional neutra”.
A posição de Trump em relação aos países vizinhos lembra a da Doutrina Monroe. Em 1823, o presidente James Monroe ressaltou, em um discurso, que os americanos não deveriam aceitar intervenções de países europeus na América. Seu lema era “América para os americanos”. No entanto, conforme os Estados Unidos se fortaleceram, as intervenções de Washington foram crescendo. A criação do Canal do Panamá foi uma delas. No começo do século 20, os EUA apoiaram separatistas na Colômbia, que se recusava a aceitar o projeto. Isso levou à independência do atual Panamá. O novo país cedeu uma faixa de terra para a construção do canal, que foi inaugurado em 1914 e ficou até 1999 sob controle de Washington.
Valentina Sader, vice-diretora do centro de América Latina do think tank Atlantic Council, acredita que as ações americanas contra a presença chinesa deverão continuar ao longo dos próximos anos. O assunto, avalia, tem apoio bipartidário nos EUA. “Para alguns países da América Latina e Caribe, o pragmatismo será a palavra para navegar este novo governo dos EUA, enquanto poderemos ver maior alinhamento com alguns líderes de direita, como Javier Milei”, diz.
Em um exemplo dessa aproximação, Rubio fez uma parada em El Salvador para se reunir com o presidente Nayib Bukele, que defende linha-dura contra o crime. Bukele ofereceu as cadeias de segurança máxima do país para receber prisioneiros, tanto imigrantes quanto cidadãos americanos, algo que nunca ocorreu antes. Parcerias assim poderão se tornar realidade neste novo momento das relações entre as Américas.