Revista Exame

Algoritmos em favor do verde: como a IA pode impulsionar o agronegócio

De que maneira a inteligência artificial pode ajudar a prever padrões de manejo agrícola e geração de energia renovável

Manejo agrícola: abrir dados em entidades públicas deverá facilitar a luta contra emissões de gases de efeito estufa (Zhang Zhongping/Getty Images)

Manejo agrícola: abrir dados em entidades públicas deverá facilitar a luta contra emissões de gases de efeito estufa (Zhang Zhongping/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 19 de novembro de 2021 às 06h00.

Última atualização em 28 de janeiro de 2022 às 11h21.

Muito antes de os efeitos da mudança climática no mundo real se tornarem tão óbvios, os dados pintavam um quadro sombrio — com dolorosos detalhes — do tamanho do problema. Durante décadas, dados cuidadosamente coletados sobre padrões climáticos e temperatura do mar foram introduzidos em modelos que analisaram, previram e explicaram os efeitos das atividades humanas em nosso clima. E, agora que temos a alarmante resposta, uma das maiores questões que enfrentaremos nas próximas décadas será como as abordagens baseadas em dados poderão ser usadas para superar a crise climática.

Espera-se que dados e tecnologias como inteligência artificial (IA) desempenhem um papel muito importante. Mas isso só acontecerá se fizermos mudanças significativas no gerenciamento dos dados. Teremos de nos afastar dos modelos comerciais de direitos de propriedade que atualmente predominam nas grandes economias desenvolvidas. Embora o mundo digital possa parecer um mundo amigo do clima (é melhor usar o Zoom para trabalhar do que dirigir até o local da reunião), a atividade digital e da internet já responde por cerca de 3,7% do total de emissões de gases de efeito estufa (GEE), que é quase o mesmo das viagens aéreas. Nos Estados Unidos, os centros de dados respondem por cerca de 2% do uso total de eletricidade.

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Os números da IA ​​são muito piores. De acordo com uma estimativa, o processo de treinamento de um algoritmo de aprendizagem de máquina emite estonteantes 626.000 libras (284.000 quilos) de dióxido de carbono — cinco vezes o consumo de combustível de um carro médio e 60 vezes mais do que um voo transatlântico. Com o rápido crescimento da IA, espera-se que essas emissões aumentem drasticamente. E a blockchain, tecnologia por trás do bitcoin, talvez seja a maior vilã de todas. Por si só, a mineração do bitcoin (o processo de computação usado para verificar transações) deixa uma pegada de carbono aproximadamente equivalente à da Nova Zelândia.

Felizmente, também existem muitas maneiras de a IA ser usada para reduzir as emissões de CO2, com maiores oportunidades em edifícios, eletricidade, transporte e agricultura. O setor elétrico, que responde por cerca de um terço das emissões de GEE, foi o que mais avançou. O grupo relativamente pequeno de grandes empresas que dominam o setor reconheceu que a IA é particularmente útil para otimizar redes de eletricidade, que têm entradas complexas — incluindo a contribuição intermitente de energias renováveis, ​​como a eólica — e padrões de uso igualmente complexos. Da mesma forma, um dos projetos de IA do ­Google DeepMind visa melhorar a previsão dos padrões do vento e, portanto, o uso da energia eólica, permitindo “compromissos de entrega de hora em hora ideais para a rede elétrica com um dia inteiro de antecedência”.

Usando técnicas semelhantes, a IA também pode ajudar a antecipar os fluxos de tráfego de veículos ou trazer maior precisão ao manejo agrícola, por exemplo, prevendo padrões climáticos ou infestações de pragas.

Mas a própria big tech demorou a se envolver seriamente com a crise climática. Por exemplo, a Apple, sob pressão para continuar a fornecer novas gerações de iPhones ou iPads, costumava notoriamente não estar interessada em questões ambientais, embora — como outras empresas de hardware — contribuísse fortemente para o problema do lixo eletrônico. O Facebook também por muito tempo ficou em silêncio sobre o assunto, antes de criar um Centro de Informações sobre Ciência do Clima online no fim do ano passado. E, até o lançamento do Fundo Bezos Terra de 10 bilhões de dólares em 2020, a Amazon e sua diretoria também não estavam se movimentando. Esses recentes desenvolvimentos são bem-vindos, mas por que tanta demora?

A resposta tardia das big techs reflete o problema mais profundo com o uso de IA para ajudar o mundo a obter emissões líquidas zero. Existem muitos dados — o combustível que alimenta todos os sistemas de IA — sobre o que está acontecendo nas redes de energia, edifícios e sistemas de transporte, mas são quase todos sistemas próprios e cuidadosamente protegidos dentro das empresas que os possuem. Para aproveitar ao máximo esse recurso crucial — por exemplo, por meio do treinamento de novas gerações de IA —, esses conjuntos de dados precisarão ser abertos, padronizados e compartilhados.

Esse trabalho já está em andamento. O Centro de Conhecimento C40 oferece um painel interativo para rastrear as emissões globais; ONGs, como o Rastreador de Carbono, usam dados de satélite para mapear as emissões de carvão; e o projeto Icebreaker One busca ajudar investidores a rastrear o impacto total de suas decisões sobre o carbono. Mas essas iniciativas ainda são de pequena escala, fragmentadas e limitadas pelos dados que estão disponíveis.

Liberar muito mais dados, em última análise, exigirá um ato de vontade política. Com “dados comuns” locais ou regionais, as IAs poderiam ser comissionadas para ajudar cidades ou países inteiros a reduzir suas emissões. Como demonstra um artigo de 2019 amplamente distribuído por David Rolnick, da Universidade da Pensilvânia, e 21 outros especialistas em aprendizado de máquina, não faltam ideias de como essa tecnologia pode ser aplicada.

Mas isso nos leva a um segundo e grande desafio: quem terá a posse ou regulará esses dados e algoritmos? No momento, ninguém tem uma boa e completa resposta. Durante a próxima década, precisaremos criar novos e diferentes tipos de validação de informações para recuperar e compartilhar dados em uma variedade de contextos.

Em setores como transporte e energia, parcerias público-privadas (por exemplo, para coletar dados de “medidores inteligentes”) são provavelmente a melhor abordagem, enquanto em áreas como pesquisa, órgãos eminentemente públicos serão mais apropriados. A falta de instituições como essas é um dos motivos pelos quais tantos projetos de “cidades inteligentes” fracassam. Seja o Sidewalk Labs do Google em Toronto, seja o Replica em Portland, eles não conseguem convencer o público de que são confiáveis.

Também precisaremos de novas regras nesse caminho. Uma opção é tornar o compartilhamento de dados uma condição-padrão para garantir uma licença operacional. Entidades privadas que fornecem eletricidade, supervisionam redes 5G, usam as ruas da cidade (como aplicativos de transporte) ou buscam permissão de planejamento local seriam obrigadas a fornecer dados relevantes de forma adequadamente padronizada, anônima e legível por máquina.

Energia eólica: projetos de IA buscam prever padrões do vento (Danil Shamkin/NurPhoto/Getty Images)

Essas são apenas algumas das mudanças estruturais necessárias para colocar o setor de tecnologia do lado certo da luta contra as mudanças climáticas. O fracasso em mobilizar o poder da IA ​​reflete tanto o domínio dos modelos de negócios de coleta de dados quanto um profundo desequilíbrio em nossas estruturas institucionais públicas. A União Europeia, por exemplo, tem grandes agências financeiras, como o Banco Europeu de Investimento, mas nenhuma instituição comparável especializada em orquestrar o fluxo de dados e o conhecimento. Temos o Fundo Monetário Internacional, mas nenhum Fundo Mundial de Dados ou uma entidade equivalente ao Banco Mundial.

Esse não é um problema insolúvel. Mas, primeiro, deve ser admitido e levado a sério. Talvez então uma pequena fração do enorme financiamento que está sendo canalizado para investimentos verdes seja direcionada para o financiamento dos dados básicos e da estrutura do conhecimento de que precisamos com tanta urgência.

 

(Arte/Exame)


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