Cerimônia de abertura de capital na Nasdaq, no início de março: a empresa é a primeira revendedora de produtos agrícolas da América Latina a abrir o capital na bolsa americana (Nasdaq Inc./Vanja Savic/Divulgação)
Publicado em 22 de março de 2023 às 06h00.
Em março, a Lavoro passou a ser a primeira varejista de insumos agrícolas da América Latina listada na bolsa americana, sob o ticker LVRO. O feito é marcante, pois há 2.300 empresas de distribuição espalhadas pelo Brasil, segundo levantamento da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav). No entanto, a pulverização de tantas lojas com bandeiras diferentes tornou-se, na realidade, um ambiente de competição para a inserção de grandes players regionalmente. É essa estratégia de aquisição de revendas que moveu a entrada da Lavoro na bolsa de valores Nasdaq. “Nós nascemos de um [fundo de] private equity, já pensando que algum dia essa empresa teria de captar dinheiro. Ela nasceu para isso”, diz Ruy Cunha, CEO da Lavoro.
A estreia é o fim de um longo processo de negociação — mais de um ano e meio desde o início das conversas até o lançamento do ticker — com a americana The Production Board (TPB), firma de investimentos com foco em startups voltadas para produção de alimentos, sustentabilidade e tecnologia. A operação ocorreu por meio da TPB Acquisition Corporation I, um SPAC do grupo TPB, que anunciou em meados de janeiro a aprovação da combinação de negócios proposta com a Lavoro.
Em 2016, o Pátria Investimentos chegou à conclusão de que faria sentido investir no varejo de insumos agrícolas no Brasil. Não por acaso, afinal o país é o maior importador de fertilizantes do mundo, e a consolidação de empresas via aquisições de revendas já é vista em outros mercados, como Estados Unidos e Argentina — a exemplo da canadense Nutrien, que concentra market share significativo em ambos os países. A tese também está calcada em um fato pouco contestável: a demanda por alimentos no mundo seguirá crescendo nas próximas décadas —, e uma parte significativa do suprimento virá da América do Sul. Portanto, seria um movimento natural dada a importância do continente, e mais especificamente do Brasil, no fornecimento de grãos, fibra e energia ao mundo. “Claramente, o agro está subrepresentado no Ibovespa. Existe um grande mar de oportunidades. Qual é o problema? Acho que o agro precisa se aproximar do mercado financeiro. E talvez o mercado financeiro tenha de perder o medo do agro também”, diz Cunha.
Isso significa que no DNA da Lavoro já havia a aptidão para o mercado financeiro. Primeiro, por ter nascido do private equity Pátria Investimentos. Segundo, porque as negociações foram feitas em conjunto com a TPB, cujo CEO, David Friedberg, é conhecido por aportar recursos que tenham aptidão em sustentabilidade, produção de alimentos e tecnologia. Um exemplo é a criação da The Climate Corporation, adquirida pela Monsanto, em 2013, e posteriormente pela alemã Bayer. Hoje, a Climate FieldView é um dos softwares de monitoramento agrícola mais utilizados no mundo.
Segundo a consultoria Markestrat, em nível global, os dez players principais do varejo de insumos agrícolas ocupavam 20% do market share em 2015. As mesmas empresas atualmente representam 30% do mercado concentrado, o que aponta uma tendência de consolidação nos próximos anos. Com recorte específico para o varejo de agroquímicos e sementes no Brasil, a Lavoro é atualmente responsável por 10% do mercado brasileiro. “A gente percebe que o jogo virou de grandes players e de quem possui acesso à demanda de capital. Isso tem efeitos gerais no setor, como a indústria de insumos tentando fazer movimentações para se adaptar às revendas ou criando as próprias, e o agricultor mais atento a essa postura do mercado”, avalia Arthur Becker, consultor associado da Markestrat. Ele cita o exemplo da Bunge e a aquisição de 30% da revenda Agrofel em 2019.
Falando em crescimento, desde sua fundação o Grupo Lavoro tem crescido, em média, 25% ao ano e acumula uma cartela de 60.000 clientes em território nacional, atuação correspondente a cerca de 30 milhões de hectares. Enquanto as primeiras aquisições foram feitas na Colômbia e em Mato Grosso, ambas em 2017, agora o Grupo Lavoro acumula 24 aquisições e 28 empresas. E o portfólio seguirá adiante crescendo.
Poucos dias depois da entrada na Nasdaq, a empresa anunciou a celebração de um acordo para adquirir o controle acionário da Referência Agroinsumos, marcando a primeira operação de distribuição via varejo da Lavoro no Rio Grande do Sul. A distribuidora, que comercializa insumos de marcas como Bayer e Corteva, cresceu cerca de 43% ao ano nos últimos quatro anos, abrindo sete unidades no estado e apresentando uma receita líquida de aproximadamente 300 milhões de reais em 2022. Agora o negócio está sujeito à aprovação prévia do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Para além da distribuição em si, a Lavoro vê a oportunidade de ampliar o portfólio de soluções por meio da fabricação própria de insumos. “A escala permitiu investir em outras coisas que uma revenda menor não pode, como, por exemplo, um produto de marca própria. A gente deixou de ser apenas varejista e se tornou produtora de insumos também. Criamos uma holding chamada Crop Care, e ela começou a comprar empresas de insumos, incluindo biológicos, fertilizantes especiais, adjuvantes, além da importação de agroquímicos”, afirma Ruy Cunha, CEO da Lavoro.
O CEO da empresa brasileira estima que o faturamento da Lavoro chegue a 10 bilhões de reais até o final do ano, sendo o varejo de insumos responsável por 95% desse resultado. Com a abertura de capital na Nasdaq, a empresa captou 134 milhões de dólares.
Os recursos devem continuar seguindo a estratégia de aquisição de revendas regionais, cujo pipeline já conta com 80 empresas mapeadas entre estágios iniciais e outras perto da conclusão, incluindo empresas brasileiras e também em países da América do Sul. Ruy Cunha estima que seja possível fazer entre quatro e cinco aquisições por ano no próximo biênio.
Parte da captação também visa financiar a agenda da Lavoro em serviços, como a prestação de consultoria para uso de produtos biológicos. Nesse sentido, a empresa também investiu 100 milhões de reais para comprar “a maior fábrica de biológicos do país”, segundo Cunha, com expectativa de operação para o final do ano no município de Itápolis, interior de São Paulo.
Até aqui, o sucesso da empresa trouxe retorno e reconhecimento para seus sócios. Mas quem ganha mesmo é o agronegócio brasileiro.