Norberto (à esquerda), Emílio e Marcelo, as três gerações da família Odebrecht (Germano Lüders/Site Exame)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.
Acostumados a construir barragens, cavar túneis e traçar rodovias, os executivos da Odebrecht - o maior conglomerado de engenharia e construção do país, com faturamento de 40 bilhões de reais em 2009 - veem-se nos últimos tempos às voltas com termos como escotilha, reator nuclear e periscópio. Desde agosto do ano passado, a companhia se dedica a construir, em parceria com a francesa DCNS, o primeiro estaleiro de submarinos do Brasil, na baía de Sepetiba, no litoral fluminense. Até 2015, o consórcio deve entregar à Marinha brasileira cinco submarinos, um deles de propulsão nuclear - modelo fabricado em apenas seis países.
Projetos como esse, que fogem à sua tradição de construir e entregar grandes obras de infraestrutura, são cada vez mais comuns para o sétimo maior conglomerado brasileiro. Hoje, a Odebrecht tem uma gama de negócios tão variada quanto investimentos em estádios de futebol para a Copa de 2014, tratamento de água e esgoto, extração de diamantes na África, produção de energia elétrica e construção de sondas de perfuração de petróleo. São ao todo oito empresas, que ajudaram o grupo a dobrar de tamanho nos últimos cinco anos e que, juntas, devem receber investimentos de 30 bilhões de reais até 2012.
"Nosso objetivo é triplicar o faturamento e passar de 120 000 para 300 000 funcionários até 2020", diz o baiano Marcelo Odebrecht, presidente da companhia e neto do fundador do grupo, Norberto. "Em silêncio, eles alcançaram nos últimos anos um crescimento invejável", diz Benoit Leleux, coordenador do núcleo de negócios familiares da IMD, escola de negócios suíça que concedeu à Odebrecht em outubro o título de empresa familiar do ano. (Desde a criação do prêmio, em 1996, a Odebrecht foi a segunda empresa brasileira a receber o prêmio. A primeira foi a Votorantim, há cinco anos.) "Quantas empresas do mundo contratam 3 000 pessoas por mês para trabalhar em negócios tão diferentes?"
Aos 41 anos de idade, cabe a Marcelo coordenar a expansão do grupo Odebrecht. Nas últimas duas décadas, ele foi cuidadosamente preparado para o posto. Passou por quase todas as áreas de negócio do grupo desde que se formou em engenharia civil pela Universidade Federal da Bahia, em 1991. Em 2002, assumiu o comando da construtora. Naquele ano, seu pai, Emílio, estava deixando a presidência executiva e Marcelo passou a responder diretamente ao novo presidente, o executivo Pedro Novis, dono de uma carreira de 43 anos no grupo, onde ingressou antes mesmo do nascimento de Marcelo.
Os dois conversavam quase diariamente e mantinham uma reunião de acompanhamento semanal. Aos poucos, Marcelo começou a se destacar justamente naquela que se tornaria a grande vertente de crescimento da Odebrecht: a diversificação. Mesmo antes de assumir a presidência do grupo, em 2008, ele teve a ideia de montar a Odebrecht Realizações Imobiliárias, em 2004, que investe em imóveis para alta e baixa renda. Também foi dele a iniciativa de criar a Foz do Brasil, dedicada ao tratamento de água e esgoto para cidades e indústrias. Todas elas têm em comum a estratégia de formar alianças com outros investidores para crescer. Para tirar seis novas companhias do papel, a Odebrecht injetou cerca de 5 bilhões de reais do próprio caixa, mas deixou claro que, dali em diante, esses novos negócios deveriam encontrar por conta própria sócios dispostos a bancar seus projetos. No total, as empresas do grupo receberam uma injeção de 15,5 bilhões de dólares neste ano - metade deles de investidores estrangeiros e 2,5 bilhões de dólares provenientes do BNDES. "Os novos sócios são importantes pelo investimento, mas também porque trazem uma nova cultura e mais disciplina", diz Marcelo.
Diversificação
A diversificação, de certa forma, faz parte da história da Odebrecht. Nos anos 50, o grupo investiu em navios e em madeireiras. Na década de 90, sob o comando de Emílio, pai de Marcelo, entrou nos setores de papel e celulose e em concessões de rodovias e hidrelétricas. Todas essas companhias, porém, foram mais tarde vendidas para o pagamento de dívidas. O primeiro passo bem-sucedido fora da indústria da construção foi dado em 1979, com a compra de uma parcela da Companhia Petroquímica de Camaçari, que em 2002 daria origem à Braskem. Nos últimos três anos, graças ao dinheiro trazido pelas grandes obras de infraestrutura - hoje, a Odebrecht participa de 30 projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por exemplo -, o grupo ganhou fôlego para apostar pesadamente na diversificação. "A família percebeu que não podia ficar dependente de setores tão cíclicos como construção e petroquímica. Diversificar é importante para reduzir os riscos", diz Richard Dubois, especialista em infraestrutura da consultoria PricewaterhouseCoopers.
Nada é tão determinante para a expansão do grupo hoje quanto a relação com os sócios. Durante mais de 60 anos, a Odebrecht atuou por conta própria em todos os seus negócios (a exceção é a Braskem, que já nasceu em sociedade com a Petrobras e o BNDES). A empresa de bioenergia ETH foi a primeira a encontrar parceiros, em 2007 - hoje, 35% da companhia está nas mãos do BNDES e de fundos como o brasileiro Tarpon e o inglês Ashmore. Sem o aporte desses sócios, a ETH não teria fechado o principal negócio de sua história - a compra da concorrente Brenco, em fevereiro de 2010 -, que aumentou em 40% sua capacidade de produção de etanol. No ano passado, a Foz do Brasil recebeu dinheiro do fundo de investimento do FGTS, que poucos meses depois investiu também no braço de transportes do grupo. Mas os maiores contratos com sócios foram fechados neste ano. Em maio, a Gávea Investimentos, de Armínio Fraga, pagou 300 milhões de reais por 15% da Odebrecht Realizações Imobiliárias e, em outubro, a Temasek Holdings, fundo soberano de Singapura, levou 14% da Odebrecht Óleo e Gás por 400 milhões de dólares.
O impulso dos sócios
O caso da Gávea mostra exatamente o efeito multiplicador de investidores externos nas empresas do grupo. Desde sua criação, em 2004, a empresa imobiliária seguia num ritmo de crescimento lento, bem aquém das principais concorrentes. Com a chegada do fundo, cuja principal missão é atrair investidores para executar cada um dos projetos, a incorporadora mais que dobrou o volume de lançamentos, para 2,8 bilhões de reais. A previsão da Realizações Imobiliárias é que sua receita triplique, passando de 420 milhões de reais, em 2009, para 1,3 bilhão, neste ano. "A busca da Odebrecht por novos investidores é a cara de um Brasil mais moderno, que quer manter sua cultura, mas ser mais eficiente, mais ousado", diz Armínio Fraga. Para a Odebrecht Óleo e Gás, criada em 2006, a recente chegada do sócio Temasek também deverá ser decisiva. Estão previstos investimentos de 3,5 bilhões de dólares para a construção de cinco sondas de perfuração de petróleo até 2013. Sem a entrada dos singapurenses em outubro, nada disso seria possível. O faturamento da empresa em 2009 foi de apenas 62 milhões de reais, vindos de prestação de serviço de manutenção de plataformas de exploração de petróleo.
O modelo similar ao de uma incubadora de novos negócios remonta aos pilares da cultura do grupo. Seu fundador, Norberto Odebrecht, hoje com 90 anos de idade, começou a companhia na década de 40, recém-saído da faculdade. Inexperiente, precisou confiar nos mestres de obras para concluir os primeiros projetos - cabia a eles até negociar com fornecedores e contratar funcionários. Terminada cada obra, os lucros eram divididos. A descentralização na tomada de decisões e a participação nos resultados tornaram-se parte da filosofia do grupo e formam a base do que se batizou de TEO (tecnologia empresarial Odebrecht). Alguns de seus executivos podem receber até 15 salários extras por ano em participação acionária.
No total, 40% das ações estão nas mãos de cerca de 1 500 funcionários - que têm a obrigação de revendê-las aos controladores caso deixem a companhia. Segundo executivos próximos ao grupo, metade desse montante pertence a três membros da família Gradin - Victor, conselheiro, pai de Miguel, presidente da Odebrecht Óleo e Gás, e de Bernardo, presidente da Braskem. Os Gradin estão há anos na Odebrecht. (A companhia não comenta essas participações.)
A busca por sócios obrigatoriamente leva o grupo a reforçar a preocupação com a governança corporativa mais transparente - o que deixa para trás capítulos delicados da trajetória da Odebrecht. Nos anos 90, o grupo esteve associado a alguns escândalos, como o dos anões do Orçamento, e foi acusado de formar cartéis com outras construtoras para fraudar licitações de grandes obras federais. (Em ambos os casos, nada ficou comprovado.)
Mais recentemente, em 2008, enfrentou uma queda de braço com o governo do Equador. Sob a alegação de falhas no funcionamento de uma hidrelétrica construída pela Odebrecht, o presidente Rafael Corrêa cancelou quatro contratos firmados com o grupo - mas o episódio estava nitidamente envolto na bandeira nacionalista do governo equatoriano, seguidor da linha de Hugo Chávez. Neste ano, a empresa voltou a operar no país. "A Odebrecht sempre foi um grupo muito fechado, que tinha parte importante de seu sucesso proveniente do bom relacionamento com os governos", diz Dubois, da PricewaterhouseCoopers. "Mas, agora, para atrair investidores e crescer, o grupo terá de mostrar transparência e profissionalismo. É o único caminho possível."