Wall Street: investidores e cotas impulsionaram a presença feminina (AlamY/Fotoarena/Exame)
Cristiane Mano
Publicado em 1 de agosto de 2019 às 05h38.
Última atualização em 1 de agosto de 2019 às 11h03.
A cada início de ano, o americano Larry Fink, presidente do conselho de administração e presidente executivo da BlackRock, maior gestora de recursos do mundo, publica sua já esperada carta aos CEOs. O documento costuma jogar luz nas diretrizes que orientam a decisão de investimento dos 6,8 trilhões de dólares geridos pelo fundo, parte dos quais alocada em ações de companhias listadas em bolsa.
Na mensagem de janeiro de 2019, Fink deu destaque a algumas medidas que, segundo ele, deveriam ser levadas em conta por todos os líderes de empresas porque serão capazes de “garantir crescimento no longo prazo”. Uma delas é a diversidade no perfil dos ocupantes dos conselhos de administração. Fink cumpre a tarefa dentro de casa: dos 18 membros do conselho da Black-Rock, — cinco são mulheres.
A pressão de investidores poderosos como ele ajudou na concretização de um fato histórico na última semana de julho: pela primeira vez, todas as 500 maiores companhias de capital aberto nos Estados Unidos têm pelo menos uma mulher no conselho de administração. No dia 20 de julho, a última companhia dessa lista que não tinha presença feminina, a Copart, empresa de leilão de carros com sede em Dallas, contratou uma conselheira.
Outro fator colaborou para atingir esse marco: uma recente lei de cotas aprovada na Califórnia exige a contratação de pelo menos uma conselheira por empresa.
No final de 2018, quando a lei foi aprovada, 94 empresas com sede no estado tinham conselhos exclusivamente masculinos. Cerca de 60% delas já adicionaram pelo menos uma mulher desde então, sendo que todas as demais deverão cumprir essa transição até 2020.
Embora seja um avanço, a equidade de gênero nesse nível das corporações americanas ainda está longe da realidade. As mulheres por ora somam apenas 27% das posições disponíveis em conselhos de administração. A proporção vem aumentando — em 2012, elas ocupavam 17% dos assentos.
Um estudo qualitativo publicado no início do ano por quatro pesquisadores da Universidade da Pensilvânia constatou o que muitos opositores das cotas defendem: algumas empresas têm contratado mulheres para cumprir tabela.
Nesses casos, dizem os pesquisadores, os benefícios de trazer mais diversidade aos conselhos, que consiste em adicionar pensamentos e pontos de vista variados a discussões estratégicas, não são de fato conferidos ao grupo. Os pesquisadores também apontam que, em geral, a questão vai além da equidade de gênero.
Nos conselhos de grandes empresas americanas falta diversidade de perfis num sentido mais amplo, seja étnico-racial, seja de faixa etária, seja de formação. “Para tornar os conselhos diversos eficientes é preciso desenvolver uma cultura mais igualitária, que eleve vozes diferentes e integre pontos de vista contrastantes”, escrevem os autores do estudo.
No Brasil, apenas 9,4% dos lugares disponíveis em conselhos de companhias abertas são ocupados por mulheres, segundo uma pesquisa realizada pela empresa de recrutamento de executivos Spencer Stuart.
“Como há a tendência de selecionar conselheiros com experiência, sempre houve pouca renovação do perfil contratado”, diz Fernando Carneiro, sócio da Spencer Stuart. “Mas é algo que começa a mudar. O mito de que há poucas mulheres com bagagem para o cargo fica cada vez mais para trás.”
Uma das maneiras de dar visibilidade a elas tem sido um programa de mentoria voltado para a formação de conselheiras, organizado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e com apoio da bolsa B3, da organização Women Corporate Directors e da International Finance Corporation, que é um braço do Banco Mundial. A quarta turma teve início em junho, com 241 inscritas e 32 mentores voluntários, como o executivo Pedro Parente e o consultor Silvio Genesini.
A quantidade de voluntários dobrou em relação à primeira edição em 2016. “Agora somos procurados por muitos deles”, afirma Heloisa Be-dicks, diretora-geral do IBGC.
Da turma anterior, seis das 27 participantes tornaram-se conselheiras. Uma delas é Mônica Pires, presidente e diretora financeira do IBM Lab, laboratório de inovação da empresa de tecnologia. “Após 30 anos de carreira, senti que podia colaborar em outros setores com minha experiência”, diz Mônica, que neste ano se tornou suplente no conselho fiscal de Furnas, subsidiária da Eletrobras. Histórias assim começam a mudar um retrato pouco animador. Mas ainda há muito a ser feito.