Revista Exame

Empresas preparam negros e pardos para o topo do país

Num país em que 54% da população se autodeclara negra ou parda, companhias buscam formas de refletir a realidade brasileira no quadro de funcionários

Estagiários da J. Walter Thompson: diversidade no recrutamento | Germano Lüders /

Estagiários da J. Walter Thompson: diversidade no recrutamento | Germano Lüders /

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 15 de fevereiro de 2018 às 05h00.

Última atualização em 15 de outubro de 2018 às 13h57.

Cinquenta jovens universitários trabalham hoje como estagiários na agência de comunicação J. Walter Thompson, em São Paulo. Eles seguem uma rotina semelhante à dos selecionados todos os anos no programa existente há quase quatro décadas. Um fator inédito, porém, difere a turma atual de todas as outras. Quinze deles são negros e pardos.

É a primeira vez que o grupo não reflete a homogeneidade do perfil observado entre os profissionais da agência. Há um ano, 4% dos cerca de 300 funcionários eram negros.

Com o novo programa de estágio, a proporção já aumentou para 10%. A mudança é o primeiro resultado de uma meta batizada de 20/20: o objetivo de ter pelo menos 20% do quadro composto de negros e pardos até 2020. “A criatividade e a pluralidade que a empresa precisa só existem num ambiente diverso”, diz Ricardo John, vice-presidente de criação da agência.

Segundo um levantamento realizado pelo Instituto Ethos com 500 grandes empresas brasileiras, 12% delas dizem ter medidas afirmativas para promover negros e pardos. Em 2010, o percentual era de 9% — e, em 2000, de apenas 1%. Na agenda de diversidade das empresas, trata-se de uma discussão mais recente, embora venha ganhando espaço.

O percentual de companhias com políticas voltadas para igualdade de gênero, por exemplo, é de 28%. Em 2017, um grupo de 20 empresas decidiu dar origem à Coalizão Empresarial para a Equidade Racial e de Gênero, organizada pelo Instituto Ethos, pela ONG Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades e pela organização inglesa Institute for Human Rights and Business, com o apoio do Movimento Mulher 360 e do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Entre elas estão a varejista Carrefour e a fabricante de bebidas Coca-Cola, que se comprometeram a adotar medidas práticas para ampliar a diversidade étnica de suas equipes.

“Até pouco tempo atrás, não havia a percepção de que as empresas pudessem fazer algo para aumentar a presença de negros nos escritórios”, afirma Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos. “Isso começa a mudar.”

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Num país em que 54% da população se autodeclara negra ou parda, a baixa escolaridade dificulta a ascensão profissional. Em 2015, o ensino superior era realidade para apenas 12,8% desses jovens, segundo o IBGE.

No caso de brancos, o percentual sobe para 26,5%. A disparidade dessa proporção é ainda maior nos cursos e nas universidades de elite que costumam abastecer os processos de seleção de grandes empresas.

Por essa razão, buscar profissionais negros implica mirar locais que estão fora do radar. A agência J. Walter Thompson integrou os novos estagiários a seu time com o serviço da consultoria EmpregueAfro, que desenvolve um banco de dados com candidatos negros e pardos por meio de redes sociais, contato com ONGs e com outras instituições especializadas.

Os interessados foram pré-selecionados e convidados a participar do mesmo processo seletivo junto com os que chegaram por outro caminho.

Outras empresas têm buscado a faculdade paulistana Zumbi dos Palmares, na qual 90% dos 1 500 estudantes são negros. Criada em 2003 com o propósito de colocar mais afrodescendentes no mercado de trabalho, a faculdade oferece cursos de administração, direito, recursos humanos e gestão pelo valor de 300 reais por mês, e incentiva a ascensão de seus alunos por meio de parcerias com empresas como Coca-Cola, Dow e SAP.

“A quantidade de parcerias com as empresas dobrou nos últimos cinco anos”, afirma  José Vicente, um dos fundadores e reitor da faculdade. A Coca-Cola também buscou ajuda no braço institucional da própria empresa.

Os 15 escolhidos para cursar o programa de jovem aprendiz deste ano foram selecionados entre os 400 estudantes que se formaram no último ciclo do Coletivo Jovem — projeto de capacitação para adolescentes de baixa renda do Rio de Janeiro apoiado pelo Instituto Coca-Cola.

Capacitação

Reforçar a formação desses jovens tem sido uma necessidade. É o que se vê no caso da fabricante de cosméticos Avon. Em 2017, os executivos da empresa determinaram pela primeira vez a meta de preencher pelo menos 10% das vagas de estágio com candidatos negros ou pardos. Ao buscar jovens em comunidades em que o Instituto Avon atua, a meta foi atingida.

“Um dos próximos passos é fornecer um curso de inglês para eles”, diz Mafoane Odara, coordenadora de projetos do Instituto Avon. Em 2018, a meta será de 20%. O banco Goldman Sachs faz algo semelhante no Brasil desde 2014.

Em parceria com o escritório de advocacia Linklaters e a escola de idiomas Alumni, patrocina um curso de inglês por dois anos para universitários negros de baixa renda selecionados. Hoje, 30 jovens são beneficiados. Eles também participam de um programa de mentoria com executivos.

Marianne Lucilio, da IBM: exemplo de sucesso para os jovens | Germano Lüders

Aproximar altos executivos desses jovens tem sido considerado fundamental para preparar a ascensão deles a cargos mais altos. Na indústria química Dow, desde janeiro 13 executivos tornaram-se mentores de um funcionário negro. Na companhia de tecnologia IBM, executivos participam há quatro anos de encontros com jovens de escolas de baixa renda, selecionados com uma redação sobre empregabilidade. Eles depois são convidados a se inscrever nos programas de estágio e de trainee regulares da companhia. Uma das executivas a participar dos encontros é a gerente de projeto Marianne Lucilio, que ajudou o avô pedreiro na adolescência.

Numa ocasião, um dos estudantes disse que tinha passado pela mesma experiência e nunca tinha se imaginado em outra carreira. “Histórias reais como essas mostram para esses jovens que é possível”, afirma Adriana Ferreira, líder de diversidade e inclusão da IBM para a América Latina. Theo van der Loo, presidente da empresa de agronegócio e farmacêutica Bayer no Brasil, adotou a causa quando soube que um amigo negro não havia sido recebido por um recrutador que “não entrevista negros”.

Uma das primeiras medidas foi o diagnóstico: 41% dos funcionários da empresa são negros, mas eles ocupam apenas 4,3% dos cargos de liderança. Para tentar mudar essa realidade no futuro, em 2017 estabeleceu que 20% dos cerca de 100 estagiários contratados por ano serão negros ou pardos. Ao mesmo tempo, incentivou os diretores a participar de grupos de diversidade da companhia.

Todos os meses eles se reúnem para discutir os temas que surgem nessas conversas. “Não adianta impor metas e esperar que as coisas aconteçam sem mudar a maneira como as pessoas pensam”, diz Van der Loo. Segundo estimativas do Instituto Ethos, sem ações afirmativas como essa, só daqui a 150 anos a equidade será alcançada no país. Para Van der Loo e outros executivos, é possível abreviar essa espera. 

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