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Admirável mundo novo: a revolução das finanças com impacto social

A brasileira Taynaah reis é símbolo de uma revolução com sua startup Moeda Semente: finanças com impacto social com uso da tecnologia blockchain

Taynaah Reis, fundadora da Moeda Semente: revolução 
em finanças com impacto social (Divulgação/Divulgação)

Taynaah Reis, fundadora da Moeda Semente: revolução em finanças com impacto social (Divulgação/Divulgação)

GR

Gabriel Rubinsteinn

Publicado em 20 de janeiro de 2022 às 05h21.

Última atualização em 20 de janeiro de 2022 às 12h14.

A tecnologia sempre fez parte da vida da mineira Taynaah Reis. Depois de ganhar seu primeiro computador com 1 ano de idade e se tornar programadora autodidata aos 12, ela se tornou referência mundial em finanças descentralizadas, expoente de uma geração que cresceu junto com a internet e usa a tecnologia para transformar o mundo a seu redor. Sua ferramenta? A Moeda Semente, startup que criou em 2017, aos 29 anos, e da qual é a CEO. É difícil enquadrar a empresa nas “caixinhas” de definições tradicionais: trata-se de uma mistura de fintech, aceleradora, corretora de criptomoedas, marketplace e até escola. E tudo isso é pouco para explicar seus planos ambiciosos. 

“Meu pai, que é minha grande inspiração, ajudou a conceber o Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar]. Eu via as dificuldades do trabalho dele. Por exemplo, o acesso ao crédito por mulheres sempre foi muito difícil. Eu sempre falei para o meu pai que faria diferente, que as mulheres receberiam crédito antes, que as taxas seriam menores e que a tecnologia deixaria os processos transparentes”, contou Reis em entrevista à EXAME. Hoje, a Moe­da Semente oferece microcrédito e conecta investidores e pequenos produtores que lideram projetos de impacto social, em especial mulheres de áreas rurais e periferias urbanas do Brasil. E faz muito mais.

Reis está na linha de frente das inovações com tecnologia blockchain, a mesma tecnologia que dá vida a criptomoedas populares como o bitcoin e que vai muito além da possibilidade de lucros exorbitantes para quem investe em ativos digitais que pouca gente sabe para que realmente servem. NFTs, “tokenização” de bens e ativos do mundo real, digitalização de documentos, automação de contratos, operações e serviços financeiros sem intermediários, rastreabilidade, transparência… A tecnologia blockchain tem uma infinidade de aplicações, como se verá nas próximas páginas deste especial Future of Money.

A origem da Moeda Semente remonta a 2016, quando Reis prestava serviços de consultoria para a Organização das Nações Unidas (ONU) para temas ligados ao desenvolvimento sustentável. Nessa época, ela teve a oportunidade de organizar um hackathon, espécie de desafio entre programadores. “O tema do hackathon era como o blockchain pode transformar a vida de cooperativas e agricultoras no Brasil e em países em desenvolvimento para ajudar nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, rememora. 

Depois do hackaton, Reis se juntou aos dois vencedores — uma chinesa e um sul-coreano — e então criaram a Moeda Semente. Eles lançaram a empresa por meio de um ICO (sigla em inglês para Oferta Inicial de Moedas), a versão em blockchain dos IPOs das bolsas de valores. Na época, criaram uma criptomoeda que representava a participação no projeto e a colocaram à venda. Reis conta que atraíram cerca de 800 investidores, principalmente da China e com idades entre 20 e 28 anos, que juntos fizeram um aporte de 20 milhões de dólares. O projeto estava pronto para decolar. 

Hoje, com o MoedaPay, plataforma bancária da Moeda Semente, os beneficiários podem receber o crédito e utilizá-lo com uma única ferramenta. Os valores são enviados utilizando uma criptomoeda de valor estável (as chamadas stablecoins) criada pela Moeda Semente, lastreada em reais, o que faz com que cada unidade da criptomoeda valha sempre 1 real, sem a volatilidade de ativos como o bitcoin. Com o uso da tecnologia blockchain, as transações são todas rastreáveis, o que garante transparência na utilização dos recursos e aumenta a segurança dos investidores. 

Mas o MoedaPay não é apenas para empreendedores em busca de crédito. Pode ser usado como conta bancária por qualquer pessoa. “Oferecemos tudo o que uma fintech ‘tradicional’ faz: pagamento de contas, de boletos, transferências, Pix… Há também a parte de cripto. É possível investir em NFTs de açaí e café, por exemplo. São ativos diferentes dos oferecidos por um banco tradicional, porque enxergamos na geração millennial a demanda por ativos diferenciados e com propósito”, disse a CEO. Os usuários do MoedaPay também têm a opção de investir nos projetos incubados pela plataforma, cujos critérios de seleção estão relacionados com impacto social, preservação ambiental, com a localização, em áreas rurais ou de periferia urbana, e preferencialmente comandados por mulheres.

Silvanar Soares Pereira, produtor do Cajuína São João, beneficiado pela Moeda Semente: fintech providencia acesso a recursos, com custos mais baixos do que no sistema financeiro tradicional (Foto: William Ferreira) (Divulgação/Divulgação)

O crédito para os microempreendedores atendidos não vem apenas dos colaboradores, mas da própria plataforma e de outros investidores. Para garantir o uso correto do dinheiro, a Moeda Semente também aposta na educação: “Percebemos que dinheiro sem educação financeira não funciona. A primeira coisa que os beneficiários faziam era pagar dívidas e contas atrasadas, entre outros erros. Daí criamos o MoedaAcademy”, disse Reis. Produtores em busca de crédito precisam fazer cursos antes de ganhar acesso aos recursos. Como os produtores atendidos vêm de áreas rurais ou outras regiões com enorme carência educacional e financeira, o MoedaAcademy também oferece cursos e conteúdos sobre negócios, utilização da plataforma, blockchain e criptomoedas, entre vários outros temas.

O caso de Reis é exemplar de um mundo em transformação cujas inovações não fazem mais parte de um cenário futurista: as novas tecnologias já estão impactando o mundo, o Brasil e comunidades muito além do microcosmo da Faria Lima. O block­chain é parte fundamental desse processo, que tem as moedas digitais no epicentro. Não só as criptomoedas como o bitcoin, mas a digitalização do dinheiro de forma geral, algo testemunhado no Brasil com o Pix e, em breve, com o real digital. Novos modelos de negócios, como os das fintechs, já alcançam grandes proporções. Reis é incisiva sobre a importância da tecnologia blockchain para o crescimento da Moeda Semente: “Não seria possível fazer o que estamos fazendo: calcular o impacto social e ambiental de cada transação, fazer um programa de incentivos com criptomoeda e NFTs, oferecer crédito para negativados, ter uma plataforma interativa com gamificação, oferecer serviços financeiros para quem está à margem do sistema tradicional”.

Em 2019, a empresa ganhou um parceiro de peso. Com um acordo com a Mastercard, o MoedaPay passou a oferecer um cartão para seus usuários, que podem utilizar a stablecoin, ou bitcoin, ou reais da sua conta com um cartão convencional — inclusive fazendo saques em caixas eletrônicos. A parceria deu tão certo que desde 2021 o MoedaPay faz parte do “Start Path”, o programa de aceleração de startups do gigante de pagamentos. Foi a única empresa brasileira selecionada. Reis conta que os próximos passos são expandir o alcance da Moeda Semente. “Temos infraestrutura para ganhar escala tanto no Brasil, onde temos 100.000 usuários ativos, quanto em outros países. Hoje nos sentimos prontos para fazer remessas com criptos e usá-los como colateral [garantia] de empréstimos. E a começar a oferecer linhas de crédito.” O plano pode parecer ousado, mas o impacto positivo já causado pela Moeda Semente e as novas tecnologias é uma prova de que os limites estão sendo redefinidos.

(Arte)

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