Revista Exame

Abertura de capital de estatais neste ano é péssima ideia

Ao estruturar às pressas a abertura de capital de três empresas estatais — e num momento péssimo da bolsa —, o governo deve captar bem menos do que poderia


	Posto BR: sem condições de abrir o capital neste ano
 (Antonio Cruz/ABr)

Posto BR: sem condições de abrir o capital neste ano (Antonio Cruz/ABr)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2015 às 10h16.

São Paulo — A bolsa brasileira vive, há quase quatro anos, numa lama de dar dó — e, quando parece que a coisa não pode piorar, eis que piora. Em dólares, o Ibovespa está no mesmo patamar de uma década atrás. O valor de mercado de todas as empresas brasileiras equivale à capitalização da companhia americana General Electric.

Com tudo valendo tão pouco, é natural que tenham sumido as operações de abertura de capital. Nos últimos dois anos, apenas duas empresas estrearam na Bovespa, enquanto dez fecharam o capital. Empresários em sã consciência vão esperar um momento melhor para emitir ações por um preço maior. A não ser que o empresário em questão seja o governo — e não qualquer governo. Este governo. 

Três empresas estatais planejam enfrentar as adversidades e abrir o capital na Bovespa. A distribuidora de combustíveis BR (controlada pela enroladíssima Petrobras), a corretora de seguros Caixa Seguridade e a empresa de resseguros IRB. Seriam, em tempos normais, operações louváveis.

Pelo menos em tese, uma empresa estatal só tem a ganhar com o escrutínio do mercado financeiro — o escândalo da Petrobras mostrou que é possível esconder o diabo dos acionistas, mas a empresa está sendo obrigada a reagir. Ao vender ações, claro, o governo também pode levantar alguns bilhões de reais.

Mas, infelizmente, as aberturas de capital que estão na fila para sair estão sendo feitas pelas razões erradas, do jeito errado e na hora errada.
Os maiores problemas estão na BR, subsidiária da Petrobras notória por ter sido, durante anos, feudo de estadistas como o ex-presidente Fernando Collor de Mello.

A abertura do capital da BR, tentativa um tanto desesperada de recompor o caixa da Petrobras, vem sendo um espetáculo que beira o mambembe — “amadorismo” é a palavra mais leve usada por executivos de bancos que estão participando do processo. José Lima de Andrade Neto, presidente da BR, foi citado por delatores da Operação Lava-Jato por suspeita de corrupção.

Outros três diretores foram afastados. Que investidor colocaria seu dinheiro num rolo desses? Em agosto, houve uma reunião para decidir se valia a pena realizar agora a oferta de ações. Os conselheiros votaram. Murilo Ferreira, que é presidente da mineradora Vale e chefe do conselho de administração da Petrobras, votou contra.

Afirmou, segundo a ata da reunião, que seria melhor nomear um novo presidente antes da operação e estruturar o plano de negócios da companhia. É o óbvio, mas apenas dois conselheiros concordaram com Ferreira, e eles foram minoria. O processo ganhou sinal verde, e a empresa comunicou que procuraria um presidente enquanto passava o chapéu no mercado internacional.

Tinha tudo para dar errado e não demorou para que começasse a dar. A Petrobras montou um comitê para dar andamento à operação. Com a credibilidade que só uma equipe da Petrobras carrega, esse comitê elaborou um “plano de negócios” que prevê que a BR, maior distribuidora de combustíveis do país, abriria 60 postos por ano até 2020.

A rede Ipiranga prevê inaugurar 300 postos por ano, e a Shell, cerca de 400. Se isso acontecer, a BR deixará de ser a líder e se tornará apenas a terceira maior companhia do setor. “Dá até vergonha falar para o investidor que o plano da empresa líder é estar em terceiro lugar”, diz o executivo de um banco que está participando da abertura do capital.

Em 27 de agosto, quando já havia ficado mais do que evidente que esse jabuti não voaria batendo suas patas, a BR decidiu que a abertura do capital ficaria para o início de 2016.

As estimativas iniciais indicavam que a companhia poderia valer até 100 bilhões de reais na Bovespa e que o governo captaria 25 bilhões de reais com a venda de parte de suas ações (já que a empresa aprovou a venda de um quarto das ações). Agora, fala-se em um desconto de pelo menos 50%.

Pegadinha

A Caixa Seguridade e o IRB mantinham, até o fechamento desta edição, os procedimentos para abrir o capital. Inicialmente, as empresas foram bem avaliadas por bancos e investidores porque, apesar da crise, as contratações de seguros continuam crescendo.

No caso da Caixa Seguridade, existe uma vantagem adicional: um contrato de exclusividade com a Caixa Econômica que determina que ela é a única corretora que pode vender seguros nas 3 500 agências do banco por 35 anos. Mas há uma pegadinha. A Caixa Seguridade é sócia da Caixa Seguros, que, por sua vez, é controlada pela seguradora francesa CNP.

Em princípio, o fato de haver um sócio privado era visto como ponto positivo, já que diminui o risco de ingerência estatal. O problema é que o contrato com a CNP termina em 2021. Se ele não for renovado e a Caixa Seguridade não fechar uma parceria com outra seguradora, pode não ter o que vender nas agências.

Para os envolvidos na negociação, é pouco provável que a CNP não queira negociar, pois isso a faria perder a chance de vender seguros nas agências da Caixa. A dúvida é quais serão as exigências dos franceses — o que terá impactos nos resultados da Caixa Seguridade. Em razão da incerteza, a perspectiva de valor de mercado da empresa já foi reduzida 30%.

O IRB é a única companhia que, até agora, manteve inalterado o plano de estrear na bolsa até o fim do ano. BR, Caixa Seguridade, IRB e Petrobras não deram entrevista. Nem sempre as empresas esperam até que esteja tudo em ordem para estrear na bolsa.

Mas, geralmente, companhias menos estruturadas abrem o capital em períodos de euforia, quando é mais fácil convencer os investidores a esquecer os resultados do presente e a acreditar num projeto futuro. Hoje, a única saída para atrair investidores é dar descontos, o que é péssimo para os cofres públicos.

Não é a primeira vez que o governo brasileiro vende sua participação em companhias num momento complicado: nos anos 90, a privatização da fabricante de aviões Embraer, da Vale e da siderúrgica CSN, entre outras, foi feita às pressas para ajudar a fechar as contas públicas.

A diferença é que, naquela época, as vendas também tinham o intuito de melhorar a gestão e os produtos oferecidos por essas companhias — o que, de fato, aconteceu. Apesar de criticar a condução do processo, os banqueiros têm feito de tudo para que as aberturas de capital saiam do papel. Com o mercado parado, a remuneração obtida com essas operações pode garantir algum bônus.

A expectativa é que a desvalorização do real atraia investidores estrangeiros. Num relatório sobre as tendências para o mercado de capitais, a consultoria Ernst&Young destacou que mais empresas estatais devem abrir o capital, especialmente em países em que o governo precisa de dinheiro.

A maior oferta inicial de ações do mundo neste ano foi a da estatal espanhola Aena, operadora de aeroportos, que captou 5 bilhões de dólares. O recorde pode ser batido nos próximos meses pelos bancos postais da China e do Japão, que pretendem levantar de 20 bilhões a 25 bilhões de dólares no mercado.

A China começou a preparar a operação há mais de um ano. No Japão, a abertura de capital é discutida desde 2005. Sem espaço para amadorismo.

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