Revista Exame

Abandono da meta de superávit é confissão de derrota

Trabalhar mais para atingir a meta de superávit? Nem pensar. O governo se entregou à sua estratégia preferida: se o objetivo ficou difícil, abandona-se


	 Dilma Rousseff: os discursos sobre economia da presidente têm sido incoerentes e sem nexo
 (David Paul Morris/Bloomberg)

Dilma Rousseff: os discursos sobre economia da presidente têm sido incoerentes e sem nexo (David Paul Morris/Bloomberg)

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Da Redação

Publicado em 29 de julho de 2015 às 18h00.

São Paulo — Lembram-se do superávit primário? Sim, ele mesmo, o bom e velho superávit primário, que o governo deveria conseguir neste ano para atenuar a de­generação das contas públicas — resultado direto da macumba econômica tão ao gosto da presidente Dilma Rousseff, que passou todo o seu primeiro mandato acreditando nas virtudes do aumento eterno de gastos sem cobertura.

Pois é: o superávit, que provocou tanto choro e ranger de dentes no mundo oficial, dançou. Após seis meses de palavrório vazio, declarações contraditórias e trapaça pura e simples, a verdade enfim acaba de aparecer — não vai haver economia nenhuma nas despesas do governo em 2015, e também é bom não ficar contando com sobras de verdade para o futuro mais próximo.

Volta-se, assim, ao ponto onde não se começou nada. O esforço para reduzir gastos e aliviar o crescimento da dívida, anunciado com altos propósitos em janeiro, foi se desmilinguindo ao longo do ano, diante da ira que despertou nas alas “esquerdistas” do PT, nas centrais sindicais controladas pelo poder público e em parte do próprio governo Dilma.

A meta do superávit para 2015, ultimamente, andava reduzida a 1,2% do PIB, ou cerca de 65 bilhões de reais. Mas agora ficou decidido que não sobrará nem mesmo esse dinheirinho. Em seu mais recente pronunciamento à nação, as autoridades econômicas informaram que a meta foi reduzida a um décimo do que era prometido. Agora é o equivalente a 0,15% do PIB, ou pouco acima de 8,5 bilhões de reais — uma miséria que não dá para pagar nem 45 dias de juros da dívida pública.

Ficamos assim, então: o Brasil pagaria pelo “ajuste” com uma “recessão brutal”, no linguajar dos opositores; agora vamos ter a mesma recessão, calculada em 2% do PIB deste ano, e não haverá ajuste nenhum. Em vez de apenas uma coisa ruim, agora haverá duas. O argumento, se argumento houver, é que não adiantava nada falar em economia de 65 bilhões, ou sabe-se lá quanto, quando já está praticamente definido que o governo não vai conseguir chegar nem perto disso.

Mas a coisa certa, nesse caso, não seria fazer o necessário para completar a meta? Trabalhar mais, em vez de correr da raia? Nem pensar. Mais uma vez, o comando do país se entrega à sua estratégia preferida: se o objetivo ficou difícil, abandona-se o objetivo. Esse método de gestão pode até parecer esperto, pois ao fim do ano os barões de Brasília sempre terão um jeito de dizer que cumpriram o que estava previsto.

Mas na vida real é apenas uma confissão de derrota — mais uma. Quantas outras estão na fila? Os sinais são ruins. A ideia de buscar o superávit, bem ou mal, era a única demonstração de vida inteligente no atual governo; parecia, pelo menos, que havia ali alguém capaz de ter um conceito qualquer. Sem isso, apenas se reforça a impressão de que ninguém sabe o que está fazendo.

Não existe registro, nestes últimos seis meses — o tempo corrido desde o começo do segundo mandato de Dilma —, de nenhum pronunciamento da presidente da República sobre a economia que tivesse um mínimo de coerência. Suas declarações mais notáveis (as únicas, até agora, a deixar alguma lembrança) foram para “saudar a mandioca” como uma das “maiores conquistas do Brasil” e informar que a descoberta do fogo foi uma das duas maiores vitórias da “tecnologia”.

Em uma recente manifestação pública, na inauguração de uma usina de etanol (privada) no interior de São Paulo, disse o seguinte: “O etanol, por ser um combustível verde-amarelo, é também uma prova de que este combustível verde-amarelo, ele é possível de ser utilizado por todos os veículos que se movimentam no Brasil. Nós somos um dos poucos países que podem dizer isso”.

Não ocorreu à presidente que o governo, como parte de sua estratégia energética, passou quatro anos fazendo o possível para arruinar a indústria do álcool, quem sabe por considerar sua presença na área de combustíveis uma ameaça — mas isso talvez seja o de menos. Onde a coisa está feia, de verdade, é na persistente falta de nexo em tudo o que ela diz. A quem apelar?

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