Ramon Laguarta, CEO global da PepsiCo: “A sociedade, no longo prazo, não nos permitirá fazer parte de suas comunidades se não formos uma empresa sustentável” (Eduardo Frazão/Exame)
Repórter Exame IN
Publicado em 17 de novembro de 2022 às 06h00.
Última atualização em 10 de outubro de 2024 às 11h35.
Todos os anos, 450.000 toneladas de batata, milho, trigo e mais uma variedade enorme de matéria-prima agrícola saem de propriedades rurais do país para as nove fábricas da PepsiCo no Brasil, onde a multinacional americana, cuja receita anual é superior a 80 bilhões de dólares, opera desde 1953.
São compras equivalentes a 250 milhões de dólares, porque 99,6% dos ingredientes agrícolas usados na fabricação de salgadinhos como Doritos, Lay’s e Ruffles são de produção local. Nem sempre foi assim, mas é e será cada vez mais.
Ampliar a participação de ingredientes locais na composição de produtos e apoiar uma agricultura mais sustentável faz parte do plano de metas globais da companhia para reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa e se tornar, até 2040, net zero em emissões de carbono.
Na lista também estão os objetivos de reutilizar 100% da água consumida nas fábricas até 2030, reduzir a adição de açúcares e o percentual de sódio e gordura saturada (uma equação difícil para quem vende snacks e refrigerantes), e alcançar paridade de gênero em funções de gerenciamento até 2025.
“O desafio de transformar a sociedade e os modelos econômicos para um mundo net zero não pode ser exclusivo do poder público. Todos os políticos entendem que tem de haver uma colaboração público-privada que leve a soluções sustentáveis.
A inovação vem das empresas”, diz Ramon Laguarta, CEO global da PepsiCo, em entrevista exclusiva à EXAME, em São Paulo. A busca por essa inovação, no caso da americana, está sob o guarda-chuva do programa PepsiCo Positive, ou simplesmente Pep+, que reúne as iniciativas ESG (ambientais, sociais e de governança) do grupo desde o campo, passando pela cadeia de produção até chegar às pessoas, tanto consumidores quanto colaboradores.
Um dos dez maiores mercados da companhia no mundo, o Brasil deverá receber até o fim deste ano 62 milhões de reais em investimentos para as iniciativas do Pep+, 30% acima do que a empresa aportou em 2021. O orçamento de 2023 já estima montante novamente 30% maior na base anual, ou seja, algo na casa dos 80 milhões de reais.
Exemplo de uma das iniciativas do país é o uso de cascas de coco como fertilizantes nas fazendas que fornecem para a marca Kero Coco. O modelo reduz o uso de fertilizantes químicos, o que diminui emissões e otimiza a eficiência da irrigação por meio da redução do consumo de água.
A companhia não abre o investimento total no programa em todo o mundo, mas neste ano foi pela segunda vez ao mercado buscar recursos em um modelo de captação que está cada vez mais no dia a dia dos investidores, os green bonds — cujas emissões no primeiro semestre do ano alcançaram 700 bilhões de dólares, segundo a Bloomberg. Esses títulos de dívida são emitidos justamente para financiar projetos ambientais e sociais.
A PepsiCo já havia captado 1 bilhão de dólares em 2019 nessa modalidade de operação, cujos recursos foram distribuídos em mais de 250 investimentos. Em julho deste ano, levantou mais 1,25 bilhão de dólares, valor correspondente a quase 6% da receita da companhia apenas no terceiro trimestre deste ano, quando faturou 21,97 bilhões de dólares, um avanço de 9% ante o mesmo período de 2021.
“O PepsiCo Positive faz parte de nossa estratégia de crescimento de longo prazo. É assim que pensamos que a empresa vai vencer”, diz Laguarta, observando não haver mais espaço para empresas que não estejam considerando a sustentabilidade como estratégia de negócios. “Acreditamos que a sustentabilidade pode nos tornar uma empresa com melhor desempenho? Sim, eu acho que pode. Pode e vai nos fazer melhores”, conclui.
O PepsiCo Positive faz parte de nossa estratégia de crescimento de longo prazo. Criamos o Pep+ como marco dessa transformação de como queremos vencer no futuro, fazendo as coisas de uma maneira diferente, que nossos funcionários, nossas comunidades e nossos consumidores realmente valorizem. Então definimos três grandes pilares como forma de comunicar e organizar nossos pensamentos. Um é a agricultura.
Somos uma empresa agrícola muito grande, porque compramos cerca de 20 matérias-primas agrícolas diferentes, como batata, milho, trigo, tomate, pimenta, coco. Portanto, ter uma agricultura muito boa exige que ela seja positiva para a terra e é fundamental para a sustentabilidade da nossa organização.
Queremos ser líderes na transformação da agricultura para o que chamamos de agricultura regenerativa. Isso significa que queremos que todos os agricultores que trabalharam conosco tenham práticas de culturas que cuidem da terra, do solo. Por isso firmamos um compromisso de ter 7 milhões de acres, que é ao que corresponde nossa demanda de insumos todos os anos, de agricultura regenerativa.
Outro componente são os meios de subsistência das pessoas que fornecem para nós. Queremos ter certeza de que esses agricultores crescerão conosco para que possam ter uma vida melhor e melhores meios de subsistência. Esses são os dois componentes da agricultura positiva.
Como fazemos isso? Obviamente, ajudando-os a ser mais produtivos, possibilitando que eles ganhem mais dinheiro com suas práticas agrícolas. Neste ano financiamos 14 projetos de 11 países, incluindo o Brasil, para achar soluções para alguns dos principais desafios que a agricultura enfrenta. Entre 2020 e 2021, foram mais 20, com investimentos estimados em 27 milhões de dólares até 2026.
Nosso segundo grande pilar é o que chamamos de cadeia de valor positiva, que envolve desde o momento em que recebemos as matérias-primas das fazendas até o momento em que as entregamos ao consumidor.
Existem alguns grandes elementos nisso, como o de querermos ter um consumo líquido zero de água em nossa cadeia de suprimentos até 2030. Significa que vamos reduzir o consumo de água em nossas fábricas e vamos trazer 100% de volta ao sistema de água, tratá-la e reutilizá-la.
Outro elemento é zerar as emissões de gás carbônico até 2040. É uma transformação massiva, que impacta tudo o que fazemos, como o compromisso de reduzir em 50% o consumo de plástico virgem. Dentro da cadeia de valor positiva, estamos falando sobre nosso próprio pessoal, como queremos que nossa empresa seja, e existem todos os nossos compromissos com a diversidade e inclusão e o tipo de trabalho que queremos criar na empresa.
Vemos ao redor do mundo que todos os países estão se tornando multirraciais e as pessoas estão se tornando muito mais diferentes. Queremos criar uma organização em que nossos funcionários tenham o poder de ser eles mesmos, na qual não precisem mudar a si mesmos para vir trabalhar. E por isso temos compromissos com diversidade e inclusão e com o modo como queremos que nossos fornecedores atuem nesse espaço.
Por fim, está o que chamamos de escolha positiva, que é muito importante porque somos uma empresa voltada para o consumidor. Nesse quesito, olhamos para nosso portfólio e marcas. É como queremos evoluir para sermos positivos para o planeta e para as pessoas. Estamos reduzindo sódio e gorduras, por exemplo. Toda marca vai ter um papel na transformação da sociedade e trazer uma mensagem.
No longo prazo, acho que todos teremos recursos e boas ideias, mas o talento fará a diferença. A diferença entre talento engajado e talento desengajado é enorme no desempenho da empresa. Sabemos que, especialmente para as gerações mais jovens, é preciso ter um propósito muito maior, sentir orgulho para permanecer nessas empresas.
Seremos uma companhia com melhor desempenho, porque seremos capazes de recrutar os melhores talentos e tê-los mais engajados, se formos uma empresa que realmente está causando impacto na sociedade. Em segundo lugar, achamos que os consumidores eventualmente preferirão marcas que tenham um propósito e um impacto positivo na sociedade. Pode não ser comprovado 100% em todo o mundo, mas em alguns países é muito claro. Vemos isso na Europa Ocidental, vemos isso em partes dos Estados Unidos. Vemos consumidores mais educados.
Pelo mesmo preço, vão escolher a marca que está fazendo algo pela sociedade. Então esse é o nosso desafio, certo? Como achamos que é factível? A Lay’s, por exemplo, não precisa ser mais cara, mas, ainda assim, pode impulsionar práticas regenerativas na agricultura.
A Pepsi não precisa ser mais cara por ter menos açúcar ou ser sem açúcar. A garrafa de H2OH! pode ser 100% de plástico reciclável e não precisa ser mais cara. Nós podemos, na nossa alocação geral de custos, arcar com isso como companhia. E achamos que essa é uma maneira de os consumidores preferirem nossas marcas em vez de outras.
Talvez ganhemos menos por unidade, mas vamos vender muito mais. Devido à escala da nossa empresa, podemos fazer essas escolhas. E podemos dizer que nossas marcas serão marcas que causam impacto social, e ainda serão muito acessíveis e serão preferidas. Então a sua pergunta é se acreditamos que a sustentabilidade pode nos tornar uma empresa com melhor desempenho?
Sim, eu acho que pode. Pode e vai nos fazer melhores. Agora a outra parte tem a ver com gestão de risco. A sociedade, no longo prazo, não nos permitirá fazer parte de suas comunidades se não formos uma empresa sustentável.
Nós vemos isso como o que chamamos de saúde holística. Os consumidores fazem escolhas mais equilibradas para terem pequenos prazeres durante seu dia a dia. E isso está crescendo e mudando a indústria. Nós vemos isso em bebidas, nós vemos isso em snacks, em biscoitos e em muitos chocolates diferentes, por exemplo. Agora, dentro desse universo nossos produtos são os mais saudáveis de todos os salgadinhos. Esse é o nosso papel.
Queremos ser o salgadinho mais saudável do planeta. E como nós faremos isso? Bom, baixando os níveis de sódio ao longo do tempo, por exemplo. Sem que o cliente nem note alguma alteração de sabor. As novas regras de rotulagem estão começando a entrar em vigor no Brasil e acho que muitos consumidores vão se surpreender porque 84% dos nossos produtos não terão o selo de “rico em açúcar, sódio ou gordura trans”. Eles vão ver que talvez o pão tenha mais sódio do que um salgadinho nosso.
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