Revista Exame

A virada de Jurerê: um dos principais destinos de alta renda no Brasil abraça o 'quiet luxury'

Com investimentos de 5,5 bilhões de reais até 2028, um dos cartões-postais de Florianópolis quer ir além dos beach clubs para conquistar turistas e moradores de alta renda

Orla de Jurerê: alargamento da faixa de areia para 40 metros custou 25 milhões de reais (Divulgação/Divulgação)

Orla de Jurerê: alargamento da faixa de areia para 40 metros custou 25 milhões de reais (Divulgação/Divulgação)

Publicado em 24 de abril de 2025 às 06h00.

Última atualização em 24 de abril de 2025 às 17h56.

A Praia de Jurerê, no norte da ilha onde fica Florianópolis, vive uma onda de mudanças como há muito tempo não se via. Por ali fica Jurerê In (antes chamado de Internacional), um bairro planejado pela incorporadora gaúcha Habitasul numa área de 500 hectares. Desde a entrega das primeiras casas, em 1980, o local virou um dos principais destinos de lazer de famílias de altíssimo padrão no Brasil.

Em boa medida o apelo vem da ótima estrutura do bairro. Num país incapaz de construir redes de esgoto para sua população, os moradores de Jurerê contam com 100% do saneamento tratado pela própria Habitasul. Todas as ruas do bairro têm asfalto e é raro ver o emaranhado de fios que enfeiam postes Brasil afora. A violência urbana é praticamente inexistente, graças a um circuito de 250 câmeras de segurança instaladas em ruas e pontos de encontro.

Não à toa o bairro é tão valorizado. O valor do metro quadrado das residências com vista para o mar costuma superar os 20.000 reais em Jurerê. Nas últimas duas décadas, o local ganhou projeção nacional por sediar alguns dos beach clubs mais seletos do país. Esses bares à beira-mar ganharam manchetes com extravagâncias como um serviço de banho de champanhe ou combos de bebidas refinadas cujo preço não raro chega às dezenas de milhares de reais.

José Mateus, diretor de negócios da Habitasul: maior fase de mudanças em quatro décadas do bairro planejado (Dani Dalla/Divulgação)

Agora, a fórmula de sucesso de Jurerê está passando por uma das transições mais relevantes em 45 anos. O verão passado foi o primeiro após o alargamento da faixa de areia. O avanço do mar sobre zonas de restinga havia restringido a menos de 10 metros a área para banhistas em alguns pontos. Agora, os 3,3 quilômetros de praia têm em média 40 metros de largura. É o suficiente para instalar guarda-sóis, barracas e toda sorte de apetrechos para curtir o sol com segurança.

Metros para dentro da orla também apresentam novidades. Tido como o primeiro shopping center a céu aberto do sul do Brasil desde a sua abertura, em 1995, o Jurerê Open Shopping ganhou uma praça de alimentação justamente numa das saídas da praia, a poucos metros do Il Campanario, resort de luxo administrado pela Habitasul. O espaço atraiu marcas com apelo ao estilo de vida saudável, como a rede de açaí Oakberry e a de cafeterias Café Cultura. A praça tem ainda um anfiteatro onde volta e meia tocam alguns dos principais artistas com passagem por Florianópolis.

Nos próximos meses, o local deve ganhar um prédio de até 15 andares com espaços comerciais. A ideia é trazer startups interessadas em atrair talentos com a proximidade do mar. Até 2028, o valor geral de vendas (VGV) dos empreendimentos previstos para o bairro devem somar 5,5 bilhões de reais. “Estamos numa  fase de mudanças em Jurerê”, diz José Mateus, diretor de negócios da Habitasul desde 2019.

A origem de Jurerê In

Por trás dos movimentos está uma tentativa de mudar o perfil de Jurerê, de um destino de lazer para os endinheirados para um bairro onde é possível viver, trabalhar e ter muito entretenimento para além da praia. Dois motivos explicam a virada. O primeiro é um certo esgotamento do modelo de beach clubs. Ao mesmo tempo que trouxeram fama e visitantes ilustres, como modelos, jogadores de futebol e alguns dos principais DJs do mundo, os clubes causaram desavenças com moradores em razão do barulho e da muvuca na praia.

Em paralelo, diversas ações do Ministério Público e da União obrigaram os espaços a reduzir seu tamanho para evitar danos ambientais à vegetação de restinga da orla. Ao clima de fim de festa se soma a concorrência acirrada de outros pontos turísticos para o público AAA. A 100 quilômetros de Jurerê por estradas (em linha reta, pelo mar, é metade disso), Balneário Camboriú ganhou fama internacional nos últimos anos justamente pelo apelo ao público afeito à ostentação. Conhecida como a “Dubai brasileira” pela profusão de arranha-céus na orla, Camboriú virou o metro quadrado mais valorizado do país ao atrair novos ricos, sobretudo os ligados à pujança do agronegócio no Centro-Oeste.

Hotel Il Campanario, um dos dois administrados pela Habitasul em Jurerê: praça de alimentação e torre corporativa devem mudar o perfil dos visitantes (Divulgação/Divulgação)

As novidades em Jurerê também coincidem com mudanças na própria Habitasul, um negócio com ativos avaliados em 1,57 bilhão de reais e ações negociadas na B3, a bolsa de São Paulo, desde os anos 1980. A empresa foi fundada em Porto Alegre, em 1967, pelo advogado, jornalista e empresário gaúcho Péricles de Freitas Druck, um pioneiro no desenvolvimento urbano brasileiro que faleceu em junho de 2024, aos 83 anos. No início, a Habitasul desenvolveu loteamentos habitacionais voltados para a classe média na Grande Porto Alegre. Em paralelo, criou uma instituição financeira focada no financiamento imobiliário dos clientes.

O salto veio com a aposta no turismo. Numa sociedade com empresários da Serra Gaúcha, Druck foi um dos responsáveis pelo Parque Laje de Pedra, complexo turístico em Canela inaugurado em 1978 com condomínio e um hotel cuja construção envolveu até o arquiteto Oscar Niemeyer. Fechado desde a pandemia, o hotel está passando por reformas e, sob direção de um novo grupo de investidores, deve reabrir como a primeira unidade da grife hoteleira de luxo Kempinski na América do Sul.

A guinada para Santa Catarina veio na sequência, com o bairro planejado no norte de Florianópolis e, em 1994, com a aquisição do controle da fabricante de papel e celulose Irani, com cinco unidades fabris, duas delas em Vargem Bonita, cidade no meio-oeste catarinense. Com faturamento de 2 bilhões de reais em 2024 e também com ações negociadas na B3, a Irani é uma das principais fabricantes de embalagens com pegada sustentável no país. A matéria-prima vem de florestas próprias em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, e boa parte da energia da usina é de fontes sustentáveis. Atualmente, a presidência das duas companhias — Irani e Habitasul — é do administrador Sérgio Ribas, que entrou no grupo há 20 anos.

Arquitetura assinada

Na prática, o dia a dia da operação na Habitasul passa por José Mateus, formado em engenharia e pós-graduado em administração em universidades prestigiadas, como as americanas Harvard e Kellogg e a francesa Insead, e com oito anos de experiência na Irani antes de assumir o cargo na Habitasul. Ao que tudo indica, o futuro da empresa está em Jurerê. “A expansão do bairro está no centro da nossa estratégia”, diz ele.

Daqui para a frente, os rumos de Jurerê devem ser muito inspirados na lógica do quiet luxury, em voga mundo afora. O conceito de “luxo discreto”, numa tradução livre, pressupõe um comedimento nas demonstrações ostensivas de riqueza. Sai de cena o público afeito aos banhos de champanhe e a circular pelo bairro com carrões importados. Em vez disso, a aposta é atrair um público consciente o suficiente da própria riqueza e disposto a investir o dinheiro em atividades capazes de trazer satisfação no longo prazo.

Uma das frentes para isso é a própria expansão imobiliária de Jurerê. Boa parte dos 5,5 bilhões de reais em valor geral de vendas previstos para o bairro até o fim da década deve vir de novos prédios em regiões ainda pouco exploradas por ali e de residências construídas numa área virgem de 217 hectares em direção à Praia da Daniela. Em sua maioria, os empreendimentos terão uma pegada sustentável, com matéria-prima de fontes certificadas.

Além disso, os novos edifícios serão assinados por escritórios de arquitetura renomados, como o do paulistano Arthur Casas, responsável por residências de luxo em Nova York, Paris e Tóquio, e de Marcio Kogan, que assina hotéis em destinos paradisíacos, como Maldivas. Em Jurerê, ele assume um complexo de hotelaria e um edifício residencial próximo a Il Campanario, com restaurantes e serviços no térreo.

Ao mesmo tempo, a Habitasul aposta em eventos esportivos, como a prova de triatlo Iron Man, cuja etapa marítima é disputada nas águas de Jurerê, assim como a linha de chegada. Por ali, um dos principais investimentos é o Jurerê Sports Center, um centro esportivo com piscina semiolímpica, nove quadras de tênis e uma academia completa para treinos de ginástica.

Vinculado ao Comitê Brasileiro de Clubes, uma associação de atletas olímpicos, o espaço costuma servir para treinos de quem vai para a Olimpíada, como foi o caso do nadador Pedro Spajari, que competiu em Tóquio em 2021. “O clube está aberto a moradores e visitantes”, diz Andrea Druck, filha do fundador da Habitasul e presidente da ONG gestora do espaço, sem relação direta com a empresa. Há uma cobrança simbólica de 350 reais por ano para ter acesso ao clube.

Os esforços para mudar o perfil de Jurerê já trouxeram alguns resultados palpáveis. Assim como no restante do norte da ilha de Florianópolis, a região viu a chegada de novos moradores. Hoje, a população que passa o ano inteiro no bairro planejado, cerca de 5.700 pessoas, é equivalente ao público que ocupa as residências apenas durante uma parte do ano, de acordo com uma pesquisa domiciliar feita pela Habitasul no ano passado. Há 12 anos, a parcela de visitantes era 50% superior à dos moradores. A guinada para os serviços estimulou o comércio local. No ano passado, a receita das lojas do Jurerê Open Shopping, de 60 milhões de reais, foi o triplo do padrão pré-pandemia. O volume de visitantes cresceu 44% em 2024.

Apesar das boas notícias, há muitos desafios pela frente. O conceito de quiet luxury está sendo rapidamente adotado por concorrentes no litoral de Santa Catarina. Essa é a pegada, por exemplo, dos lançamentos da construtora gaúcha Melnick. Um deles, na Praia Brava, entre Balneário Camboriú e Itajaí, terá um VGV de 2,5 bilhões de reais. Em Florianópolis, incorporadoras especializadas no alto luxo, como Dimas, CFL e CBA, também apostam na combinação de arquitetura assinada e pegada sustentável para atrair um cliente endinheirado e com preocupação com o impacto da própria existência.

Algumas, como a CBA e a Unique, estão em Jurerê, mas outras estão investindo pesado em outros bairros queridinhos do público de alta renda, como a Praia do Campeche, no sul da Ilha. Com Jurerê, a Habitasul criou o conceito de bairro planejado de luxo no Brasil. Agora, quer mostrar que continua ditando tendências num mercado de bilhões de reais.   


Por mais empresários na política

O prefeito de Florianópolis, Topázio Silveira Neto (PSD), detalha seu estilo de gestão e futuro político em entrevista à EXAME | Lucas Amorim e Leo Branco

Topázio Neto, prefeito de Florianópolis: “Na empresa, você pode fazer tudo o que não é proibido. Na prefeitura, só pode fazer o que é permitido” (Roberto Zacarias/SECOM/Divulgação)

“Quanto mais empreendedores e empresários tiverem vontade de experimentar uma posição na área pública, melhor.” A frase de Topázio Silveira Neto (PSD), prefeito de Florianópolis, ajuda a entender a linha de atuação que adotou desde que assumiu a gestão municipal, em 2022.

Antes da política, Topázio construiu carreira empresarial. Fundou, em 1999, a Multiação, primeiro call center de Santa Catarina. Em 2009, criou a Flex, que chegou a ser o maior empregador privado do estado, com 15.000 funcionários.

Topázio ingressou na vida pública em 2020, como vice-prefeito na chapa de Gean Loureiro (PSD). Em 2022, com a renúncia de Loureiro para disputar o governo estadual, assumiu a prefeitura. No ano seguinte, foi eleito no primeiro turno, com 58,49% dos votos válidos.

Na eleição, recebeu apoio de eleitores de diferentes espectros ideológicos, focando temas como infraestrutura, turismo e qualidade de vida. Leia mais a seguir.

O que o senhor, vindo da iniciativa privada, aprendeu na gestão pública?

A primeira coisa é que a máquina pública é muito diferente. Na empresa, você pode fazer tudo o que não é proibido. Na prefeitura, só pode fazer o que é permitido. Se não entender isso, sofre. Aprendi rápido. E trouxe práticas do setor privado: controle de custos, modernização dos sistemas, cobrança de eficiência.

O que foi feito para modernizar Florianópolis?

Trocamos softwares antigos, melhoramos a gestão financeira, criamos novos processos. Atualizamos o Plano Diretor, que era de 2014. Tínhamos uma cidade espalhada e difícil de atender. Adensamos onde já existe rede de esgoto, mobilidade, estrutura.

Há planos além da prefeitura?

Pretendo terminar o meu mandato inteiro. Talvez em 2030 pensarei em novos desafios. Naturalmente, seria para o governo do estado. Mas ainda é cedo. Agora, meu foco é entregar resultados.

Qual conselho daria para empresários que querem entrar na política?

Quanto mais empreendedores e empresários tiverem vontade de experimentar uma posição na área pública, melhor. Isso seria muito saudável. Empresário tem visão de gestão, de eficiência. Mas precisa virar a chave: no setor público, tudo é mais lento, mais controlado. Se entender isso, pode fazer uma diferença enorme.

Um tema recorrente da sua administração é a nova marina. Qual é a importância da obra?

São 440.000 metros quadrados, 140.000 de área pública, mais um shopping, mais 600 vagas para barcos. Cada barco gera até oito empregos. Estamos falando de 3.500 empregos. A marina hoje é para Florianópolis o que o novo aeroporto foi há cinco anos: um ponto de virada. Nosso aeroporto não comportava voos internacionais, e isso mudou tudo. Com a marina, vamos atrair o turismo náutico e a chamada blue economy, a economia do mar. Barcelona e Niterói já estão focadas nisso. Não quero que Floripa perca esse barco.

Como Florianópolis se posiciona no turismo nacional hoje?

Floripa foi a terceira cidade mais procurada do mundo no primeiro trimestre, segundo o [site de reservas] Booking. Está na frente de Rio, São Paulo e Salvador. Aqui o turista pode sair na rua tranquilo, não precisa esconder o relógio. A cidade entrega o que promete. O marketing é importante, mas o pós-venda é ainda mais. Se a pessoa vem e não gosta, nunca mais volta. Nosso NPS, o índice de satisfação, é altíssimo.


A disputa pelo turista

Nos últimos anos, o Balneário Camboriú ganhou atenção dentro e fora do Brasil com grandes obras para receber turistas. Florianópolis não quer ficar para trás e, para isso, aposta pesado numa marina de 190 milhões de reais | Leo Branco

Projeto de marina na Beira-Mar Norte, em Florianópolis: investimento de 250 milhões de reais e 3.500 empregos (Prefeitura de Florianópolis/Divulgação)

O alargamento da Praia de Jurerê, concluído em março do ano passado, marca também uma guinada na administração pública de Florianópolis. A obra de 25 milhões de reais foi paga pelo governo catarinense e pela prefeitura de Florianópolis e vem numa esteira de grandes projetos com potencial de mudar a cara do turismo na capital catarinense. A extensão da faixa de areia começou em 2019 nos 2,3 quilômetros da praia vizinha de Canasvieiras e seguiu por 2023 com um feito semelhante em Ingleses, maior balneário do norte da Ilha, com 3 quilômetros de extensão.

Enquanto Florianópolis mexia em várias de suas praias, Balneário Camboriú ganhava os holofotes dentro e fora do Brasil em razão de uma obra semelhante. Concluído para a temporada de 2021, o alargamento dos 5,8 quilômetros da Praia Central de Balneário Camboriú custou 88 milhões de reais, pagos pela prefeitura local. O movimento coincidiu com a reta final das obras de dois arranha-céus na orla que acabaram virando os prédios mais altos do país. O maior deles, Yachthouse Residence, tem 294 metros e 81 andares. 

A combinação de tanta obra valorizou os terrenos por ali (Balneário tem hoje o metro quadrado mais caro do país) e trouxe moradores ilustres como o jogador Neymar, dono de uma cobertura no Yachthouse avaliada em 60 milhões de reais. Para além da exuberância, Balneário Camboriú apostou pesado na experiência do visitante. A prefeitura local tem um time para prospectar investidores dispostos a erguer atrações turísticas. O esforço trouxe projetos como o Parque Aventura Jurássica, inaugurado em 2024 após investimento de 40 milhões de reais, e um complexo turístico em construção na parte sul da orla com hotel 6 estrelas e porto para transatlânticos, num investimento de 450 milhões de reais.

Florianópolis abriu o olho para o potencial de grandes projetos para alavancar o turismo. A gestão do prefeito Topázio Neto (PSD), reeleito no ano passado após três décadas como dono de empresas de tecnologia alçado a vice-prefeito em 2020, colocou a iniciativa privada no centro da estratégia turística. “Minha função é prospectar quem está disposto a investir na cidade e fazer o que está dentro dos limites do poder público para ajudar esses empreendedores”, diz Zena Becker, secretária de parcerias estratégicas e investimentos internacionais da capital catarinense. Eventos culturais, como as festividades de Natal, Ano Novo e de aniversário da cidade, já são feitos em parceria com empreendedores.

A grande aposta, agora, é a construção de uma marina na Beira-mar Norte, uma das regiões mais valorizadas do centro de Florianópolis, em regime de concessão por 30 anos do espaço à iniciativa privada em troca de uma reforma completa na orla. O investimento previsto é de 250 milhões de reais. O projeto aguarda uma resposta, em definitivo, de órgãos ambientais para sair do papel ainda neste ano. Na corrida das duas cidades para melhorar as suas estruturas de lazer, quem sairá ganhando, ao que tudo indica, serão os turistas e os moradores.


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