Revista Exame

Tecnologia e IoT transformam cidades brasileiras em espaços mais inteligentes e sustentáveis

Sensores, automação e IA melhoram mobilidade, segurança e eficiência dos serviços públicos

Parque Global, da Benx Incorporadora: projeto conecta moradia, serviços e tecnologia em um bairro planejado (Benx Incorporadora/Divulgação)

Parque Global, da Benx Incorporadora: projeto conecta moradia, serviços e tecnologia em um bairro planejado (Benx Incorporadora/Divulgação)

Marcus Lopes
Marcus Lopes

Jornalista colaborador

Publicado em 5 de agosto de 2025 às 06h00.

A tecnologia ganha destaque no redesenho da vida urbana, atuand­o como aliada diante de desafios como mobilidade caótica, poluição, insegurança e ineficiência dos serviços públicos. Por meio da coleta e análise de dados em tempo real, automação, internet das coisas (IoT), sensores, inteligência artificial e sistemas interconectados, é possível operar cidades de forma mais inteligente e sustentável. Isso inclui soluções como semáforos que se adaptam ao fluxo de veículos, integração de modais de transporte, gestão automatizada de serviços ao cidadão e monitoramento ambiental eficaz.

“No futuro, as cidades tendem a se transformar em plataformas digitais integradas, conectando edifícios, infraestrutura, serviços e cidadãos, revertendo o caos urbano e promovendo espaços mais organizados, acessíveis e inclusivos, além de reduzir o consumo de recursos naturais e melhorar a qualidade de vida”, explica o arquiteto e urbanista Luiz Backheuser, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie. “A tecnologia também democratiza o acesso à informação, fortalece a participação cidadã e cria cidades mais humanas, resilientes e alinhadas às necessidades reais dos moradores”, completa Backheuser.

A expectativa é que essa integração tecnológica evolua para ambientes urbanos autogeridos, com inteligência distribuída e que permita a otimização em tempo real de recursos e serviços públicos. Para as empresas do setor, isso significa desenvolver tecnologias modulares, escaláveis e conectadas, capazes de suportar a complexidade dos ecossistemas urbanos do futuro, contribuindo para cidades mais resilientes, sustentáveis e humanas.

Raphael Rabello, da Intelbras: defesa do uso da tecnologia para integrar sistemas urbanos e promover eficiência (Guilherme Goes/Divulgação)

“A conectividade é fundamental porque impulsiona um novo modelo de planejamento urbano ainda mais dinâmico e orientado por dados, capaz de se adaptar rapidamente às necessidades da população, gerando eficiência com diminuição de custos e aumento de produtividade para as cidades”, explica o diretor de IoT e 5G da TIM Brasil, Alexandre Dal Forno.

Um exemplo refere-se à iluminação pública, essencial para promoção de conforto e segurança aos cidadãos. A TIM conta com mais de 384.000 pontos de iluminação inteligente comercializados pelo Brasil. A operadora desenvolveu uma solução completa, a TIM Smart Lighting, para telegestão de iluminação pública em municípios brasileiros. A solução é viabilizada por parcerias público-privadas entre as empresas e as prefeituras que receberam o projeto.

As luminárias conectadas coletam e transmitem os dados de todas as funcionalidades para a nuvem ou uma plataforma. Para isso, é utilizada a rede NB-IoT da TIM (fundamental para conectar dispositivos e sensores), gerando informações importantes, como os índices de manutenção e custo operacional, além de oferecer maior eficiência, segurança e gestão dos ativos, resultando em um aumento significativo da satisfação do município.

“A TIM é pioneira em soluções de IoT e hoje tem a maior rede de internet das coisas do país. Por meio da tecnologia, queremos apoiar a transformação digital da indústria brasileira, impulsionando o crescimento das cidades inteligentes”, acrescenta Dal Forno. “Além de gerar eficiência operacional e otimizar custos, acreditamos na tecnologia para apoiar o crescimento e a transformação digital do país, melhorando a qualidade de vida dos cidadãos”, completa o executivo da TIM.

Kauê Melo, da Samsung Brasil: aposta na automação para melhorar conforto, segurança e sustentabilidade (C41 Estudio/Divulgação)

Tecnologia no dia a dia

As mudanças acontecem tanto nos espaços públicos como nos privados. Novos empreendimentos imobiliários já nascem com a tecnologia de ponta e conectividade total em seu DNA, em especial nos quesitos automação, segurança, eficiência energética e prestação de serviços, como portaria remota e plataformas exclusivas para armazenamento de entregas. Em alguns casos, os condomínios são projetados como verdadeiros bairros futuristas, com novas formas de interação com o espaço urbano.

“As inovações promovidas pela automação e IoT têm mudado a relação das pessoas com a cidade e com os edifícios, que deixam de ser apenas espaços físicos para se tornar ecossistemas de tecnologias inteligentes e conectadas”, explica o CEO da Benx Incorporadora, Luciano Amaral. A empresa, que faz parte do grupo Bueno Netto, é responsável pelo Parque Global, um dos mais ambiciosos projetos imobiliá­rios atuais em São Paulo.

Robô ADA, do iFood: realiza entregas autônomas em ambientes controlados como shopping centers (iFood/Divulgação)

Localizado na zona sul da capital paulista, o projeto envolve prédios residenciais, escolas, hospital, serviços e comércio, em um bairro projetado que deve estar totalmente concluído em 2028. Chamada de “cidade de 15 minutos”, a proposta é que os moradores do Parque Global possam fazer tudo a uma distância de até 500 metros de casa, com serviços conectados e automação dentro e fora de casa.

O Parque Global conta com rede de cabea­mento de dados que interliga os edifícios e concentra as informações em uma central, tornando possível o monitoramento de ocorrências, gestão integrada da segurança e gerenciamento da infraestrutura. Um aplicativo para celular vai concentrar informações em tempo real sobre trânsito e linhas de transporte público que atendem o complexo.

Na casa futurista, objetos como chaves de portas tendem a ficar obsoletos. Fechaduras eletrônicas acionadas por biometria ou aplicativos, inclusive remotamente, ou por leitura facial serão cada vez mais comuns. “Acho que nenhum dos meus vizinhos de prédio possui chaves tradicionais, acionamos a fechadura pelo aplicativo”, explica o engenheiro Luis Fernando Ciniello Bueno, coordenador do Comitê de Tecnologia e Qualidade do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP).

“Entramos em casa com leitura facial, pagamos contas com o cartão de crédito associado ao smartphone, temos documentos, carteirinhas de saúde, tudo no celular. Ou seja, a tendência é que tenhamos cada vez menos chaves e carteiras”, diz o responsável pelo departamento de engenharia da G.D8 Incorporadora, Daniel Peixoto. A incorporadora está construindo um condomínio fechado exclusivo de casas no Jardim Guedala, em São Paulo, com aparatos tecnológicos que incluem sistemas de câmeras de segurança integrados aos bancos de dados da polícia paulista.

O iFood tem investido em soluções que acompanham essa transformação nas cidades. Uma das novidades da empresa é a ADA, um robô que realiza entregas de forma autônoma, sem necessidade de intervenção humana entre o restaurante e o hub, local onde os entregadores retiram os pedidos. Ainda em fase de testes em ­shopping centers, a ADA usa diversos modelos de inteligência artificial (IA) voltados para percepção visual, navegação e tomada de decisão em tempo real em ambientes dinâmicos, como shoppings e prédios residenciais e comerciais.

“A ADA representa mais um avanço na integração entre tecnologia e rotina urbana. É mais um exemplo de como soluções automatizadas estão moldando uma nova forma de viver nas cidades”, diz o diretor sênior de inovação do iFood, Thiago Viana.

Thiago Viana, do iFood: ele vê a automação como aliada na transformação da rotina nas cidades (iFood/Divulgação)

Construção do futuro

A tecnologia avançada também quebra paradigmas na construção civil, possibilitando residências com maior conforto para os futuros moradores, economia de recursos e sustentabilidade ambiental. Isso inclui obras de requalificação em prédios antigos, os chamados retrofits. “Hoje em dia, consigo fazer o escaneamento completo de um pilar antigo, por exemplo, para analisar o aço utilizado numa construção cujas plantas originais não existem há muitos anos”, diz Bueno, do SindusCon-SP.

Há 30 anos, o índice de desperdício de material na construção civil alcançava 30%. Atualmente, com a contribuição da tecnologia e a expansão dos conceitos ESG (ambiental, social e governança), esse índice é dez vezes menor — cerca de 3%, segundo Bueno. “O controle de material é feito por QR code, e praticamente todos os funcionários da obra têm acesso a algum tipo de tecnologia no trabalho, nem que seja por meio de um aparelho celular simples”, diz.

O ambiente futurista na construção civil não para por aí. Até o final de 2026, a construtora Patriani começará a testar robôs humanoides nos canteiros de obras, para funções consideradas repetitivas e de maior risco. Os robôs, com custo estimado de 30.000 dólares cada um, também deverão suprir a carência de mão de obra no setor da construção. A Patriani também investe em tecnologia em seus empreendimentos, como elevadores com geradores que regeneram até 65% da energia consumida durante a operação do equipamento.

Empresas de tecnologia atualizam port­fólios para atendimento da demanda. Na Samsung, soluções de automação predial combinam inteligência artificial e tecnologia customizável para entregar sistemas de alta performance, eficientes e com controle simplificado. “Isso permite que condomínios, prédios e até cidades inteligentes operem com muito mais segurança, conforto e sustentabilidade”, diz Kauê Melo, diretor sênior da divisão de B2B da Samsung Brasil.

O executivo cita o ecossistema SmartThings, plataforma completa da Samsung que conecta e integra uma ampla variedade­ de dispositivos inteligentes, desde sensores e câmeras até eletrodomésticos e sistemas de climatização. Essa integração permite que os dispositivos conversem entre si, criando rotinas automatizadas e personalizadas para cada ambiente, otimizando o consumo de energia, melhorando a segurança e aumentando o conforto dos usuários.

O sistema da Samsung pode ser controlado remotamente por meio de smartphones ou assistentes de voz, facilitando o gerenciamento dos ambientes residenciais ou corporativos. “Além de toda a facilidade e automação, essas soluções contribuem significativamente para a sustentabilidade, promovendo o uso consciente de recursos essenciais, como energia e água”, diz Melo.

As áreas mais avançadas estão ligadas à infraestrutura tecnológica embutida nos projetos de construção: sistemas de segurança eletrônica, automação predial, eficiência energética e conectividade. “O urbanismo inteligente também passa a considerar dados em tempo real para o planejamento dinâmico de mobilidade, segurança pública e uso de recursos naturais”, explica Raphael Rabello, gerente-executivo de soluções e projetos da Intelbras.

As maiores demandas da empresa catarinense, hoje, concentram-se em soluções integradas de segurança, como a interconexão entre videomonitoramento inteligente,­ com análise de vídeo com base em IA, controle de acesso multifatorial — biometria, QR code, reconhecimento facial — e interfonia IP com gestão remota. “Paralelamente, a incorporação de fontes renováveis de energia, especialmente sistemas fotovoltaicos monitorados via IoT, vem crescendo em importância e volume, indicando uma convergência entre eficiência energética e tecnologia”, diz Rabello.

Segundo o executivo, sistemas IoT representam um passo adiante da tecnologia já disponível em condomínios, casas e bairros inteligentes. Sensores de presença e luminosidade integrados a sistemas automatizados de iluminação garantem que a energia elétrica seja consumida somente quando necessário. Em relação à água, sistemas de irrigação inteligentes ajustam o uso conforme dados climáticos e de umidade do solo, evitando desperdícios significativos.

“A tecnologia é o alicerce da transformação das cidades, integrando sistemas antes isolados, segurança, energia, mobilidade, comunicação, em plataformas unificadas que promovem eficiência e governança mais inteligente”, diz Rabello.

No Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), na Grande São Paulo, essa dinâmica futurista já é realidade. O IMT, por meio do Centro de Pesquisas, implantou o Smart Campus, uma plataforma para desenvolvimento de soluções em IoT que conta com uma estrutura funcional long range low power wide area network (LoRaWAN). “Por meio desses sensores, é possível reportar simultaneamente o status de iluminação, temperatura, umidade e presença para um servidor no campus, tornando toda a gestão mais racional”, explica Paula Katura, coordenadora do curso de arquitetura e urbanismo do IMT.

Segundo Paula, a tecnologia pode ser essencial para a gestão de ambientes urbanos em um planeta que enfrenta mudanças climáticas severas. “Podemos melhorar a prevenção de desastres climáticos com a identificação prévia e o monitoramento das áreas de risco. A IA tem o potencial de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos”, explica a professora.


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