Floresta da Suzano: empresa colhe frutos do aumento do preço da celulose no mercado internacional (Divulgação/Divulgação)
Rodrigo Caetano
Publicado em 27 de fevereiro de 2020 às 05h30.
Última atualização em 27 de fevereiro de 2020 às 05h30.
O mercado financeiro global está ficando “mais verde”. As emissões de green bonds — títulos de dívida atrelados a projetos e iniciativas sustentáveis — atingiram um volume recorde no ano passado e devem dar um novo salto neste ano com o aumento da demanda por investimentos socialmente responsáveis, categorizados como ESG (sigla em inglês para “ambiental, social e de governança”).
A agenda socioambiental vem ganhando tração entre os investidores, impulsionada pelos esforços para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e para limitar o aquecimento global a menos de 2 graus Celsius, meta estabelecida pelo Acordo de Paris, além de uma preocupação maior com os impactos sociais da atividade empresarial. “Identificamos essa tendência tanto entre investidores institucionais quanto entre pessoas físicas”, afirma Fábio Zenaro, diretor de novos negócios da B3, que controla a Bolsa de Valores de São Paulo. “É uma tendência muito forte.”
No ano passado, as emissões de títulos verdes somaram 323 bilhões de dólares no mundo, segundo um relatório da Moody’s, agência de classificação de riscos. Neste ano, a expectativa é que ultrapassem os 400 bilhões de dólares. Por aqui, os green bonds movimentaram 11,4 bilhões de reais em 2019 — ou cerca de 3 bilhões de dólares. Foram realizadas 13 emissões, sendo duas no mercado internacional e 11 no mercado doméstico. Ainda assim, no ano passado havia sinais de uma retomada do segmento no Brasil.
“Em 2018, o mercado ficou travado por causa das incertezas eleitorais”, diz Cristóvão Alves, gerente de finanças sustentáveis da Sitawi, organização sem fins lucrativos de soluções financeiras para investimentos de impacto. “Com a retomada dos investimentos em infraestrutura, a expectativa é de aumento da demanda por esses títulos.”
O crescimento das emissões verdes está atrelado a uma mudança de mentalidade entre os investidores. “Por todo o setor financeiro, os participantes do mercado estão, progressivamente, integrando as questões ambientais, sociais e de governança em suas estratégias”, aponta o relatório da Moody’s. Essa mudança força as empresas a adotar padrões mais elevados de transparência em relação a dados socioambientais, sob o risco de terem maior dificuldade para se financiar.
O movimento ficou evidente durante o Fórum Econômico Mundial, realizado no final de janeiro, em Davos, na Suíça. Mesmo setores intensivos em carbono, como o de mineração e o de petróleo, comprometeram-se a adotar mecanismos de divulgação das emissões e dos impactos sociais.
Ao mesmo tempo, há uma preocupação de reguladores e governos em estabelecer padrões para a emissão de títulos verdes. Em dezembro, um acordo entre os países-membros da União Europeia abriu caminho para a criação de um sistema de classificação de investimentos socioambientais. A expectativa é que o “selo verde” europeu determine critérios mais rigorosos para a emissão de green bonds, evitando o chamado greenwashing — quando uma empresa busca maquiar suas práticas ao se engajar em projetos ambientais pouco significativos.
Essa iniciativa está inserida no contexto do Green Deal Europeu, plano para neutralizar as emissões europeias até 2050, anunciado durante a Conferência do Clima da ONU (COP25), realizada em Madri no final do ano passado. A estimativa é que o plano de descarbonização europeu demandará 1 trilhão de euros em investimentos na próxima década.
Segundo a Moody’s, a criação do selo verde é um dos motivos para o crescimento das emissões de green bonds, pois traz mais segurança aos investidores. A definição de padrões de sustentabilidade também permite a adoção de novos modelos de títulos cujo pagamento esteja atrelado a metas gerais das empresas, e não a projetos específicos.
“Hoje, para chamar de green, é preciso atrelar o título a algum projeto ambiental. Eu não posso, por exemplo, emitir um green bond para pagar outro, mesmo se tratando da mesma coisa”, diz Marcelo Bacci, diretor financeiro da fabricante de papel e celulose Suzano, uma das primeiras empresas brasileiras a emitir um título verde, em 2017. “Acontece que dinheiro não tem carimbo. O importante é o que a empresa está fazendo, não o projeto.”
Na visão de Bacci, o mercado de dívida verde vai utilizar, cada vez mais, um sistema de metas socioambientais que garantirá um desconto no pagamento à medida que elas forem atingidas. A Moody’s classifica esse modelo como sustainability bond, ou títulos sustentáveis, e calcula que eles devam responder por 75 bilhões dos 400 bilhões de dólares em emissões previstos para este ano.
Não são apenas as empresas que podem emitir títulos verdes. Os governos estaduais e até os países também têm essa opção. Na América Latina, o caso mais emblemático é o do Chile. Em junho do ano passado, o país emitiu o primeiro green bond soberano da região, no valor de 1,4 bilhão de dólares. Os recursos serão destinados a projetos de infraestrutura nas áreas de energia, transporte, habitação e distribuição de água.
No Brasil, o Ministério da Economia trabalha para desenvolver um método rápido de certificação de green bonds para agilizar o processo de emissão. A ideia é viabilizar emissões tanto estaduais quanto federais. A informação foi passada à EXAME pela Secretaria de Política Econômica do órgão. A visão da pasta comandada por Paulo Guedes é que há dois movimentos no sistema financeiro global contribuindo para a ascensão das finanças verdes.
Um é o fato de que, atualmente, trilhões de dólares estão investidos em títulos com taxas de juro negativas. Outro é uma crescente percepção de que o discurso ambiental deve estar respaldado por ações concretas. Até o momento, o único estado brasileiro que anunciou uma iniciativa desse tipo foi o Amapá, mas o plano ainda não se concretizou.
Um avanço importante no Brasil em 2019 foi a diversificação dos títulos emitidos. O setor de energia ainda dominou, com sete empresas. Mas foram registradas duas emissões em papel e celulose, uma no setor de saneamento, uma no químico e outra no de alimentos. “A área de saneamento apresenta excelentes oportunidades, agora que o governo deve dar mais ênfase ao setor”, diz Alves, do Sitawi.
O contexto econômico do Brasil também é importante nesse cenário. “Com os juros baixos e com uma menor participação do BNDES no financiamento de grandes projetos, o mercado de capitais se torna uma opção naturalmente atraente para as empresas”, diz Zenaro, da B3.
Desde o final de 2018, a bolsa paulista adota um sistema de identificação dos títulos verdes que pode ser utilizado pelos investidores para a formação de seus portfólios sustentáveis. A expectativa, no entanto, é que, no futuro, adequar-se a padrões socioambientais mais rígidos seja um requisito mínimo para a participação no mercado de capitais. É a força do dinheiro aplicada em benefício do planeta.