Revista Exame

A turma do pouco álcool

Os drinques de baixo teor alcoólico viram tendência entre os jovens e obrigam a indústria a se mexer

Bar Seen, em São Paulo: coquetéis suaves de vodca e xarope de açúcar no cardápio (Ligia Skowronski/Exame)

Bar Seen, em São Paulo: coquetéis suaves de vodca e xarope de açúcar no cardápio (Ligia Skowronski/Exame)

Guilherme Dearo

Guilherme Dearo

Publicado em 12 de março de 2020 às 05h15.

Última atualização em 16 de março de 2020 às 11h00.

Pergunte a um amante da coquetelaria clássica qual é seu drinque preferido. Provavelmente ele citará alguma bebida com destilados marcantes e de alto teor alcoólico, como o Dry Martini (vermute e gim), o Negroni (gim, Campari e vermute) e o Old Fashioned (uísque e bíter).

Para os aficionados mais tradicionais, drinque é sinônimo de sabor forte e doses generosas de álcool. Mas ganha corpo entre os consumidores a tendência de coquetéis de baixo teor alcoólico, que não passam muito dos 12% de álcool e algumas vezes chegam a beirar 0% nas versões mais radicais, enquanto os drinques de alto teor chegam a 30% ou mais.

Segundo o Bacardi 2020 Cocktail Trend Report, relatório de tendências da Bacardi, maior grupo de destilados do mundo, espera-se que o mercado de bebidas chamadas low abv (low alcohol by volume, ou “baixo teor alcoólico por volume”) cresça 8% no período 2017-2021. Um em cada cinco consumidores toma somente drinques pouco alcoólicos.

O estudo mostra ainda que 83% dos bartenders acreditam que essa tendência continuará em alta nos próximos anos. Mas nada de achar que essas bebidas são menos sofisticadas ou estão escondidas na carta dos bares.

“Os bartenders perceberam que o que dá sabor ao drinque não é apenas o álcool”, diz Fabio la Pietra, responsável pelos drinques do SubAstor e do Bar do Cofre SubAstor. “O destilado, como gim ou uísque, é a alma do drinque, mas não é o único ingrediente a trazer aroma. Queremos que o cliente perceba como o coquetel com baixo teor alcoólico também pode ser bem elaborado.”

A tendência, como sempre, é puxada pelos jovens. Para eles, encher a cara deixou de ser cool. “A nova geração não vê a ingestão de álcool e a embriaguez como um rito de passagem, como acontecia antes”, afirma Vini Marson, bartender responsável por cartas de drinques de bares em São Paulo, como Balsa e Cama de Gato, e dono do ­Nômade.Bar.

“Eles rejeitam a ideia da perda de controle inerente à embriaguez e se preocupam mais com a saúde e com a qualidade da experiência. O novo mantra é ‘beber menos e melhor’.”

Outra explicação tem menos a ver com saúde e mais com a popularização da coquetelaria. “Antes, pensava-se que a cerveja era a opção para quem queria uma bebida barata e drinques para a elite”, explica Marco De la Roche, mixologista e editor do site Mixology News e do podcast BarTalks.

“Essa diferença está desaparecendo. O coquetel no Brasil começou a ficar mais descolado, a indústria está divulgando melhor seus produtos e mais pessoas querem preparar drinques em casa. No lar, fazem o que é mais fácil e barato de reproduzir, que são os coquetéis de baixo teor.”

Se nos anos 1990 e começo dos 2000 as estrelas dos bares eram os drinques fortes, como o Apple Martini (vodca e licor de maçã) e o Cosmopolitan (vodca e licor triple sec), nos últimos anos os clássicos de baixo teor ganharam destaque, começando pelo onipresente gim-tônica, que abriu o caminho para outras opções, como o Tom Collins (gim, suco de limão e água gaseificada) e o Bellini (espumante e suco de pêssego).

A fórmula de um drinque de baixo teor alcoólico é simples: em vez de misturar dois ou três destilados, como um coquetel tradicional, o negócio é diluir uma só bebida em ingredientes variados.

Os drinques de baixo teor acabam tendo características em comum: são mais baratos, já que levam doses menores ou de apenas um destilado, e costumam ser mais refrescantes, com apelo nos meses quentes e em ambientes como piscina e praia.

“Antes a relação custo-benefício pesava”, diz Marco De la Roche. “Se o drinque era fraco, não valia o preço. O cliente queria a bebida mais forte, já que pagava caro. Hoje, os drinques estão mais baratos, mas têm menos álcool. Daí o sucesso dos drinques low. Só que, em vez de a pessoa pedir um ou dois drinques na noite, ela bebe três ou quatro e fica mais tempo no bar. Consome mais, portanto.”

Bares famosos de São Paulo têm investido nesse segmento. O Caracol oferece o Gaijin, que leva Johnnie Walker Black Label, limão yuzu, erva shissô e club soda. No Cama de Gato, as apostas são o Cynar Tônica com limão-taiti e o Cynar Spritz, que leva espumante, água com gás e laranja.

Já no Frank Bar, no hotel Maksoud Plaza, a vedete é o Sherry Cobbler feito com Jerez Fernando de Castilla Manzanilla, limão-galego e caramelo de baru e noz-pecã. Heitor Marin, head bartender do Seen, bar do hotel Tivoli Mofarrej, também aponta para a aposta nesses drinques. “Observamos essa tendência e apostamos em coquetéis mais cítricos e levemente adocicados. Geralmente quem busca algo mais refrescante aceita bem os drinques de baixo ­teor”, diz.

O Highball, que leva uma dose de uísque acrescido de tônica ou água gaseificada e gelo, já virou um clássico da coquetelaria low graças a um forte trabalho das fabricantes de bebidas. A ­Johnnie Walker tem investido numa plataforma somente para divulgar a bebida. A marca promove os drinques em eventos como o Rock in Rio.

No projeto Johnnie Neighborhood, bares no centro de São Paulo e nos bairros de Santa Cecília e Vila Buarque, como Buraco, Caracol, Kaia e Mandíbula, são convidados a criar versões próprias do drinque, que apresenta, em média, 6,5% de ­teor alcoólico.

Quem não se arrisca nas coqueteleiras encontra hoje bebidas prontas com pouco álcool ou destilados específicos para criar drinques mais suaves. No Brasil, a Diageo lançou recentemente o Ketel One Botanical: destilado com 40% de gradação alcoólica e infusão de botânicos e essências em três sabores disponíveis, como grapefruit e rosas. A ideia é usar a bebida para preparar drinques leves, que no fim acabam ficando com 5% de teor alcoólico.

A Schweppes Premium Drinks, lançada por aqui em dezembro do ano passado pela Coca-Cola, vem em três sabores, como Vodca & Citrus, e tem 5% de álcool. Durante o Carnaval, a Ambev lançou a Skol Beats Gin & Tônica, um gim-tônica com gradação de 7,9%. No Reino Unido, a Diageo lançou sob o selo do gim Gordon’s duas opções gaseificadas de gim-tônica em garrafa, com apenas 0,5% de álcool.

Especialistas da área fazem uma ressalva: nessa onda de drinques com menos álcool, não é preciso adaptar os clássicos de alto teor. O improviso pode mexer com o equilíbrio da fórmula e com a história da bebida, e o resultado, provavelmente, não será satisfatório.

“Não é legal desfigurar algo bem feito”, explica Marco De la Roche. “Existem diversos drinques conceituados, como os das famílias Collins e Spritz, que são de baixo teor em sua essência e atendem à demanda com perfeição.”

Acompanhe tudo sobre:BaresBebidasbebidas-alcoolicas

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda