Revista Exame

A travessia econômica de 2024 a 2026

Setores em movimento, mercado internacional e o peso do dólar

Trabalhadores na fábrica da Riachuelo, em Natal: desemprego no país caiu para 6,1%, e o mercado de trabalho gerou mais de 3,7 milhões de empregos formais (Leandro Fonseca/Exame)

Trabalhadores na fábrica da Riachuelo, em Natal: desemprego no país caiu para 6,1%, e o mercado de trabalho gerou mais de 3,7 milhões de empregos formais (Leandro Fonseca/Exame)

Samuel Barros
Samuel Barros

Colunista

Publicado em 25 de setembro de 2025 às 22h00.

O Brasil atravessou 2024 como quem caminha por um terreno acidentado: ora firme, ora escorregadio, ora sem saber se o próximo passo é avanço ou tropeço. A economia, embora tenha crescido acima das expectativas, foi marcada por uma série de tensões que não se resolveram com números positivos. O PIB avançou 3,5%, o desemprego caiu para 6,1%, e o mercado de trabalho gerou mais de 3,7 milhões de empregos formais. Mas, como já dizia Belchior, “a felicidade é uma arma quente”, e os dados, por vezes, escondem o calor das contradições.

O agronegócio, por exemplo, começou o ano em retração, mas reagiu no segundo semestre. A pecuária puxou a recuperação, enquanto a agricultura sofreu com fatores climáticos e queda nos preços. A agroindústria ligada à produção animal teve desempenho expressivo, especialmente no último trimestre, o que ajudou a recompor parte das perdas anteriores. Já os insumos agrícolas enfrentaram dificuldades, com redução na produção de máquinas e queda nos preços de fertilizantes, refletindo um ambiente de menor investimento e maior cautela por parte dos produtores. O setor, que representa mais de 22% do PIB, mostrou que mesmo os gigantes podem cambalear.

Na tecnologia e telecomunicações, o crescimento foi constante, mas não sem obstáculos. A demanda por conectividade e serviços digitais seguiu em alta, impulsionada pela expansão da infraestrutura de redes 5G, aplicação de inteligência artificial e pela digitalização de processos em diversos setores. No entanto, a valorização do dólar encareceu insumos tecnológicos, pressionando os resultados das empresas. A dependência de componentes estrangeiros tornou-se um ponto crítico, especialmente para startups e operadoras que atuam com margens mais estreitas. Ainda assim, o mercado interno mostrou dinamismo, com aumento da penetração digital em regiões antes desassistidas. O Brasil conectou mais gente, mas ainda tem dificuldade de conectar suas políticas públicas à realidade do segmento.

Para o setor de energia, 2024 foi um ano de transição e instabilidade. Oscilações climáticas afetaram a geração hidrelétrica, o que exigiu maior uso de fontes térmicas, provocando reajustes tarifários. A busca por alternativas renováveis se intensificou, com destaque para projetos solares e eólicos, especialmente no Nordeste. Contudo, novamente o custo elevado de equipamentos importados, por causa da valorização do dólar, comprometeu a viabilidade de novos empreendimentos e reduziu a atratividade de investimentos em infraestrutura energética. A transição energética avança, mas ainda parece mais um desejo (ou necessidade) do que uma política consolidada.

Alimentos e bebidas também foram diretamente impactados pela dinâmica cambial. O dólar encareceu insumos básicos, como trigo e óleos vegetais, pressionando os preços ao consumidor e elevando o índice de inflação. A priorização das exportações por parte dos produtores, estimulada pela rentabilidade externa, reduziu a oferta interna e contribuiu para a escalada dos preços. Comer ficou mais caro — e não apenas nos restaurantes.

E por falar em dólar, aliás, ele foi um dos protagonistas da economia brasileira em 2024. A moeda americana acumulou valorização de cerca de 28%, encerrando o ano acima de 6 reais. Essa trajetória foi influenciada por fatores externos, como a manutenção de juros elevados nos Estados Unidos e a eleição de Donald Trump, que reacenderam expectativas de políticas protecionistas, confirmadas em 2025. Internamente, a revisão da meta fiscal pelo governo brasileiro, que passou de superávit primário para déficit zero em 2025, gerou desconfiança no mercado e aumentou a percepção de risco.

A política fiscal voltou a ser um ponto de tensão. A mudança na meta fiscal, anunciada em abril, foi mal recebida pelos agentes econômicos, que passaram a questionar a capacidade do governo de controlar as contas públicas. A dívida pública ultrapassou 9 trilhões de reais e, embora o governo tenha cumprido a meta dentro do limite de tolerância, a percepção de que a trajetória da dívida é insustentável ganhou força entre analistas e investidores. A ironia é que, enquanto o discurso oficial falava em responsabilidade, os números gritavam por prudência.

A relação entre o governo federal e o Banco Central também foi marcada por atritos, principalmente com a antiga presidência do banco. Enquanto o Executivo buscava impulsionar a atividade econômica, o BC manteve sua missão de assegurar a estabilidade monetária, o que fez com maestria. A taxa Selic, que iniciou o ano em 11,25%, foi elevada para 13,25% em janeiro de 2025, com expectativa de encerrar o ano em 12,75%. A autonomia do Banco Central foi respeitada formalmente, mas contestada retoricamente, como quem diz “você é livre, mas não tanto”.

Em 2025, o cenário teve início ainda mais complexo. A inflação segue pressionada, com o IPCA projetado em 4,85%, acima do teto da meta. O salário mínimo foi reajustado, mas o poder de compra das famílias continua fragilizado. O governo apresentou uma agenda com 25 medidas prioritárias, incluindo a reforma tributária, a revisão do Imposto de Renda, a regulamentação das big -techs e o Plano de Transformação Ecológica. Especialmente, a previsão de isenção de IRPF para quem ganha até 5.000 reais e de tributação dos mais ricos, uma proposta que, como toda boa promessa, ainda depende do Congresso.

No plano internacional, o Brasil assumiu a presidência do Brics e se prepara para sediar a COP30 em Belém do Pará. A agenda ambiental ganha destaque, mas enfrenta o desafio de conciliar discurso e prática. A volta de Trump à Casa Branca adicionou uma camada de incerteza ao comércio global, que veio a se confirmar, com potenciais impactos sobre o dólar e as exportações brasileiras. O Banco Central, por sua vez, anunciou prioridades regulatórias para 2025/2026, incluindo avanços no Pix, Open Finance, tokenização e crédito rural. A agenda é ambiciosa, mas enfrenta o desafio de operar em um ambiente de inflação, juros altos e volatilidade cambial. Esse momento continua a pressionar a inflação e a dificultar a retomada do ciclo de cortes na Selic.

E, assim, o Brasil entrou em 2025 como quem sai de um baile confuso: com os sapatos gastos, a cabeça cheia e a sensação de que a música ainda não acabou, mas talvez tenha mudado de tom. Os setores produtivos mostraram capacidade de adaptação, mas o ambiente macroeconômico ainda impõe desafios relevantes. O dólar, longe de ser apenas um indicador externo, tornou-se um vetor interno de avaliações da gestão pública, com aplicações que ultrapassavam o “efeito câmbio”, alcançando a estrutura produtiva e institucional do país.

Para 2026, o país se aproxima de uma encruzilhada já avisada. As projeções de crescimento do PIB variam entre 1,8% e 2,1%, mas o impulso das reformas começa a se esgotar. O orçamento de 2026 já é visto quase como uma peça de ficção, com despesas subestimadas e receitas superestimadas. Lembro que será um ano eleitoral, onde o risco de uma política fiscal expansionista é elevado, e o sinal verde para a gastança parece algo inevitável. Governadores devem seguir o mesmo caminho, e o próximo governo, provavelmente, herdará juros altos, desequilíbrio fiscal e uma economia em marcha forçada.

Como diria Chico Buarque, “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. Mas, por ora, continuamos torcendo e trabalhando para o Brasil seguir na busca de equilibrar crescimento com responsabilidade, política com técnica, e esperança com realidade.


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