Revista Exame

Para Thomas Friedman, a tecnologia já remodela a sociedade

Para um dos mais influentes comentaristas políticos do mundo, é urgente que os líderes políticos globais se preparem para essa transformação social

Thomas Friedman:  
“O mundo não está apenas mais interconectado, ele 
está mais interdependente 
de uma forma nunca vista” (Divulgação/Exame)

Thomas Friedman: “O mundo não está apenas mais interconectado, ele está mais interdependente de uma forma nunca vista” (Divulgação/Exame)

FS

Filipe Serrano

Publicado em 7 de setembro de 2017 às 05h55.

Última atualização em 8 de setembro de 2017 às 12h50.

São Paulo — Quando publicou o best-seller o mundo é plano, em 2005, o jornalista americano Thomas Friedman, um dos mais influentes comentaristas políticos do mundo, defendeu a ideia de que as tecnologias aprofundaram a integração entre os países de tal modo que pessoas em diferentes partes do mundo podiam trabalhar em conjunto, driblando as barreiras geográficas e as fronteiras nacionais. De lá para cá, essa tendência vem se acelerando com o surgimento de outras tecnologias, como o smartphone, as redes móveis de alta velocidade, a banda larga de fibra óptica e os aplicativos de comunicação, entre eles o WhatsApp. A rápida transformação, no entanto, também tem um lado obscuro. Parte da população sente que seu emprego vai ficar obsoleto e que seus valores estão sendo cada vez mais ameaçados pela maior diversidade cultural.

Em seu novo livro, Obrigado pelo Atraso, que acaba de ser publicado no Brasil pela editora Objetiva, Friedman faz uma análise profunda dos movimentos que estão alterando a sociedade numa velocidade jamais vista. Para ele, o progresso científico e tecnológico continua sendo a melhor maneira de resolver os grandes problemas da humanidade (mudanças climáticas, doenças e desigualdade social), mas é preciso que os líderes mundiais saibam transmitir essa ideia a toda a população. “A liderança se tornou mais importante do que nunca, tanto no plano político como no pessoal”, escreve ele. Friedman falou a EXAME sobre os efeitos da transformação digital.

Exame - Em seu livro Obrigado pelo Atraso, o senhor diz que a sociedade está vivendo uma era de grande aceleração. Como essa fase se diferencia de outras do passado?

Friedman - O que estamos vendo é que a sociedade está sendo alterada por três forças gigantescas, as quais eu chamo, no livro, de mercado, mãe natureza e Lei de -Moore. O mercado, para mim, é a força da globalização digital. Não é a mesma globalização que vimos no passado, com o aumento do comércio marítimo e da oferta de voos internacionais. Mas é a forma como tudo está sendo digitalizado e globalizado, de maneira que todos os países do mundo estão se tornando mais interligados. O mundo não está apenas mais interconectado, ele também está mais interdependente de uma forma nunca vista. Isso ocorre por causa de vários fatores, e um deles é o avanço das empresas de tecnologia, como Amazon, Facebook, Twitter e PayPal. Todas elas estão digitalizando todos os aspectos da vida e levando essas mudanças a todos os países. O que vemos é que existe uma aceleração dessa tendência.

Exame - E as outras forças que o senhor mencionou, a mãe natureza e a Lei de Moore?

Friedman - Na categoria mãe natureza estão incluídas as transformações provocadas pelas mudanças climáticas, os efeitos sobre a biodiversidade do planeta e as mudanças demográficas, como o rápido envelhecimento populacional, particularmente no mundo desenvolvido. Essas mudanças também estão acelerando. Já a Lei de Moore está relacionada ao avanço da tecnologia. É a capacidade de dobrar o processamento dos chips a cada dois ou três anos. Para ter ideia, os microprocessadores de hoje têm 37,5 milhões de transistores em cada milímetro quadrado. No fim de 2017, a Intel vai lançar a próxima geração de processadores e ela vai ter 100 milhões de transistores por milímetro quadrado. O fato é que, quando você coloca essas três grandes forças transformadoras juntas, o resultado é um mundo que está sendo remodelado profundamente.

Exame - De que maneira, o senhor quer dizer?

Friedman - O mundo está sendo remodelado em muitos aspectos cotidianos. O ambiente de trabalho está sendo remodelado. A geopolítica está sendo remodelada. A política está sendo remodelada. As cidades, os bairros e as comunidades locais estão sendo remodelados. É muita mudança ocorrendo de uma vez só, e elas ocorrem numa velocidade maior do que aquela à qual o ser humano é capaz de se adaptar. É por isso que muitas pessoas estão confusas com o que veem acontecer.

Exame - Quais são as consequências desse redesenho?

Friedman - Não sabemos ainda. É por isso que precisamos de lideranças políticas que ajudem as pessoas a navegar neste momento e sejam capazes de demonstrar que as mudanças são desafios reais. Pequenos erros podem ter consequências vastas. Uma coisa é dirigir 500 quilômetros numa velocidade de 30 quilômetros por hora. Se você sai da pista, consegue retomar o curso rapidamente. Outra coisa é andar 500 quilômetros a 200 por hora. Nesse caso, uma decisão de um líder ruim pode tirar a sociedade totalmente do rumo.

Exame - Recentemente, o senhor publicou um artigo sobre a importância de uma educação contínua, durante toda a vida, para enfrentar as transformações tecnológicas. Acha que os líderes atuais estão conseguindo transmitir a importância dessa medida às pessoas?

Friedman - Depende do líder de que estamos falando. Alguns líderes municipais e estaduais nos Estados Unidos compreendem isso. Mas, no nível nacional, não temos um líder que trate essa política como prioridade.

Exame - O senhor escreveu o livro antes da eleição de Donald Trump, no ano passado. Mudaria alguma coisa hoje?

Friedman - Por coincidência, passei os últimos meses pensando muito sobre isso porque estava preparando a edição paperback do livro. Cheguei à conclusão de que, na verdade, não mudaria nem mesmo uma palavra. Acho que uma das razões pela qual Trump foi eleito no ano passado é que, para seus eleitores, essa aceleração das transformações no mundo são simplesmente demais. Durante a campanha, Trump prometeu fazer o vento parar de soprar — o que é impossível. E o discurso realmente encantou muitas pessoas.

Exame - Há uma grande aflição...

Friedman - Sim, as pessoas estão se sentindo inseguras. Elas vão ao supermercado e o atendente no caixa fala uma língua que não conhecem ou veste uma cobertura na cabeça que nunca viram. Os homens vão ao banheiro masculino e a pessoa ao lado deles parece uma mulher. As pessoas vão ao trabalho e o chefe acabou de colocar um robô ou um software que realizam parte das tarefas delas. Todas essas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo. Trump apareceu, e os defensores do Brexit [a saída da Inglaterra da União Europeia] apareceram e disseram que podiam fazer o vento parar de soprar.

Exame - A preocupação se estende a países como o Brasil?

Friedman - Sim. No fundo, existem atualmente apenas duas únicas divisões políticas no mundo, seja no Brasil, seja nos Estados Unidos, seja na Europa, seja na Ásia. É a divisão entre o partido aberto e o partido fechado, ou o partido da rede e o partido do muro. A discussão no fundo é: o cidadão quer estar integrado no mundo? Ele vê isso como uma oportunidade? Sente que pode competir nesse cenário? Ou quer simplesmente se fechar para impedir uma maior integração?

Exame - Como evitar um retrocesso?

Friedman - Acredito que, de novo, aí entra o papel das lideranças. Precisamos de líderes que saibam unir as pessoas, porque parte do que está ocorrendo no mundo é uma maior mescla de grupos diferentes. É preciso ser capaz de manejar esse pluralismo, essa maior diversidade. Esse é um desafio hoje e será também no futuro.

Exame - No livro, o senhor afirma ser um otimista. Por quê?

Friedman - Tenho um amigo, Amory Lovins, que é físico, e ele sempre diz que não é pessimista nem otimista, porque ambas são duas formas de fatalismo. Ele acredita no que chama de “esperança aplicada”. Ele é esperançoso, mas sabe que é preciso dedicação para mudar. Gosto dessa descrição. Acredito numa esperança aplicada.

Exame - Por quê?

Friedman - Porque vejo, principalmente nas pequenas comunidades, quanto as pessoas estão se esforçando para melhorar as condições de vida. As pessoas querem tentar consertar o que está errado ao redor delas. Por exemplo, as comunidades que estão prosperando nos Estados Unidos são aquelas em que os empresários locais se juntam e participam ativamente do sistema público de educação. Eles querem ter certeza de que as escolas estão ensinando as habilidades necessárias para a economia global atual. As organizações filantrópicas fortalecem o movimento, oferecendo bolsas de estudo. Ao mesmo tempo, os governos municipais procuram investidores estrangeiros para investir em suas regiões. Essas comunidades não estão paradas no tempo, esperando que uma montadora como a Ford venha e construa uma fábrica em sua cidade. Elas estão sendo proativas. É esse tipo de organização que realmente tem impulsionado os Estados Unidos para a frente.

Acompanhe tudo sobre:Donald TrumpEXAME 50 AnosGlobalizaçãoPolítica

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda