Revista Exame

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda

MRV é líder em lançamentos e a maior do segmento econômico; Cury é destaque na bolsa e Direcional é a favorita do mercado

Rafael Menin, copresidente da MRV, e Rubens Menin, fundador da construtora: “A MRV está pronta para a retomada do protagonismo”

Rafael Menin, copresidente da MRV, e Rubens Menin, fundador da construtora: “A MRV está pronta para a retomada do protagonismo”

Publicado em 21 de novembro de 2024 às 06h00.

Última atualização em 21 de novembro de 2024 às 06h14.

O mercado imobiliário do segmento econômico vive o melhor momento de sua história: nunca se lançaram e venderam tantos imóveis voltados para as classes mais baixas no país. Foram 139.800 unidades vendidas nesse segmento entre janeiro e julho deste ano — crescimento de 16% diante do mesmo período do ano passado e de quase 165% ante 2015, quando começou a série histórica apurada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), em parceria com a Fipe. Os imóveis populares representaram oito em cada dez unidades lançadas no Brasil no primeiro semestre deste ano e respondem por 73,1% das vendas.

A força do segmento criou um setor de gigantes. As cinco maiores construtoras de baixa renda do Brasil — MRV, Cury, Direcional, Tenda e Plano&Plano — lançaram 52.000 unidades nos seis primeiros meses de 2024 (63% do total lançado no período) e seguem com apetite para avançar. A maior do setor e uma das precursoras do segmento é a MRV. Construtora líder na América Latina, a MRV completou 45 anos de mercado com o marco de 500.000 chaves entregues — feito inédito entre as construtoras brasileiras. São 40.000 unidades entregues anualmente, volume 223% superior à média de suas principais concorrentes.

MRV: gigante do segmento econômico

Fundada em 1979 em Belo Horizonte, a empresa já nasceu com foco na habitação popular, fruto da visão empreendedora de Rubens Menin, cofundador da MRV e atualmente presidente do conselho. “O mercado de habitação popular naquela época era o patinho feio. Era muito mal atendido, apesar da grande necessidade”, relembra, em entrevista à EXAME. Para ganhar eficiência e escala, o empresário, formado em engenharia civil, passou anos estudando a otimização dos processos construtivos. “Quando se olha para concepção e execução, quase tudo o que existe no Brasil foi feito ou desenvolvido pela MRV. Isso nos dá muito orgulho”, diz.

Com foco em eficiência e otimização de processos, a companhia se tornou líder de mercado em Minas Gerais no início dos anos 1990. A expansão geográfica começou após o plano Real, mas o grande boom se deu após a abertura de capital, em 2007, quando o número de municípios em que a MRV atuava passou de 35 para 160. O crescimento veio também na esteira de uma nova era de financiamento após reestruturação patrimonial da Caixa Econômica Federal, no início dos anos 2000. Nessa nova reorganização, houve um incentivo para a utilização do funding da poupança para o financiamento habitacional e a ampliação da utilização do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). “O Brasil era carente de financiamento. Essa nova regulamentação foi fundamental”, diz Menin.

Foi o primeiro passo para o início de uma política habitacional de crédito que, em 2009, culminou na criação do Minha Casa, Minha Vida (MCMV). O programa criado no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva subsidia a aquisição da casa ou apartamento próprio para famílias com renda de até 2.000 reais e facilita as condições de acesso ao imóvel para famílias com renda de até 8.000 reais. Passados 15 anos, o MCMV investiu 780,5 bilhões de reais e entregou 8 milhões de unidades habitacionais, segundo o Ministério das Cidades.

O trunfo do programa é manter o preço do imóvel acessível por meio de subsídios de financiamento: as taxas do MCMV são até 61% mais baixas para a pessoa física que a média de mercado. Quem subsidia as taxas é, em sua maior parte, o trabalhador brasileiro com carteira assinada: quase 90% dos recursos destinados ao MCMV vêm do FGTS, que investiu 110,3 bilhões de reais até setembro deste ano. Além do FGTS, outros 15,7 bilhões de reais vieram do Orçamento Geral da União (OGU), que subsidia especialmente a faixa 1 do programa, voltado para famílias com até 2.640 reais de renda. O subsídio do MCMV pode chegar a 90% do valor do imóvel nessa faixa. Na outra ponta, existe um benefício tributário para as construtoras: aquelas que atuam na faixa 1 tiveram redução no regime especial de tributação (RET), que caiu de 4% para 1% neste ano.

O modelo do Minha Casa, Minha Vida funcionou tão bem que o programa, criado no primeiro governo Lula, se tornou uma iniciativa de Estado. “A equação armada para o MCMV foi muito feliz nesse sentido: é um programa com longevidade, o que não é tão comum em outras iniciativas. É um fator que trouxe previsibilidade para a construção civil e propiciou o desenvolvimento de um grupo de empresas que consegue fazer um produto viável para famílias com essa renda”, argumenta Inês da Silva Magalhães, vice-presidente de habitação da Caixa Econômica Federal — o banco público é o principal operador do MCMV, com 99,5% de participação no programa.Para as construtoras, o programa é um prato cheio: demanda garantida aliada a uma estrutura robusta de financiamento e subsídios que ajudam o consumidor final a comprar o imóvel — sem contar os incentivos fiscais e a facilidade de escalar o negócio.

Existe, no entanto, um ponto de atenção para as construtoras: o teto de preços. O programa coloca um limite que pode ser cobrado por unidade, impedindo que os valores disparem para o consumidor final em um ambiente de alta da inflação, por exemplo. Se mal administrado, o estouro de custos pode impactar os números, e foi esse cenário que atingiu em cheio as incorporadoras no pós-pandemia. O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) fechou o ano de 2021 em 13,85%, o maior patamar desde o início da série histórica, em 1995.

A MRV, grande expoente do setor, foi uma das mais afetadas pela inflação de custos, e a derrocada dos números se refletiu na bolsa, com uma queda acumulada de 64,2% nos últimos quatro anos (veja quadro abaixo). A companhia enxugou a operação, que diminuiu para em torno de 100 cidades e deve cair ainda mais, para 80, nos próximos três anos. Em seu resultado do segundo trimestre, o grupo MRV teve um prejuízo líquido atribuído aos acionistas de 71,3 milhões de reais.

Rafael Menin, filho do fundador e copresidente da MRV, afirma que a companhia já teve recuperação operacional e que os resultados deverão aparecer também na frente financeira conforme as novas safras, mais saudáveis, forem incorporadas aos números. “Já somos os maiores em tamanho no país e voltaremos a ser a líder em geração de caixa. Estamos no caminho certo. Temos um portfólio muito organizado”, diz. No segmento de incorporação nacional, a expectativa é obter geração de caixa de 300 milhões a 400 milhões de reais neste ano. Até junho, foram 32 milhões de reais.

O executivo acredita que o aquecimento do mercado popular deve favorecer a companhia em razão da maturidade gerencial das últimas duas décadas. “Há 20 anos entregamos anualmente 40.000 unidades. A MRV tem escala, time, investimento em tecnologia e experiência vinda de várias crises. Hoje estamos muito mais preparados.” O MCMV representa atualmente 85% do valor geral de vendas (VGV) do grupo MRV.

O ano de ouro para o MCMV e para a Cury

A aposta da MRV na baixa renda tem razão de ser: o programa Minha Casa, Minha Vida está em seu melhor momento histórico. Em julho de 2023, o MCMV ganhou novo impulso com a sanção da medida provisória que relançou o programa com aumento do subsídio para aquisição dos imóveis e redução dos juros de financiamento para famílias com renda mensal de até 2.000 reais. O governo ampliou as faixas de renda e aumentou o valor máximo do imóvel que pode ser adquirido na faixa mais alta, que passou de 264.000 para 350.000 reais.

As mudanças vieram acompanhadas de um caminhão de recursos: foram aportados 8,9 bilhões de reais do Orçamento Geral da União para o MCMV em 2023, e, neste ano, o montante total aprovado subiu para 12,2 bilhões — alta de 73%. Já o Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) iniciou o ano passado com um orçamento de 68,1 bilhões, elevado posteriormente para 102,4 bilhões de reais. Em 2024, o FGTS também contou com recurso adicional: foram incluídos 22 bilhões de reais extras em agosto, totalizando 127,6 bilhões em verbas — alta anual de 24%.

Na bolsa, a companhia que mais tem aproveitado o impulso do programa é a incorporadora Cury, cujas ações saltaram 252% desde a abertura de capital, em 2020. Foram três resultados anuais recordes consecutivos desde o IPO, e a projeção da companhia segue otimista — especialmente com o novo impulso do Minha Casa, Minha Vida. “O crescimento da Cury está ligado ao MCMV: 70% das nossas vendas são por meio do programa”, afirma o diretor de relações com investidores da empresa, Ronaldo Cury.

Com atuação concentrada nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, a Cury tem apostado em localizações cada vez mais centrais para seus projetos, estimulada pela aprovação dos novos Planos Diretores. Um dos destaques na atuação da construtora é o pioneirismo na zona portuária do Rio de Janeiro, onde tem 12 dos 13 empreendimentos lançados.  

Vista aérea da zona portuária do Rio de Janeiro: a Cury pretende expandir lançamentos do porto para São Cristóvão e zona norte (Leandro Fonseca/Exame)

Direcional: a queridinha do mercado

A MRV é a maior em lançamentos, já a Cury tem o melhor desempenho em bolsa. Mas a queridinha do mercado é outra: a Direcional. Com operação redonda e programa consistente de remuneração aos acionistas, a construtora mineira navegou bem pela pandemia, evitou o estouro de custos e se tornou a grande aposta do segmento econômico na bolsa com o bom momento do MCMV.

“Trabalhamos sempre de forma muito conservadora, porque nosso ciclo de negócio é longo”, destaca Ricardo Gontijo, CEO da Direcional. Um dos exemplos do conservadorismo vem da estratégia de construção, que é 99,5% industrializada, utilizando formas de alumínio para construir paredes de concreto. “A adoção de processos construtivos industrializados incrementa a produtividade e agiliza os processos. Economizamos metade do tempo de obra na fase de estruturação. Com prazos menores, ficamos menos expostos aos efeitos da inflação.”

A abordagem cautelosa não impediu a Direcional de ganhar escala e crescer em um ritmo acelerado, mesmo em momentos de crise. A construtora quase quintuplicou seu lucro líquido desde a pandemia, saindo de 33 milhões de reais no terceiro trimestre de 2020 para 160 milhões de reais no mesmo período deste ano. E o crescimento veio acompanhado de uma política voltada para a distribuição de dividendos que fez brilhar os olhos dos acionistas. O dividend yield da Direcional, indicador que mede a rentabilidade dos dividendos de uma empresa em relação ao preço de suas ações, deve chegar a 12% em 2025 nos cálculos do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME).

Considerando um ambiente macroeconômico mais desafiador, Gontijo reitera que a Direcional deve crescer com os dois pés no chão, concentrada em sinergias e na melhora de performance nas operações e nas 25 cidades onde já atua. E sem deixar de gerar valor. “No MCMV você consegue aliar o benefício para a sociedade com entrega de resultado. Os números atraem capital do mundo inteiro, permitindo que a gente construa mais casas para nossa população, gerando emprego e renda no Brasil. Passa a ser um negócio sustentável.”

Ricardo Gontijo, CEO da Direcional: executivo vê encontro de benefício social e retorno ao acionista no MCMV (Leandro Fonseca/Exame)

Para além do MCMV

As perspectivas também são boas para Tenda e Plano&Plano, que têm atuação forte na faixa 1 do programa — a que terá mais enfoque do governo federal no próximo ano. O Conselho Curador do FGTS aprovou o novo orçamento 2025 para o programa MCMV com aumentos significativos no número de unidades destinadas às faixas 1 e 2 do programa, de 38% e 30%, respectivamente.

Para além do MCMV, a Plano&Plano também está entre as mais beneficiadas pelo programa habitacional Pode Entrar, da prefeitura de São Paulo: a companhia tem 1,3 bilhão de reais em volume geral de vendas (VGV) de projetos contratados. O Pode Entrar permite, entre outras frentes, que a prefeitura compre imóveis privados para habitação de interesse social (HIS). A frente estadual também conta com o Casa Paulista, lançado pelo governo em julho de 2023, que concede subsídios às famílias de baixa renda para aquisição da casa própria.

Renée Garófalo Silveira, diretora de incorporação da Plano&Plano, reforça que a combinação de iniciativas nacionais, estaduais e municipais é essencial para reverter o déficit habitacional, estimado nacionalmente em 6,2 milhões de domicílios. “Para reduzir o déficit habitacional é essencial que exista uma convergência entre políticas públicas bem estruturadas, que desenhem a cidade de forma a viabilizar essa meta. Além disso, são necessários incentivos que ofereçam crédito suficiente para garantir moradia de qualidade.”

Renée Silveira, diretora de incorporação da Plano&Plano: construtora paulistana é destaque no Pode Entrar (Leandro Fonseca/Exame)

Como maior programa habitacional do país, o Minha Casa, Minha Vida alcançou dimensões sociais incontestáveis, mas ainda tem desafios. Uma das principais críticas é o foco na construção de casas próprias com financiamento subsidiado, que, sozinha, não é capaz de suprir o déficit habitacional do Brasil. “O Minha Casa, Minha Vida é um programa muito positivo porque traz volume e escala. Mas não dá para pensarmos em política pública olhando apenas para a construção”, avalia Isadora Moraes, diretora de novos negócios da fintech Alpop, voltada para habitação popular.

Respondendo a isso, a medida provisória de relançamento do MCMV inclui a locação social entre as diretrizes, mas ainda não há detalhes sobre como será a implementação. Outro ponto que é monitorado de perto pelos agentes do mercado é a utilização do FGTS como principal fonte de financiamento do programa. Por enquanto o fundo tem uma boa entrada de capital, principalmente porque o nível de emprego está elevado no país.

“Entretanto, programas como o saque-aniversário, que permite que o trabalhador retire anualmente um valor do fundo, podem ser prejudiciais no futuro. Apesar disso, acredito que o risco de o FGTS enfrentar uma crise de recursos é baixo no curto prazo”, afirma José Urbano Duarte, consultor em habitação popular e ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal. Atento ao risco, o governo pretende enviar ao Congresso Nacional uma proposta para extinguir o saque-aniversário e proteger a dinâmica atual do programa. Dinâmica esta que já beneficiou 8 milhões de famílias brasileiras.


Negócio novo, paixão antiga

Por meio da SAF, família Menin vira investidora do clube Atlético Mineiro e quer transformar o futebol no país | Karla Mamona

Rubens Menin, fundador da MRV (Leandro Fonseca/Exame)

A lista de empresas em que Rubens Menin atua é extensa. Além da MRV, ele tem participação no Banco Inter, Log, CNN Brasil, Rádio Itatiaia, Urba, Resia e no Atlético Mineiro. Este último é a prova de que paixão e negócio podem se misturar. Atleticano desde a infância, Rubens Menin encontrou no time uma oportunidade de investir por meio da Sociedade Anônima de Futebol (SAF). Para investir no clube, Rubens, juntamente com Rafael Menin, Ricardo Guimarães e Renato Salvador, criou a Galo Holding. Os 4Rs, como são conhecidos, têm 75% das ações, e os outros 25% são da associação.

A aposta do empresário é que o futebol brasileiro se tornará um importante player na indústria mundial de entretenimento. “Teremos uma liga no Brasil tão forte quanto a dos clubes europeus”, afirma Rubens Menin. Para isso, a estratégia da família Menin é melhorar a governança do clube, reduzir a dívida, que chegou a 2,1 bilhões de reais, aumentar a receita e torná-lo um clube superavitário. Tudo isso baseado no modelo bem-sucedido das empresas listadas em bolsa da família Menin. Em setembro deste ano, o Atlético Mineiro registrou uma oferta de emissão de debêntures para captar 105 milhões de reais. Foi a primeira emissão de debêntures feita por um clube no país. Os recursos captados têm um destino: quitar as pendências atuais e alongar o perfil da dívida.

Sobre os desafios de gerir um clube, a família Menin diz que o maior é lidar com a exigência da torcida. “A torcida é insaciável. Temos de ter um olhar para o presente e fazer escolhas pensando no futuro. Vamos melhorar o centro de treinamento ou contratar um atacante? Para a torcida, a resposta é sempre a segunda”, comenta Rafael Menin. Rubens brinca que os torcedores são os clientes mais exigentes que existem.

De olho no futuro, o objetivo do novo negócio é tornar o Atlético Mineiro pioneiro em um projeto revolucionário no futebol. Para isso, a Galo Holding não descarta a abertura de capital na bolsa. “Podemos fazer o IPO até antes de 2030”, diz Rubens.



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