Indra Nooyi, da Pepsico: os acionistas querem que ela separe a empresa em duas (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 24 de abril de 2014 às 17h05.
São Paulo - Na segunda quinzena de fevereiro, o investidor americano Nelson Peltz resolveu praticar seu esporte favorito — tirar o sono dos executivos das empresas em que investe. Desta vez ele tornou pública uma carta em defesa de uma causa a que vem se dedicando com afinco — a separação da fabricante Pepsico em duas companhias, uma de bebidas e outra de alimentos.
Em seis páginas, Peltz, que detém o equivalente a 1,2 bilhão de dólares em ações da companhia, afirma estar desapontado com o fraco desempenho da área de bebidas, que corresponde a 51% das vendas globais de 66,4 bilhões de dólares em 2013. Os problemas não vêm de hoje.
Em 2011, a Pepsi perdeu a vice-liderança de refrigerantes nos Estados Unidos para a Diet Coke — e nunca mais a recuperou. Logo após as declarações de Peltz, as ações da Pepsico subiram 13%. A empolgação, porém, durou pouco. A presidente da companhia, a indiana Indra Nooyi, anunciou que era contra a proposta — em mais um capítulo de um embate que promete ser longo.
Quedas de braço como essa se repetem cada vez mais nos Estados Unidos. Segundo a consultoria Spin-off Research, houve 37 processos de cisão (os chamados spin-offs) de grandes companhias americanas em 2013. É o segundo maior índice da última década — o recorde anterior havia sido em 2011, com 47 transações.
O aumento acontece num momento em que fusões e aquisições vêm caindo. Um relatório da consultoria KPMG, também nos Estados Unidos, mostra que o número de fusões no ano passado foi o menor desde 2004. “O mercado valoriza cada vez mais o foco”, diz Ina Kjaer, especialista em fusões e aquisições da KPMG no Brasil.
A pressão de investidores como Peltz tem tudo a ver com o fenômeno dos spin-offs. Para muitos deles, as cisões seriam a solução para empresas com desempenho medíocre na bolsa. Um estudo do banco de investimentos Credit Suisse mostra que companhias que foram separadas valorizaram 40% de outubro de 2012 a outubro de 2013, o dobro da valorização média da bolsa americana.
Com esse cenário de valorização na bolsa, o spin-off virou parte dos planos de um grupo importante de companhias. A empresa de leilão online eBay vem sendo pressionada a separar o sistema de pagamento eletrônico PayPal.
A operadora de cartões American Express cogita separar a área de cartões para viagem. A fabricante de bens de consumo Kimberly-Clark já anunciou que pretende separar a área de cuidados com a saúde, como materiais cirúrgicos, das de higiene pessoal.
Parte do poder multiplicador da divisão está em simplesmente revelar o valor escondido de uma operação que se perdia numa companhia maior. O Brasil tem um histórico modesto de transações de spin-off, mas alguns casos daqui ilustram bem esse ponto. O exemplo da empresa de programa de fidelidade Smiles é o mais contundente.
Desmembrada da companhia aérea Gol em abril de 2013, a Smiles vale hoje 50% mais do que a empresa-mãe. Em 2013, a maior oferta de ações do mundo foi o lançamento da BB Seguridade, braço de seguros do Banco do Brasil, cuja estreia levantou 11,4 bilhões de reais.
Em menos de um ano, a nova empresa já vale 47 bilhões de reais — 83% do valor do Banco do Brasil. “A empresa ainda deverá valorizar até 50% neste ano”, diz Victor Martins, analista da Planner Corretora. “Bons exemplos como esses devem motivar outros casos no país”, diz Ina, da KPMG.
A tendência também tem sido interpretada como uma resposta à série de fusões e aquisições das décadas anteriores. Movimentos de expansão e encolhimento costumam se alternar na história. E o saldo da recente onda de consolidação parece ter sido um grupo de gigantes pouco eficientes.
Segundo a KPMG, apenas 33% dos negócios de fusões e aquisições realizados no mundo de 2011 a 2012 entregaram o que prometeram. Entre as que frustraram o mercado está a farmacêutica americana Pfizer, que investiu mais de 200 bilhões de dólares em 11 aquisições desde 2003.
A expansão não ajudou a melhorar o negócio. O lucro caiu 13,5% em 2013 em relação ao ano anterior. “Tantas compras afastaram a Pfizer de seu foco”, diz Tom Mullarkey, analista da empresa de pesquisa Morningstar, com sede na Califórnia. A saída foi separar a área de remédios para animais e criar a Zoetis em fevereiro de 2013.
Diferentemente do que acontece no caso das fusões, os gastos tendem a aumentar quando uma operação se divide em duas. Numa separação, é preciso duplicar estruturas que funcionavam juntas, como equipes de RH e de finanças. Mesmo assim, especialistas têm defendido que perdas iniciais são compensadas.
Na Pepsico, Peltz estima que os gastos com a cisão chegariam a 1 bilhão de dólares. “Com operações separadas, porém, é mais fácil investir e aumentar a produtividade”, afirmou em seu comunicado. Foi o caso da americana Kraft, dividida em duas em março de 2012. A Mondelēz ficou com marcas globais, como o biscoito Oreo e a bala Halls.
A nova Kraft permaneceu com comida pronta focada no mercado americano. A separação gerou custos de 700 milhões de dólares. Mesmo assim, o lucro operacional das duas companhias aumentou 5% em 2013 em relação ao ano anterior. As empresas combinadas valem hoje o triplo do que valia a antiga Kraft dois anos antes.
O spin-off, no entanto, está longe de ser uma panaceia. É preciso ter certeza de que as duas operações terão fôlego para crescer sozinhas. Em 2012, a varejista americana Sears, com vendas em queda livre desde 2008, separou a loja de artigos para casa e jardinagem Orchard Supply Hardware em 2012. A rede chegou a 91 lojas. E faliu menos de um ano depois.
A sequência de fusões deixou uma lição óbvia, mas muitas vezes ignorada — somar duas empresas ruins só resulta numa gigante pior. O mesmo raciocínio vale na divisão de uma operação que vai mal. Por mais que essa seja a onda do momento.