Floresta Amazônica: potencial de até 45 bilhões de dólares em receitas ao país (Ignacio Palacios/Getty Images)
Rodrigo Caetano
Publicado em 11 de fevereiro de 2021 às 05h25.
Última atualização em 22 de julho de 2021 às 10h42.
A história do paulista Ricardo Stoppe é, provavelmente, um dos melhores exemplos de como é possível ganhar dinheiro mantendo florestas de pé — e de como a preservação dos recursos naturais é um dos caminhos mais promissores para a economia brasileira daqui para a frente. O médico de Birigui, cidade pacata no interior de São Paulo, tinha um sonho de criança de ser fazendeiro.
Há pouco mais de uma década, Stoppe largou a vida na cidade por uma propriedade de 150.000 hectares na região do Rio Ituxi, perto da fronteira do Amazonas com o Acre, uma das áreas mais intocadas da Amazônia. No início, o fazendeiro novato até tentou fazer dinheiro com gado, mas a falta de estradas para escoar a boiada frustrou os planos.
O investimento de 300.000 reais na compra da fazenda não empatou por completo por causa de uma decisão de Stoppe que pareceu maluca para os fazendeiros vizinhos: ganhar o dinheiro de indústrias poluidoras dispostas a compensar o carbono jogado por elas na atmosfera com medidas como preservar árvores centenárias da Amazônia — o carbono que elas sugam do ar é o alimento para o crescimento de raízes e folhas.
Para isso, Stoppe precisou correr atrás de certificações para provar que, de fato, o barulho de motosserra nenhuma ecoa por ali. “Gastei perto de 1 milhão de reais para provar ao mercado minha intenção de manter a floresta de pé”, diz ele. Com a papelada em dia, no ano passado Stoppe fechou a primeira venda de créditos de carbono, como são chamados os títulos comprados pelas empresas poluidoras para compensar suas emissões.
Até agora, o negócio já trouxe 18 milhões de reais em receitas. “Ganhei com carbono muito mais do que eu ganharia com gado”, diz o “fazendeiro”. “E meus vizinhos, que achavam que eu estava ‘doido’, agora me ligam para saber como funciona.”
Ao que tudo indica, os negócios a partir dessa riqueza ao nosso redor serão cada vez mais comuns — e já movimentam uma cadeia bilionária. O volume de negócios de créditos de carbono chegou a 229 bilhões de euros no ano passado — cinco vezes mais do que em 2017, segundo a consultoria global Refinitiv. É mais de 1 trilhão de reais.
Por trás da euforia nesse setor, resistente até mesmo à pancada causada pela pandemia na economia global, está a cotação desse recurso invisível aos olhos. O preço da tonelada de carbono no mercado regulado europeu, onde estão 90% das transações do mundo, vem batendo recorde atrás de recorde: hoje está em 33 euros, três vezes mais do que o valor cobrado em 2018.
Conferir se a 1 tonelada que está sendo comprada é, de fato, a 1 tonelada que está em oferta não é, exatamente, uma tarefa fácil.
Para isso, vendedores precisam colocar à disposição de compradores de créditos de carbono um diagnóstico preciso de quantas árvores há num terreno, para aí calcular uma quantidade de carbono sugada da atmosfera considerando o crescimento de folhas, caules e raízes em determinado período, como 12 meses, por exemplo.
Toda essa capacidade é transformada num título a ser negociado no mercado. Embora incipiente, o Brasil já é o sétimo maior “vendedor” de créditos de carbono, atrás de economias emergentes como Índia e Quênia.
Aqui, vale um parêntese sobre os meandros da venda de uma riqueza até pouco tempo intangível como é o carbono. Há dois tipos de mercados: o voluntário e o regulado.
O voluntário é formado por empresas comprometidas por conta própria a compensar emissões comprando créditos de quem é capaz de provar que está tirando carbono da atmosfera, com atividades florestais ou substituição de uma energia suja, como o carvão, por fontes limpas, como usinas solares.
Quem entra nesse mercado o faz sem ter muitas contrapartidas: empresas que compram títulos de carbono no mercado voluntário podem em teoria seguir poluindo do mesmo jeito.
Em compensação, podem sofrer mais com o vaivém na cotação dos créditos de carbono — e, no fim das contas, pagar uma conta salgada. Já o mercado regulado é mantido por governos dispostos a ajustar de alguma forma o comércio de carbono. Nos regulados, não basta só comprar um título: a empresa precisa concordar em tomar medidas para poluir menos dali para a frente.
O mercado regulado mais importante é o europeu, chamado Emissions Trading System e mantido pela União Europeia, mas há órgãos relevantes na Califórnia e na China, que implantou um sistema assim em 2020.
Há razões para crer que os dois mercados de créditos de carbono crescerão muito em 2021. Pelo lado voluntário, o empurrão vem de multinacionais cada dia mais pressionadas por clientes e investidores a seguir uma agenda ESG, sigla dos termos em inglês para as práticas ambientais, sociais e de governança adotadas nas empresas. Nos últimos dois anos, pelo menos 14 grandes empresas se comprometeram a tirar dinheiro do caixa para compensar de alguma maneira as emissões de carbono de suas operações.
Na lista estão nomes como o gigante de alimentos e produtos de limpeza Unilever e a varejista Amazon. No Brasil, uma porção de empresas pioneiras na agenda ESG vem investindo na compra de créditos de carbono na tentativa de dar o exemplo — e, assim, valorizar seus negócios.
Entre os compradores dos créditos gerados em Ituxi está a fintech C6 Bank, que ficou com 475 toneladas. “Compensamos todas as emissões de 2020 e pretendemos fazer o mesmo com as emissões de 2021”, diz Alexandra Pain, diretora de impacto social do banco.
O BTG Pactual (do mesmo grupo que edita a EXAME) compensou 100% de suas emissões de carbono, diretas e indiretas, de 2019. Foram 13.000 toneladas de CO2 compensadas com créditos para um projeto florestal de sequestro de carbono no Uruguai. O banco está organizando um inventário para replicar a mesma ação em 2021.
“Queremos ser indutores de boas práticas para os clientes e priorizar as ações ambientais no dia a dia”, diz Raffaela Dortas, diretora de ESG do BTG Pactual. Para além das instituições financeiras, indústrias como a de cosméticos Natura, as de papel e celulose Suzano e Klabin e a sucroalcooleira Cosan também têm programas de compra de carbono.
“ARÁBIA SAUDITA do CO2”
Com tanta empresa disposta a compensar suas emissões, os reguladores mundo afora estão se mexendo para regular o comércio desses ativos invisíveis. O artigo 6 do Acordo de Paris, tratado global de 2015 para reduzir as emissões até impedir o aquecimento do planeta, trata da criação de um mercado global de carbono, mas até agora segue sem uma regulamentação de como, de fato, isso vai funcionar.
O tema deve ser o foco das discussões da 26a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP26, que seria realizada na Escócia em dezembro do ano passado e foi remarcada para novembro por causa da pandemia.
A expectativa é que, enquanto isso, países com planos nacionais para descarbonizar suas economias, como China, Japão e Coreia do Sul, fechem acordos bilaterais com países interessados em receber esses recursos em troca da manutenção de suas florestas.
Um arranjo desse tipo foi firmado recentemente entre as autoridades da Suíça, dispostas a compensar suas emissões, e seus pares em Gana e no Peru — dispostos a manter suas florestas em pé.
Um dos alvos preferenciais dessa riqueza é o Brasil, país tido como “a Arábia Saudita do carbono”, por ser dono de 40% das florestas tropicais do mundo e por ser grande produtor de energia limpa. O Ministério da Economia trabalha na elaboração de um marco legal para as transações de carbono no país. A expectativa é de um plano apresentado até julho.
Por ora, o governo tenta alavancar o RenovaBio, certificação de empresas da cadeia de biocombustíveis, como produtores de soja e cana-de-açúcar. O programa estreou em abril do ano passado e já emitiu 18 milhões de títulos de carbono, registrados na B3, a bolsa brasileira, que está acompanhando de perto esse mercado.
“Assim como já fazemos para ativos financeiros e valores mobiliários, podemos prestar esse tipo de serviço no mercado de carbono”, diz Fábio Zenaro, diretor da B3 encarregado de novos negócios.
A bolsa segue os passos da Moss, a primeira bolsa de carbono brasileira e uma das pioneiras no mundo, aberta no começo do ano passado com a proposta de conectar produtores rurais a companhias dedicadas a compensar as emissões. Nas contas do fundador da Moss, Luis Felipe Adaime, o mercado pode movimentar 45 bilhões de dólares no Brasil caso todas as florestas sejam usadas para sugar o carbono. “Nenhum país tem esse potencial”, diz Adaime.
Com mais gente facilitando o elo entre quem polui e quem limpa a poluição, a cadeia do carbono tende a beneficiar mais gente. Até mesmo pequenas companhias, como a rede de cafeterias Café da Margem, conseguem compensar o carbono gerado nas operações para oferecer um diferencial aos clientes: a rede vende um cafezinho que já vem acompanhado de um crédito de carbono que zera a emissão do produto.
Em janeiro, a fabricante brasileira de biocombustíveis ECB fechou contrato para fornecer 500 milhões de litros de combustível às petroleiras Shell e BP a partir de 2024. Os gigantes estão interessados em neutralizar suas emissões para fazer frente à pressão de reguladores em locais como a Califórnia por combustíveis mais limpos.
“As empresas poluidoras pagam pelo carbono que nós capturamos, e recebemos um prêmio no preço do nosso diesel. Indiretamente, esse valor beneficia o produtor rural, que vende por um preço maior”, diz Erasmo Carlos Battistella, fundador da ECB. Visionários como Battistella, Adaime e Stoppe já perceberam o valor do carbono.
A torcida é para que mais gente descubra essa riqueza — e logo.
DILEMA FÓSSIL
Cotações do petróleo sobem com expectativa de retomada, mas transição da indústria já começou | Beatriz Quesada e Guilherme Guilherme
A ascensão da temática ESG para os investimentos ocorre em um momento que a indústria do petróleo ensaia uma recuperação. No auge da crise do coronavírus, os preços da matéria-prima ficaram negativos de forma inédita — ou seja, pagava-se para que alguém ficasse com o produto porque a demanda despencara. Mas o petróleo valorizou com a expectativa da retomada econômica, a tal ponto que os preços dos contratos futuros acumulam alta de mais de 50% desde novembro.
Seria o momento de investir nas ações de petrolíferas? Pensando em rentabilidade no curto prazo, analistas afirmam que essas empresas devem continuar a surfar a onda de alta das commodities com a reabertura das economias. Mas pode ser um movimento de meses ou poucos anos, enquanto a transformação para a economia sustentável é algo medido em muitos anos e décadas.
“É uma morte anunciada. As empresas de petróleo precisam decidir se querem ficar paradas no tempo ou fazer a transição para se tornarem companhias de energia”, afirma Fabio Alperowitch, sócio da FAMA Investimentos, gestora focada no universo ESG. Segundo ele, empresas que escolherem continuar ligadas aos combustíveis fósseis correm o risco crescente de exclusão do portfólio pelos investidores, que estão se tornando cada vez mais verdes.
Muitas empresas do setor decidiram se adaptar. Mas não é uma tarefa fácil. Com metas ambiciosas, gigantes da indústria, como BP, Shell e Rapsol, se comprometeram a ser neutros em carbono até 2050. Indústrias dependentes de combustíveis fósseis, a exemplo de mineradoras, estão se mexendo: no ano passado, a brasileira Vale anunciou investimentos de 2 bilhões de dólares para reduzir suas emissões até 2050. Segundo estimativa do Global Carbon Project, a indústria de combustíveis fósseis produziu 2,5 bilhões de toneladas de CO2 em 2020.
Seriam necessários mais de 60 bilhões de dólares em créditos de carbono para compensar a emissão. E o preço dos créditos deve subir com a demanda em alta.
Em paralelo, alternativas ao uso do petróleo ganham força. Segundo estimativas da Bloomberg New Energy Finance, a queda do consumo de petróleo deve se iniciar especialmente em razão do aumento do número de carros elétricos. “O petróleo está com os dias contados. Estão todos na corrida para ver quem vende mais agora, porque ninguém quer ser o último a ficar com petróleo na mão”, afirma Victor Nehmi, gestor de commodities e fundador da gestora Sparta.
Com Joe Biden como presidente dos Estados Unidos, os desafios da cadeia de petróleo serão acelerados. “Vão surgir impostos cada vez maiores para estimular o uso de substitutos do petróleo e seus derivados”, diz Nehmi. Para quem investe no longo prazo, é um cenário complexo que deve ser considerado.