Técnico opera drone em plantação: dispositivo fornece dados de performance em tempo real (New Holland/Divulgação)
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Publicado em 5 de agosto de 2025 às 06h00.
Uma das maiores inovações tecnológicas dos últimos anos, a internet das coisas (IoT) já extrapola os centros urbanos e promove impactos significativos nas áreas rurais. Essa revolução também vem transformando o cenário do agronegócio. Setor responsável por 2,72 trilhões de reais do PIB brasileiro em 2024, o equivalente a 23,2% da economia do país, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), o agro vem adotando soluções de IoT de forma crescente, a um ritmo médio de 14,9% ao ano desde 2020, de acordo com a consultoria MarketsandMarkets.
No campo, a IoT é incorporada por dispositivos conectados para monitoramento e automação dos processos produtivos, elevando a eficiência e, por consequência, a produtividade — e até mesmo a sustentabilidade — das empresas. Sensores, drones e dispositivos inteligentes captam dados em tempo real sobre aspectos como solo e clima, bem como manejo de plantações e rebanhos, tornando a gestão mais acertada e substituindo métodos manuais (ou, até então, pautados majoritariamente pela experiência dos produtores).
Os sensores são como um “cérebro”, permitindo controlar muito do que está acontecendo, sem precisar necessariamente ter pessoas em locais remotos, 24 horas por dia, sete dias por semana. Faça chuva ou sol, eles são como o “olho do dono” — o qual, especialmente nesse modelo de negócios, que pode se espalhar por milhares de hectares, não pode estar presente em toda a propriedade.
Com os dados em mãos (e nas nuvens), os produtores contam com uma bússola precisa para tomar decisões importantes, como o momento ideal para irrigar a plantação ou aplicar defensivos; intensificar a alimentação do gado; administrar armadilhas de pragas; e até mesmo para fazer a gestão das fazendas com base em dados. Em resumo, os dados ajudam a impulsionar a produtividade e a reduzir riscos.
A tecnologia “puxa” a governança
Um dos exemplos de maior sucesso no que diz respeito à adoção da IoT no campo vem da Fazenda Conectada Case IH (marca da CNH Industrial), localizada em Água Boa (MT), região de alta produtividade de grãos. Realizado em parceria com a operadora de telefonia TIM, o projeto mostra como a conectividade rural pode aumentar a produtividade no campo. E é um caso interessante, visto que as tecnologias da agricultura de precisão, como a telemetria (que permite a medição e a coleta de dados remotamente), já estavam em curso, mas eram limitadas por falta de conectividade.
Ao trabalhar esse aspecto, revelou-se que não só as soluções tecnológicas sofriam limitações como também a própria administração do negócio, que podia ser ainda mais eficiente. “É que a tecnologia sem governança fica realmente muito limitada”, comenta Gregory Riordan, diretor de tecnologias digitais da CNH para a América Latina. “Com a implantação do conceito da Fazenda Conectada, a tecnologia ‘puxou’ isso por consequência”, completa ele.
O investimento inicial foi de 1,4 milhão de reais, incluindo instalação de antena, manutenção, kit de telemetria para as máquinas e consultoria (veja ilustração). E a fazenda se tornou uma espécie de “laboratório de agricultura digital” para as soluções avançadas da marca, contando até com uma estação climática. “As novas tecnologias, como a IoT, mudaram o comportamento na fazenda e, a partir disso, promoveram mudanças também nos resultados”, explica Riordan.
As máquinas, por sua vez, vêm acompanhando — e também puxando — essa evolução. Um exemplo é o sistema industrial Automation, presente em todas as colheitadeiras da Case IH. Ele usa recursos de machine learning e inteligência artificial para se autorregular, por meio de sensores, podendo realizar até 1.800 intervenções diárias na máquina durante a operação de colheita e assumindo até 90% das operações, sem a necessidade de intervenções humanas.
Antes, conta o diretor da CNH, o operador tinha de ter um skill muito forte para fazer os ajustes. “Era preciso ter até mesmo um ouvido treinado, para ouvir um ruído diferente”, exemplifica. Agora, ressalta Riordan, é a máquina que ajuda o funcionário a monitorar o equipamento, de maneira contínua. “Uma máquina regulada de uma forma não tão boa impacta a qualidade dos grãos, o consumo de combustível, a capacidade de colheita.”
Vale ressaltar que não somente os grandes produtores podem se beneficiar dessas tecnologias. O Drone de Pulverização New Holland (outra marca da CNH) é oferecido em dois modelos, de 30 e de 70 litros, justamente para atender também os pequenos produtores. O drone pode complementar ou substituir pulverizadores e tem vantagens em áreas de topografia irregular e talhões menores, oferecendo mais versatilidade e eficiência operacional.
Alta performance: drones podem substituir pulverizadores e gerar economia de 18 dólares por hectare (New Holland/Divulgação)
“Eles são quase como modems voadores”, afirma Gregory Riordan, esclarecendo que o equipamento fornece uma série de dados de performance em tempo real. E soluções como essa podem gerar economia de até 18 dólares por hectare, além de abastecer a nuvem com informações que vão ajudar o produtor a ser mais eficiente. “Até o final de 2025, todas as máquinas que saírem de uma planta da CNH serão conectadas”, adianta o executivo, ressaltando que a ideia é maximizar as possibilidades de uso que a conectividade proporciona.
IoT só é possível graças à conectividade
É preciso abrir parênteses para falar de uma palavra-chave nessa história, sem a qual a IoT no campo seria inviável: “conectividade”. “Sem conectividade você não tem internet das coisas”, resume Alexandre Dal Forno, diretor de desenvolvimento de mercado IoT e 5G da TIM Brasil.
Desde 2018, a empresa investe de forma consistente para levar conectividade de qualidade ao campo, com foco em apoiar a transformação digital do agronegócio. Para intensificar esse foco e liderar a habilitação de novos negócios, em março de 2024 a empresa lançou o TIM IoT Solutions, ampliando as ações no agronegócio e, também, em utilities (serviços essenciais), logística e Indústria 4.0.
Alexandre Dal Forno, da TIM Brasil, sobre conectividade: a ideia foi levar a simplicidade dos centros urbanos para o campo (TIM/Divulgação)
Líder no campo com a rede 4G, a operadora cobre mais de 22 milhões de hectares no Brasil, e a meta é chegar a 26 milhões de hectares ainda neste ano. “A ideia foi levar a mesma simplicidade que a gente tem na cidade para a área produtiva”, sublinha Dal Forno. “Até mesmo para fazer uma reunião, quem está no campo não precisa voltar ao escritório, o que às vezes envolve percorrer longas distâncias: dá para entrar online de dentro de uma caminhonete ou até debaixo de uma árvore”, exemplifica.
Dal Forno pontua que, ao habilitar a IoT e a transmissão de dados, cria-se um repositório de informações que, por sua vez, gera um framework (estrutura para gerenciar, processar e analisar dados com foco em qualidade, segurança e boas práticas, desde a coleta até o uso). E é aí que as empresas podem dar um salto exponencial, ao olharem para o que aconteceu (e está acontecendo) e tirarem insights para as próximas ações que serão realizadas. “Tudo começa com a conectividade”, ressalta.
Startups agregam valor à cadeia produtiva
Agtechs são startups que desenvolvem tecnologias inovadoras para otimizar processos no setor agroprecuário. Um levantamento da consultoria Liga Ventures divulgado em 2024 mostrou que 31% das startups de IoT do país (num total de 412) já oferecem soluções para o campo, como monitoramento de culturas, irrigação inteligente, gestão de rebanhos e rastreabilidade logística.
Daniel Grossi, da Liga Ventures: para ser mais eficiente, o agro precisa ser movido a dados (Ale Frata/Live Images/Divulgação)
Uma dessas empresas é a SmartBreeder, que criou uma solução chamada Smartbio Pragas: trata-se de uma solução preditiva que usa big data mining, IoT e IA para integrar e processar milhões de dados, em tempo real, gerando recomendações precisas e automatizadas para o produtor tomar decisões mais estratégicas. Outra solução é a TIM Smart Metering, desenvolvida em parceria com a startup Nouvenn, que usa telemetria para monitorar remotamente o consumo de água, gás e outros recursos, via IoT.
“O agro, para ser mais eficiente, precisa ser movido a dados”, afirma Daniel Grossi, cofundador da Liga Ventures. Isso pode ser interpretado como ter boa previsibilidade das condições climáticas e do solo, no caso da agricultura, ou, na pecuária, da saúde e do comportamento do animal. “Muitas vezes, isso é a diferença entre você ganhar e perder dinheiro com a sua produção, entre ter uma produção que é financeiramente sustentável e uma produção que não é”, compara ele.
Gado conectado
Atuando no território da pecuária, mais especificamente na produção leiteira, a startup Rúmina integra soluções digitais para a gestão de 6.000 fazendas no Brasil. “Das 100 maiores do país, a gente está presente em 80”, afirma Pedro Peixoto, sócio da 10b, gestora de ativos que é parte do ecossistema Tarpon, o qual investe em empresas com soluções inovadoras para o agronegócio (uma delas é a Rúmina).
A coleta de dados é feita em tempo real, por meio de coleiras e sensores acoplados aos animais. Entre as inovações há até um sistema que funciona temporariamente offline, facilitando a operação em áreas com acesso limitado à internet — o que, como vimos, é crucial para a eficácia das “fazendas high-tech”.
Agricultura digital: IoT garante produção sustentável do agronegócio no Brasil (Divulgação/Divulgação)
“A produção da pecuária leiteira, no Brasil, está passando por uma transformação muito forte”, observa Peixoto, que vê três grandes drivers impulsionando essa transformação: consolidação (pequenas fazendas dando lugar às grandes, que investem cada vez mais em tecnologia); bem-estar animal (por meio de ações como o uso racional de antibióticos e melhores condições de produção); e qualidade do leite (que é o produto final desse processo).
Na visão do sócio da 10b, “a tecnologia vem para posicionar essa frente toda”, com os drivers contribuindo para um setor bem mais competitivo em nível nacional, e até mesmo no exterior. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou que a captação industrial de leite cresceu 4,5% no primeiro trimestre, em comparação ao mesmo período de 2024 — tendência que deve se manter, graças a margens favoráveis aos produtores.
Tecnologia turbina modelo de gestão
Em atividade desde 2019, a Rúmina exibe resultados notáveis, com a prevenção de mais de 1,3 milhão de doses de antibióticos e uma redução significativa no descarte de leite (30 milhões de litros). A automação de ordenha proporciona economia considerável de tempo, e até a identificação de um animal doente num rebanho de dezenas ou centenas de cabeças passou a ser imediata. “A gente tem, na média, produtores que aumentaram de 20% a 30% a produtividade por vaca, depois de três anos usando nosso sistema de gestão.”
Mais um ponto interessante é que os próprios clientes alimentam uma base de dados colaborativa, via WhatsApp, com o auxílio da assistente virtual Rúmi. Além de permitir gerenciar e consultar dados da fazenda em tempo real, a ferramenta facilita o registro de informações zootécnicas, como aplicação de medicamentos, diagnósticos de gestação, partos e pesagens — tudo isso por meio de áudio, texto ou imagem e integrado diretamente com o sistema da fazenda.
Investimento em startups também acelera o agro
Ainda dentro do ecossistema das startups, uma notícia recente animou os empreendedores. A Bossa Invest — uma das maiores empresas globais de venture capital e a mais ativa na América Latina, com mais de 1.500 startups investidas — anunciou que pretende dobrar aportes em agtechs até 2026. O investimento totalizará, ao final, 20 milhões de reais, incluindo empresas novas e as 15 já presentes no portfólio.
“O agronegócio brasileiro vive um momento de profunda transição: tecnologias como IoT, inteligência climática e automação estão saindo do experimento e se tornando parte da operação das fazendas e agroindústrias”, analisa Daniel Coimbra, head de Venture Capital da Bossa Invest. “A decisão de dobrar os aportes até 2026 acompanha esse movimento de mercado, além de refletir o aumento da qualidade técnica dos fundadores e a maturidade das soluções voltadas para o setor”, observa.
A Bossa Invest também enxerga no agro um vetor de impacto positivo. “Ao apoiar inovação com base tecnológica, contribuímos para cadeias mais resilientes, produtivas e ambientalmente sustentáveis”, diz Coimbra. Entre os segmentos que mais apresentam oportunidades para startups dentro do agro, ele destaca conectividade e dados no campo; gestão de risco climático; rastreabilidade; e soluções de crédito e seguros rurais.
“Cresce também a demanda por ferramentas simples, acessíveis e adaptadas à realidade de pequenos e médios produtores”, acrescenta, ressaltando que “o campo está cada vez mais aberto a soluções que tragam previsibilidade e eficiência”.
De acordo com o Radar Agtech Brasil — levantamento anual realizado em parceria entre a Embrapa, a Homo Ludens e a SP Ventures —, de 2023 a 2024 as incubadoras passaram de 32 para 107 (aumento de 224%), e as aceleradoras de startups foram de 21 para 40 (crescimento de 90%).
Movimento mundial e desafios
Não é só no Brasil que os olhos estão voltados para as startups de soluções para o campo. No mundo, o mercado das agtechs está avaliado em 24,08 bilhões de dólares, com projeção de ultrapassar os 40 bilhões até 2030, segundo dados de 2024 da consultoria PitchBook.
Para os pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável (INCT NanoAgro), paralelamente ao investimento no ecossistema de startups, é preciso atentar para os desafios, como ampliar a escalabilidade e a produção em massa dos sensores aplicados ao campo.
“Outro desafio é a integração com plataformas digitais e sistemas de agricultura de precisão, já que muitos sensores ainda não estão preparados para comunicação eficiente com redes IoT e softwares de análise de dados”, alerta Leonardo Fraceto, coordenador do INCT NanoAgro.
Na visão de Daniel Grossi, da Liga Ventures, as barreiras tecnológicas se tornam cada vez menores à medida que a infraestrutura no campo avança, mas há objeções a serem quebradas, e elas se concentram no aspecto cultural. Os grandes produtores, analisa o especialista da Liga Ventures, têm acesso a tudo o que há de novo na área, mas os pequenos e médios ainda enfrentam dificuldade de acesso, “seja pelo custo desse tipo de tecnologia, seja por falta de conhecimento”.
Vale lembrar que o Brasil tem cerca de 5 milhões de produtores rurais, segundo o Censo Agropecuário do IBGE. Alexandre Dal Forno, da TIM, acredita que, com a adoção de novas tecnologias no campo, os produtores rurais estão migrando de uma mentalidade analógica por natureza para um mindset digital. E as novas gerações têm um papel fundamental nesse processo. “São elas que precisam querer desenvolver essa nova agricultura”, incentiva.
Tendências e perspectivas
Essa percepção é consistente com o Índice de Transformação Digital Brasil (ITDBr), conduzido pela PwC e pela Fundação Dom Cabral. O levantamento mostra que o agronegócio brasileiro tem maturidade digital inferior à média dos demais setores (3,1 ante 3,7, em uma escala de 1 a 6). Em “processos digitais” e “decisões orientadas por dados”, o setor também ficou abaixo da média (2,9 e 2,8, respectivamente).
“O primeiro passo para as empresas do agronegócio que desejam evoluir digitalmente é estruturar um planejamento estratégico claro, com metas alinhadas à visão de futuro do negócio”, avalia Dirceu Ferreira Junior, sócio da PwC Brasil e líder do PwC Agtech Innovation. “Mais do que adotar tecnologias pontualmente, é preciso integrá-las aos processos e modelos de negócios de forma coordenada e estratégica”, reforça Ferreira Junior, sublinhando que “a transformação digital deve ser tratada como um pilar central da gestão, e não apenas como um recurso operacional”.
Dados da CNA mostram que aproximadamente 60% das propriedades rurais ainda não adotam soluções digitais. Olhando para esse cenário sob uma ótica positiva, o dado mostra o imenso potencial de crescimento para a IoT no agronegócio brasileiro. Afinal, a própria CNA estima que o uso de tecnologias conectadas pode aumentar a produtividade em até 20% nas propriedades que utilizam IoT e big data. Diante da crescente demanda global por alimentos, a IoT desponta como peça-chave para garantir o futuro produtivo e sustentável do agronegócio no Brasil.
Dentro desse escopo, merece destaque a plataforma Narrow Band IoT (NB-IoT), que utiliza uma faixa de frequência de 700 MHz, amplia em mais de 40% o alcance da cobertura da rede móvel tradicional e é focada em soluções de internet das coisas. Essa tecnologia permite, ainda, uma maior eficiência energética para dispositivos IoT estáticos, como sensores e medidores.
Já são mais de 5.167 cidades brasileiras cobertas com a tecnologia NB-IoT. No campo, são 1.043 municípios cobertos, o que se traduz em 1,9 milhão de pessoas conectadas, abrangendo mais de 311.000 propriedades rurais, 455 escolas públicas e 147 unidades de saúde.
Com o 4G, a TIM cobre, ainda, mais de 6.000 quilômetros de rodovias em áreas rurais, dando apoio ao escoamento da produção, por meio de contratos com concessionárias. Mais de 60 grandes grupos do agronegócio, como BP Bioenergy, São Martinho, SLC Agrícola, Amaggi, Adecoagro e, mais recentemente, o Grupo Pedra Agroindustrial, já contrataram as soluções da companhia. Além disso, a TIM é cofundadora do ConectarAGRO, associação sem fins lucrativos que tem como objetivo promover a conectividade rural no Brasil.
“Eu costumo dizer que a tecnologia NB-IoT é o grande ‘playground’ das agtechs, porque é uma rede pública, onde para qualquer empresa que queira operar com suas soluções [seja um smartphone, tablet ou sensor], basta ter um chip da TIM e ele passa a vender o seu produto”, esclarece Dal Forno.