Revista Exame

A revanche das ONGs

Por anos, o terceiro setor recebeu críticas do mundo corporativo. Agora, argumenta um novo livro, chegou a hora de ouvir o que as ONGs têm a dizer

Like a virgin: a cantora Madonna é uma das atrações da Fundação Robin Hood, que ajuda os pobres de Nova York (Michelly Rall/Getty Images)

Like a virgin: a cantora Madonna é uma das atrações da Fundação Robin Hood, que ajuda os pobres de Nova York (Michelly Rall/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Ineficientes, lentas na hora da decisão, incapazes de definir metas claras e de medir resultados... Ao longo dos anos, o mundo das empresas não poupou as ONGs de uma saraivada de críticas — e, é bom que se diga, nem sempre injustamente. Veio a crise financeira e econômica global, a recessão derrubou o moral e o estilo de vida de boa parte do mundo rico e a americana Nancy Lublin, presidente da ONG Dosomething.org, achou que era hora de dar o troco. No livro Zilch — The Power of Zero in Business ("Nada — o poder do zero nos negócios", numa tradução livre), Nancy pretende ensinar as companhias a extrair valor de cada centavo num momento em que elas estão contando suas moedas nos Estados Unidos e na Europa. Experiência nessa arte, diz Nancy, não lhe falta. "No terceiro setor estamos fazendo isso há décadas."

O receituário tem várias obviedades. Uma delas diz — eureca! — que é preciso mostrar que o produto da empresa é importante, e não apenas mais um supérfluo na prateleira de consumidores mimados por décadas de prosperidade. Platitudes como essa à parte, Nancy toca em questões cruciais para as companhias, como a necessidade de ter uma marca com imagem inovadora e ligada aos formadores de opinião. Mais do que conselhos, a autora cita exemplos concretos do que o terceiro setor tem a oferecer. No caso da Fundação Robin Hood, ONG voltada para a população de baixa renda de Nova York, o poder de um nome forte e do contato com celebridades é essencial para o sucesso dos projetos sociais, uma fórmula também explorada pelo Unicef. Todos os anos, a Fundação Robin Hood organiza um dos jantares beneficentes mais concorridos de Nova York. O evento de 2009, não exatamente um bom ano para passar a sacolinha, contou com 3 000 convidados, incluindo banqueiros de investimento e políticos, muitos deles com a consciência pesada. Fizeram parte do roteiro do último jantar apresentações de Aretha Franklin e Black Eyed Peas e, ponto alto da noite, distribuição de prêmios, como aulas de ioga com a cantora Madonna e fins de semana na companhia da atriz Gwyneth Paltrow. As celebridades são seduzidas pela marca irreverente (Robin Hood, aquele que rouba dos ricos para dar aos pobres) e pela oportunidade de cooperar com os 240 programas destinados a quase meio milhão de nova-iorquinos pobres. Parte dos doadores é atraída pelos famosos. Todo ano, o ápice do evento é o momento em que o presidente da ONG, David Saltzman, sobe ao palco e pergunta: "Alguém quer doar 1 milhão?" No jantar de 2009, a Fundação Robin Hood arrecadou 72 milhões de dólares, metade de sua receita anual.


Como motivar

Nancy conta que a inspiração para escrever o livro surgiu em uma reunião com a equipe de marketing de uma grande companhia logo após o estouro da crise financeira, em 2008. Um dia antes do encontro, marcado para tratar de uma doação, os executivos da empresa receberam a notícia de que o orçamento para novas campanhas estava congelado, e a reunião acabou sendo uma das mais embaraçosas já presenciadas por Nancy. "Sem dinheiro, eles não sabiam o que fazer. Pareciam os funcionários retratados nos quadrinhos do Dilbert: estressados e cheios de medo." A partir daí, Nancy fez dezenas de entrevistas com estrelas do terceiro setor, como Jimmy Wales, fundador do site Wikipedia. O passo seguinte foi colocar os ensinamentos no papel.

Para ela, a principal diferença entre ONGs e empresas está no relacionamento com os funcionários. As companhias continuariam a supervalorizar a importância da remuneração, ignorando outras soluções para motivar a equipe. "As pessoas querem trabalhar com um produto ou serviço que lhes dê tanto orgulho que queiram mostrar para a mãe no fim do dia", diz ela. Para as ONGs, isso é feijão com arroz. Uma causa nobre sempre foi o principal motivador das equipes. Na opinião de Nancy, o mesmo pode ser feito pelas empresas, sem necessariamente embarcar em projetos "para construir um mundo melhor". Basta que os funcionários saibam que produzem e vendem o melhor produto possível. Em vez de uma fundação que atrai pela marca Robin Hood, uma corporação que motive com a ética do bom trabalho contida na fábula dos Três Porquinhos.

Acompanhe tudo sobre:Edição 0976EmpresáriosFilantropiagestao-de-negociosLivrosONGs

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil