Revista Exame

A reinvenção do varejo

Com consumidores mais exigentes e tecnologias cada vez mais complexas, as empresas investem em inovação para melhorar o atendimento e ganhar mais eficiência

Uma das lojas da Sweetgreen: esteira vai adicionando nos bowls os ingredientes escolhidos pelos clientes (Jeffrey MacMillan/Getty Images)

Uma das lojas da Sweetgreen: esteira vai adicionando nos bowls os ingredientes escolhidos pelos clientes (Jeffrey MacMillan/Getty Images)

NC
Natália Chagas

Jornalista colaboradora

Publicado em 29 de outubro de 2024 às 06h00.

Última atualização em 30 de outubro de 2024 às 09h50.

Você chega a um quiosque de autoatendimento e escolhe o que vai comer. Uma salada com verduras frescas e legumes orgânicos. Logo depois, um bowl aparece e se move por uma esteira, que vai adicionando tudo o que você escolheu: ingredientes selecionados, em porções exatas. A “jornada” do bowl é finalizada em uma estação onde uma pessoa aciona mais alguns itens, como molhos ou ervas.

O serviço quase 100% não humano já é realidade na Infinite Kitchen, o primeiro restaurante autônomo da rede americana de restaurantes saudáveis Sweetgreen. Localizado em Naperville, Illinois, a loja-piloto foi pensada para aprimorar a experiência de um consumidor que busca serviço rápido, hospitalidade e, claro, ingredientes frescos e saudáveis, características quase essenciais na lista de clientes cada vez mais exigentes.

Segundo relatório do Mastercard Economics Institute de 2024, os consumidores já estão prontos para colocar para fora demandas reprimidas nos anos da pandemia. Gastos com experiências e bens de consumo, por exemplo, se aproximam dos níveis de 2019, antes do lockdown. Muitas pessoas em todo o mundo procuram cada vez mais ofertas e descontos à medida que também querem conter gastos e manter orçamentos domésticos mais saudáveis.

Nesse contexto, com um público-alvo cada vez mais exigente, novos agentes se tornam protagonistas e o jogo de encaixe do varejo fica cada vez mais complexo. “O consumidor está mais criterioso, suas pesquisas crescem e se tornam mais aprofundadas a cada dia. Hoje, 60% deles dizem que seguem, em média, sete passos para comprar uma marca ou um produto novo. São pessoas que estão mais familiarizadas com a tecnologia e fazem uso de todo o potencial dela: 84% comparam preços entre marcas ou produtos similares, e 86% se aprofundam nessa escolha buscando informações adicionais e vendo reviews”, explica Gleidys Salvanha, diretora-geral de varejo do Google Brasil.

Com isso, percebemos que o segmento, tão ávido por decisões ágeis, está navegando em mares abertos, enfrentando uma crescente invasão dos dados e das tecnologias que permitem a sua captura e processamento.

Varejo automatizado: clientes registram as compras e sensores de peso evitam falhas (Leandro Fonseca/Exame)

Inovação no centro do consumo

A tecnologia tem protagonismo no impulsionamento e no fornecimento de inovação e eficiência para varejistas e consumidores, desde a forma como as marcas respondem às expectativas mais elevadas dos consumidores até a manutenção da competitividade em um mercado que só cresce e se diversifica.

As tendências da indústria varejista em 2024, por exemplo, refletem um movimento mais consciente em direção a um cenário que tem o cliente no centro e é impulsionado pelo digital. Para ter ideia, dados sobre inovação e tecnologia no varejo mostram que o setor tem passado por uma profunda transformação nos últimos anos. Segundo relatório da GlobalData, o e-commerce global foi avaliado em cerca de 5,7 trilhões de dólares em 2022 e continua a se expandir rapidamente, com projeções de crescimento anual de 9,6% até 2027.

Em 2024, espera-se que o comércio eletrônico represente mais de 20% do total das vendas no varejo globalmente, com um aumento contínuo no uso de dispositivos móveis para compras. Nesse cenário, 58% dos consumidores esperam uma experiência omnichannel, que combina compras online e offline, e empresas que oferecem essa integração podem aumentar suas taxas de retenção em até 89%.

Outra pesquisa, desta vez da Salesforce, mostra que os compradores brasileiros são mais adeptos do digital do que os do resto do mundo. Segundo o estudo, feito com 2.400 compradores e 1.125 tomadores de decisão no mundo todo, os brasileiros também usam mais aplicativos de mensagens para consumir produtos — 60% no país, ante 36% no mundo. A diferença aumenta se falamos de serviços: 37% dos brasileiros adquirem serviços nas redes sociais, ante 18% no mundo, enquanto 53% adquirem serviços em aplicativos de mensagens, versus 18% no mundo.

Amazon Go: sensores com IA permitem pagar sem precisar passar no caixa (400Tmax/Getty Images)

Um giro tecnológico

Ao redor do mundo, tecnologias e soluções mais práticas emergem para uma superfície cada vez mais conectada, enquanto cases pipocam e comprovam que soluções criativas, pensadas para melhorar a experiência do cliente, estão cada vez mais em alta.

A IA já está entre nós

Para empresas varejistas, a revolução da IA representa uma oportunidade única de otimizar processos, personalizar experiências e criar produtos e serviços. Ao automatizar tarefas repetitivas, como analisar grandes volumes de dados e personalizar ofertas, as empresas podem aumentar sua eficiência, reduzir custos e melhorar a satisfação dos clientes.

Quando observamos a tecnologia aplicada à otimização de resultados e estratégias de negócios, fica claro que a IA é o caminho para se conectar com o consumidor certo no momento ideal. Hoje, 80% das empresas que anunciam no Google utilizam pelo menos um recurso da plataforma de anúncios Google Ads, que é impulsionado por inteligência artificial.

“A inteligência artificial está só no começo, e é uma transição que todas as empresas, de todos os segmentos, estão vivenciando. O que efetivamente temos visto é o uso de ferramentas com base em LLMs, como o ChatGPT­”, explica Nícolas Fernandes, CSO da Social Digital Commerce.

O futuro da personalização

A inteligência artificial generativa é capaz de criar conteúdos e ideias, incluindo conversas, histórias, imagens, vídeos e músicas. Essas tecnologias imitam a inteligência humana em tarefas como reconhecimento de imagem e processamento de linguagem natural (PLN). A IA generativa é considerada a próxima etapa da revolução da IA.

Segundo estudo da CB Insights, a aplicação da IA generativa pode aumentar a produtividade nas indústrias de varejo em cerca de 1% a 2% das receitas globais, o que pode representar até 660 bilhões de dólares por ano.

Na prática, essa tecnologia está sendo usada para aumentar a conversão de compras digitais, especialmente no desenvolvimento de imagens 3D e na personalização de resultados de pesquisa em e-commerce. Além disso, de acordo com um estudo da Salesforce, 31% dos compradores brasileiros já utilizaram IA para se inspirar, e 69% estão interessados em usá-la para buscar roupas, enquanto 77% desejam usar IA para adquirir eletrodomésticos e eletrônicos.

No Brasil, 96% dos varejistas afirmam que estão investindo mais em inteligência artificial. Aproximadamente 30% já utilizam IA para oferecer pacotes de produtos personalizados, enquanto 50% desenvolveram assistentes de compras digitais com base em IA, e 52% usam a tecnologia para recomendar produtos.

Um relatório da McKinsey mostra que a IA generativa agrega valor em áreas como gestão, marketing e relacionamento com clientes. A utilização de chatbots, por exemplo, tem melhorado a experiência de compra, principalmente para a geração Z, proporcionando um atendimento mais eficiente e personalizado.

Nícolas Fernandes explica que a personalização está no centro da revolução: “Já temos diversas ferramentas que permitem criar uma experiência de compra totalmente personalizada, desde a vitrine até a promoção, com base nas interações anteriores do cliente”.

Com a possibilidade de cada empresa criar seus próprios LLMs, a revolução da IA está apenas começando. Em um futuro próximo, as empresas poderão aprimorar sua eficiência e reduzir custos de forma ainda mais significativa, substituindo e melhorando atividades humanas com máquinas altamente treinadas. O futuro do varejo já chegou.


Tecnologia contra a inadimplência

O Mapa da Inadimplência e Negociação de Dívidas da Serasa, registrado em julho deste ano, traz à tona a importância de soluções tecnológicas na análise de crédito. O relatório mostra que 72,66 milhões de brasileiros estão em situação de inadimplência, um crescimento de 136.000 novos negativados no último mês, o que equivale a um aumento de 0,22% em relação ao período anterior. E a tecnologia também pode trabalhar a favor desse cenário preocupante.

“O impacto positivo da inteligência artificial, por exemplo, na análise de crédito se reflete também na economia. Ao permitir que mais pessoas tenham acesso ao crédito, a tecnologia fomenta o crescimento econômico ao impulsionar o consumo e estimular novos negócios. Além disso, a personalização das ofertas de crédito com base em análises detalhadas dos perfis dos consumidores aumenta a eficácia das operações financeiras, resultando em maior segurança e rentabilidade para as instituições”, diz Adriano Romero, diretor da unidade de digital na Evertec + Sinqia.


9 tendências de 2024 que  seguirão fortes nos próximos anos

Carteiras digitais: tendência devem ganhar ainda mais força nos próximos anos (Filadendron/Getty Images)

1. E-commerce: segundo projeções da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), o faturamento das lojas virtuais no Brasil deve superar os 200 bilhões de reais, com um tíquete médio de quase 500 reais e mais de 90 milhões de compradores virtuais em 2024. A integração entre as vendas físicas e digitais se tornará cada vez mais relevante, com tecnologias como QR codes e assistentes virtuais sendo usados para melhorar a experiência do cliente.

2. Internet das Coisas (IoT): as lojas inteligentes com dispositivos IoT fornecerão mais informações sobre o comportamento dos consumidores, permitindo personalizações e uma melhor gestão de estoques.

3. Pagamentos digitais: a popularidade de carteiras digitais, pagamentos sem contato e até o uso experimental de criptomoedas no varejo também deve continuar crescendo.

4. Realidades Aumentada e Virtual: o uso dessas tecnologias no varejo permitirá que os consumidores experimentem produtos virtualmente, o que pode se tornar um diferencial especialmente em segmentos como moda, por exemplo.

5. Sustentabilidade e Consumo Consciente: percebemos a adoção do termo “sustentabilidade” como uma expansão do conceito ESG, que engloba também questões como os desafios dos novos modelos de trabalho e a saúde dos colaboradores.

6. Varejo automatizado: o conceito de lojas autônomas, como a Amazon Go, pode crescer em algumas regiões, onde o consumidor exige ainda mais agilidade e faz a compra sem precisar passar por um caixa.

7. Facilidades em um clique: dispositivos como smartphones 5G, wearables e equipamentos de casa inteligentes continuarão a ser uma parte significativa das vendas no varejo de tecnologia.

8. SaaS: a venda de software como serviço, especialmente relacionado à segurança cibernética
e à produtividade, crescerá conforme mais empresas e indivíduos adotarem o trabalho híbrido ou remoto.

9. Segmento financeiro no comando: começa a aparecer uma dinâmica inovadora no mercado, pautada, principalmente, por indicadores econômicos e eficiência. Para ter ideia, entre os principais varejistas globais, 33% do capital do Walmart, 48% do capital da Amazon e 40% do Carrefour estão sob a influência do setor financeiro.


O varejo pelo mundo

A seguir, alguns exemplos de como o setor está se reinventando para melhorar a experiência do cliente.

ZARA: varejista utiliza big data para alinhar suas coleções às tendências do momento (Yurii Stefanyak/Getty Images)


Zara:
utiliza big data para alinhar suas coleções às tendências do momento. Dados de vendas e preferências de clientes são coletados em tempo real, permitindo que a marca redesenhe e lance novos produtos quando necessário. Isso reduz o desperdício, aumenta as vendas e diminui a necessidade de liquidações.

Amazon: traz para o mercado o conceito de lojas sem caixa por meio do Amazon Go. Esses estabelecimentos utilizam tecnologias como sensores e inteligência artificial para permitir que os clientes peguem produtos e saiam da loja sem precisar passar por um caixa, já que o sistema registra os itens automaticamente e debita o valor na conta da Amazon. Resultado: fim das filas, uma experiência de compra mais conveniente, e uma melhor coleta de dados sobre o comportamento do consumidor.

Di Santinni: no Brasil, a loja de calçados criou, em 2017, o DS Lab para desenvolver soluções próprias para atender às demandas de consumidores e lojistas, como gestão de estoque e cálculo da quantidade de vendedores por loja. Para agilizar o atendimento, em vez de buscar o produto no estoque, o atendente faz a solicitação pelo smartphone e recebe o pedido em mãos. “Com a integração da tecnologia ao atendimento, conseguimos proporcionar uma experiência ágil e personalizada ao cliente. Isso não só melhora a eficiência do vendedor mas também aumenta consideravelmente o tíquete médio, com ganhos de até 40% em algumas lojas”, diz Viviane Queiroz, head de expansão da Di Santinni.

Grupo Casas Bahia: para otimizar as buscas e recomendações de produtos por meio da IA nos aplicativos móveis, o marketplace adotou a solução Retail Search, do Google Cloud. A medida facilita a busca por produtos. A varejista também passou a usar a solução Recommendations AI para oferecer recomendações personalizadas.

Puma: a marca esportiva anunciou recentemente que vai implantar as soluções do Google Cloud para análise de dados e IA para tornar sua experiência mais eficiente, ágil e personalizada para clientes em todo o mundo. Os primeiros resultados já geraram melhorias significativas na experiência do cliente, incluindo um aumento de 19% no valor médio dos pedidos, como resultado do uso do Google Analytics e do BigQuery (ambos para análise de dados em tempo real).

Puma: marca vai implantar as soluções do Google Cloud para entregar a clientes uma experiência personalizada (Sean Gallup/Getty Images)


A geração que norteia decisões

Num momento de desafios econômicos, em que consumidores convivem com orçamento apertado e a concorrência é acirrada no varejo, ferramentas que coletam insights para melhorar a qualidade do serviço e antecipam as necessidades dos clientes podem fazer toda a diferença. “Do lado da tecnologia, acredito que não há uma solução única para todas as companhias, até porque o setor é diverso e os objetivos podem ser diferentes”, diz Gleidys Salvanha. A especialista completa: “Acredito que o varejo precisa ser aberto e propositivo às mudanças constantes por que estamos passando. A complexidade dos consumidores e do mundo de negócios é a única certeza que temos”.

Nesse contexto, desponta ainda um dos maiores desafios do varejo atual: a ascensão da geração alpha, nascidos entre 2010 e 2025. A tecnologia faz parte da sua própria existência, com 44% das crianças brasileiras de 0 a 12 anos possuindo smartphones. As características dessa geração são a curiosidade intensa, a independência e uma maior diversidade de estruturas familiares. A hiperconexão também influencia e transforma a geração. Pessoas mais ansiosas, impacientes e com dificuldade de concentração são uma realidade. Ainda de acordo com pesquisas realizadas pela Euromonitor em 2023, 80% dos consumidores com até 29 anos já estão acostumados a interagir com automação no momento da compra, e 55% dos varejistas planejam investir em inteligência artificial.



Acompanhe tudo sobre:CEO 49

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda