Alfredo Setubal, à frente do processo de diversificação dos investimentos: o objetivo é transformar companhias em líderes setoriais, como é o Itaú (Leandro Fonseca/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 15 de dezembro de 2022 às 06h00.
A derrocada das grandes construtoras brasileiras a partir de 2015 deixou uma interrogação: quem seriam os grandes investidores em infraestrutura do país? Por muitos anos, foram elas as donas de grandes concessões e projetos, ainda que interessadas mais nas obras a serem feitas do que na prestação dos serviços. Quando o debate chega, é tentador pensar em como atrair capital estrangeiro. Mas, sem que muitos tivessem se dado conta, surgiu aqui mesmo no Brasil um novo grupo investidor. E com fôlego.
A companhia já foi até mesmo chamada de versão nacional da Berkshire Hathaway, do megainvestidor Warren Buffett, porque esse não é o único segmento a receber recursos, embora prevaleça. A empresa em questão é a Itaúsa, que reúne os sócios controladores do Itaú — boa parte dos herdeiros do núcleo familiar do fundador do banco, Alfredo Egydio de Souza Aranha.
A Itaúsa funciona como uma holding, uma empresa que não tem operações próprias. Sua função, desde a sua criação em 1975, é ser um guarda-chuva para investimentos e receber dividendos. É debaixo dela que estão os 37% detidos no Itaú Unibanco. Quando foi fundada, tinha somente o controle do banco e da Dexco, a nova Duratex, todos criados pela família. O passado ligado ao banco é uma história de sucesso. Mas a novidade está no presente.
Em um movimento sem precedente na história da família, a companhia aplicou mais de 10 bilhões de reais na compra de fatias de outros negócios desde 2017. Desse total, quase 70% foram alocados nos últimos três anos e com espaço privilegiado para o setor de infraestrutura. A Itaúsa financiou a formação da Copa Energia (gás GLP), união da Copagaz com a Liquigás, injetou recursos na empresa de saneamento Aegea e comprou a saída da Andrade Gutierrez da maior empresa de mobilidade do país, a CCR, dona de concessões rodoviárias, aeroportos e metrô. Isso para não falar do ingresso na Nova Transportadora do Sudeste (NTS), o maior gasoduto em volume do país, quando a virada de portfólio começou. A empresa ainda é sócia de negócios como a Alpargatas, dona da Havaianas.
Todos os investimentos foram em participações não majoritárias, ou seja, sempre inferiores a 50%. Mas a estratégia é ser parte do bloco controlador, junto com outros sócios. O foco são grandes empresas e o longuíssimo prazo. O objetivo: dar suporte e acelerar o crescimento.
O que financiou essa megatacada? Simples: os dividendos do Itaú, o maior banco privado do país, com ativos totais que somam mais de 2,4 trilhões de reais e que acumulou lucro líquido superior a 23 bilhões de reais nos primeiros nove meses deste ano. “Queremos ser sócios do crescimento do Brasil, e não dos juros altos. O objetivo é sermos importantes para o país para além do banco”, cravou Alfredo Egydio Setubal, presidente da empresa e sócio no bloco controlador dessa holding, em entrevista exclusiva à EXAME.
Os investimentos em outros negócios começaram com a entrada no capital da NTS e a compra da Alpargatas cinco anos atrás. A holding carrega apenas o Itaú e a Dexco desde a fundação. A variedade de setores explica por qual motivo Setubal se diz sócio do crescimento do Brasil e também a comparação com Buffett. A variedade inclui o setor de consumo, construção civil, energia, saneamento, gás e mobilidade. E deve aumentar. “O agronegócio faz muito sentido também. O Brasil é muito competitivo e seria uma boa forma de diversificar”, disse o presidente da companhia sobre oportunidades futuras. No momento, porém, a preferência é reduzir as dívidas feitas para as aquisições. O juro elevado, de quase 14% ao ano, torna salgado o custo de carregar esses compromissos. A dívida líquida da empresa estava em 5,8 bilhões de reais ao fim de setembro. A empresa anunciou no início do mês uma recompra de 1,9 bilhão de reais em debêntures, para acelerar a redução dos vencimentos.
O plano multibilionário da Itaúsa é tornar cada investida uma líder setorial e consolidadora, como foi o Itaú para o setor financeiro, desde sua fundação em 1943 até 2016. Após a aquisição da operação do Citibank no Brasil, o Banco Central (BC) mandou um recado: basta, chega de aquisições. Foram muitas, inclusive a do Unibanco, que, por sua vez, também tinha feito várias outras. Esse é o fator que detonou na Itaúsa o ímpeto pela diversificação. Foi quando Alfredo Setubal deixou o banco e para lá migrou com essa missão.
Para não deixar dúvida da relevância que o grupo conquistou, foi lançada no mês passado uma campanha em redes sociais com o slogan “Todo lugar tem Itaúsa”. Para além dos pares de havaianas em casa, do banco e do gás de cozinha, alguns números materializam a sentença. Se cada consumidor das investidas fosse considerado um indivíduo diferente, seria o mesmo que impactar 2 bilhões de pessoas. As companhias, juntas, têm faturamento anual superior a 50 bilhões de reais e empregam diretamente 152.000 trabalhadores, praticamente dois Maracanãs inteiros. “O que estamos fazendo aqui é um portfólio de empresas não financeiras que tenham boas marcas, possam crescer e tenham forte geração de caixa. E que sejam líderes ou muito importantes em seus setores de atuação. Assim, esse portfólio torna a Itaúsa relevante para a economia. É assim que enxergamos a estratégia”, enfatiza Setubal.
A semente de como atuar em sociedade foi plantada bem antes de a revisão do portfólio ter início. Aconteceu em 2008, quando foi feita a combinação do Itaú com o Unibanco, fundado pela família Moreira Salles. A experiência de cocontrole da instituição financeira foi tão positiva que os Setubal se abriram para a possibilidade de não terem sozinhos participação majoritária dos negócios. A união entre as duas famílias, inclusive, se repetiu. Juntas, compraram a Alpargatas. Em 2009, logo após a fusão, a Itaúsa já ousou também com a Duratex. Deixou de ser dona isolada e combinou a operação com a Satipel, se tornando sócia da família Seibel. Daí em diante, os movimentos foram todos feitos em conjunto. A fatia na CCR, por exemplo, foi adquirida em parceria com a Votorantim, dos Ermírio de Moraes.
Apesar de o valor investido não ter precedente para a Itaúsa, não é a primeira vez que a holding diversifica investimentos. Mas nunca nada foi tão organizado e com tanto potencial de impacto para o país. No passado, a empresa foi dona da química Elekeiroz e também da Itautec, que nasceu com o propósito de acelerar a automação bancária. A saída desses negócios começou em 2013 e terminou em 2018.
A escolha das empresas agora é feita atenta ao potencial de cada negócio, à identificação com os novos sócios e também aos valores ambientais, sociais e de governança — as três letrinhas mais famosas do momento, o tal ESG. Setubal tem sido cada vez mais vocal nessa temática. Ele destaca a capacidade de impacto do setor de saneamento, com a Aegea, e ressalta que o plano da Copa Energia é, a partir de 2023, investir em projetos de energia renovável, para além da distribuição de gás GLP (botijões e gás encanado). Também nessa linha, gosta de ressaltar o caso da Rothy’s, a startup adquirida pela Alpargatas no fim de 2021. A companhia produz calçados com base em uma tecnologia proprietária de transformação de garrafas PET. “Com o tamanho atual, a empresa reutiliza por ano 146 milhões de garrafas. E, como é um negócio novo, tem perspectiva de crescer muito mais.”
Apesar da diversificação, Setubal avisa que dificilmente os novos negócios serão proporcionalmente tão relevantes quanto o banco, que paga dividendos bilionários. Em 2017, a Itaúsa recebeu 200 milhões de reais em proventos de empresas não financeiras, ou seja, que não do Itaú. No ano passado, esse total somou 600 milhões de reais.
Embora não possa fazer aquisições, o Itaú tem avançado, o que também é uma aposta no Brasil. Desde o fim de 2019, na pré-pandemia, a carteira de empréstimos do banco dentro do país aumentou em 360 bilhões de reais — um salto de 65% — e terminou setembro em 900 bilhões de reais. Por ser o maior destino dos rendimentos do banco, a Itaúsa sempre atraiu atenção de investidores individuais e é hoje uma das queridinhas da bolsa: tem 1 milhão de acionistas pessoas físicas, espalhados por 93% dos municípios do país. A B3 tem 4,6 milhões de diferentes CPFs registrados em sua plataforma. Mas, desses, só 3,3 milhões compram ações. Significa que, de cada três deles, um é sócio dos Setubal, a parte dos herdeiros de Alfredo Egydio que se organizou na Itaúsa.
Atualmente, a holding vale 80,5 bilhões de reais na bolsa, enquanto a soma do valor das participações detidas supera 100 bilhões de reais. Para o analista do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME) Eduardo Rosman, “esse desconto parece injusto considerando a qualidade e a relevância das companhias investidas”. Desde que o Itaú distribuiu aos acionistas sua participação em ações na XP Investimentos, a Itaúsa ficou com boa parte delas e tem se desfeito dos papéis no mercado, para reduzir sua dívida. Só neste ano, foram mais de 4 bilhões de reais vendidos. Resta ainda uma fatia de 6,3%. Rosman aponta que somente as fatias em Itaú e XP já ultrapassam o valor de mercado da holding (89 bilhões de reais no fechamento desta edição). Na prática, segundo ele, isso seria como atribuir um valor negativo para todas as outras empresas: Alpargatas, Dexco, Aegea, Copa Energia, CCR e NTS.
OS NOVOS BARÕES DE MAUÁ
Com os investimentos realizados nos últimos cinco anos, a Itaúsa entra para o grupo de empresários que estão literalmente construindo o Brasil. Voltando um pouco mais no tempo, é possível ver a ascensão e a formação de grandes conglomerados, também organizados na forma de holding. É o caso, por exemplo, do Grupo Cosan, de Rubens Ometto, com Raízen (produtora de etanol, açúcar e dona dos postos Shell), ALL Rumo (a maior ferrovia do país), Compass (Comgás e outros negócios) e a Moove (lubrificantes). Os Ermírio de Moraes, com uma tradição de mais de 100 anos, também arrumaram a casa na Votorantim Participações e hoje têm um portfólio com sete empresas, um banco e presença em 16 países, além de terem incluído em seus investimentos a CCR (em sociedade com a Itaúsa) e o setor de energia, com a Auren, a soma da antiga Cesp com projetos em renováveis.
“É um ótimo sinal o setor de infraestrutura chamar a atenção desses grupos, que têm condições de alocar capital em outros países, mas viram nos projetos no Brasil um custo de oportunidade interessante”, destaca Marcelo Allain, da consultoria BR Infra Group. O especialista explica que as diversificações, em grandes famílias empresariais, muitas vezes são para compensar riscos. A Cosan é um exemplo: nasceu no setor de usinas de cana-de-açúcar e partiu para investimentos em logística. Ou, então, a Votorantim, que como produtora de cimentos e metais tem na energia seu principal custo. “Quando o preço da energia sobe muito, vira custo de um lado, mas receita do outro”, explica. “Já a Itaúsa alocou os recursos em negócios muito intensivos em capital. Sua chegada ao bloco de controle desses ativos melhora a governança das empresas.” Ambição, e oportunidade, é o que não falta.
A Dexco não é mais só indústria, é plataforma
Sem inovação e presa a hábitos ultrapassados. Essa era a Dexco descrita por Antonio Joaquim de Oliveira, antes de assumir a presidência em 2013. “Era uma empresa masculina e autoritária. Quase um exército”, conta em entrevista à EXAME. Entre as mais antigas da bolsa brasileira, com capital aberto em 1951, a Dexco foi a primeira investida da Itaúsa fora do setor financeiro. A holding nasceu, há 47 anos, já com ela dentro. Era então a Duratex, de painéis de madeira, e que havia sido combinada à Deca, de louças e metais sanitários. Ambas fundadas pela família.
O plano de Oliveira era fazer a companhia evoluir de uma indústria, tocada por engenheiros, para a atual plataforma de marcas para construção e decoração. Na casa há 36 anos, ele sabia que não havia outro caminho: só uma verdadeira revolução na cultura. Foi alertado pela consultoria do projeto de que, na média, perderia 25% da liderança. Ledo engano. A mudança alcançou 85% dos líderes. “Foi extremamente dolorido. Não queríamos aposentar pessoas, mas tínhamos de aposentar conceitos”, relembra. Do grupo de 15 diretores, 12 têm menos de cinco anos de Dexco. O chacoalhão foi contemporâneo às discussões de modernização na Itaúsa, que começou em 2013 a mexer no portfólio. O trabalho contou com total apoio dos controladores.
“Antes de sermos inovadores, temos de ser abertos ao novo. O consumidor está mudando. A forma de escolher os produtos mudou completamente depois da internet”, ressalta ele. A transformação culminou na troca de nome, no ano passado, e em uma nova definição do que o negócio é: “soluções para melhor viver”.
A companhia se abriu para novas oportunidades, criou um marketplace para se aproximar do consumidor e ingressou em novos segmentos, após mais de 60 anos restrita aos mercados de origem. Desde que o choque começou, há sete anos, a receita aumentou 130% e somou 6,5 bilhões de reais de janeiro a setembro — e isso porque 2022 está para lá de difícil no segmento de reformas.
A grande aposta da Dexco nos últimos anos foi em revestimento e cerâmica, com a compra da Ceusa e da Cecrisa. O segmento já representa mais de 15% da receita líquida. E tem mais pela frente. Além de não descartar novas aquisições, a empresa vai investir 600 milhões de reais para ampliar a capacidade em 35%. O projeto faz parte do maior plano de investimento da história da Dexco, de 2 bilhões de reais em três anos. O montante abarca ainda 500 milhões de reais para o aumento da base florestal, que vai sair de 13.000 hectares para nada menos que 40.000. A expansão será voltada para o Nordeste. “É um projeto de longo prazo. Futuramente teremos uma operação industrial. Existem várias opções na região. Mas, se não há floresta, não há futuro.”
LEIA TAMBÉM: Itaúsa (ITSA4) vai pagar JCP bilionário e antecipar resgate de debêntures