Revista Exame

A receita mexicana

Nos últimos anos, o desconhecido laboratório mexicano Genomma investiu pesado em publicidade e cresceu como ninguém no Brasil. Mas o modelo dá sinais de fadiga

Rodrigo Herrera, do Genomma: as vendas estagnaram (Divulgação)

Rodrigo Herrera, do Genomma: as vendas estagnaram (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 13 de agosto de 2015 às 11h08.

São Paulo — Tudo no laboratório mexicano genomma é sui generis. Seu fundador, o empresário Rodrigo Herrera, tinha uma produtora de comerciais no México e conseguiu o capital para criar a empresa penhorando um relógio de grife em 1996. No Brasil, de ilustre desconhecido até 2010, passou a ter um faturamento de 530 milhões de reais graças a cosméticos e medicamentos com nomes como Cicatricure, para cicatrizes e rugas, e Asepxia, para acne.

Conseguiu esse desempenho usando uma fórmula que chocou muita gente por aqui — do nada, tornou-se um dos maiores anunciantes do país. Em 2014, o Genomma ultrapassou a gigante de bens de consumo Unilever e tornou-se o segundo maior anunciante do país — atrás da rede de eletrodomésticos Via Varejo.

Em alguns intervalos comerciais, a Rede Record chega a apresentar dez peças publicitárias do Genomma. É Cicatricure para lá, Cicatricure para cá, Asepxia para acolá, num ritmo de deixar tontos os telespectadores mais atentos. É a mesma estratégia que a empresa adotou no México, onde é o maior anunciante local, e na Argentina.

Seus garotos-propaganda são celebridades como o cantor Luan Santana e a apresentadora Marília Gabriela. A mais nova contratada do grupo é a apresentadora Xuxa. A empresa não fabrica nem um comprimido no Brasil — tem contratos com laboratórios brasileiros e importa alguns produtos.

Com esse jeito peculiar de ser, o Genomma, digamos, chegou chegando ao Brasil. Foi o campeão de crescimento de 2011 a 2013. Impulsionado pela propaganda, o Cicatricure tornou-se o sexto produto mais vendido nas farmácias do país. O Brasil se tornou um dos maiores mercados da empresa, atrás do México.

Anunciar para o povão medicamentos vendidos sem receita é uma estratégia clássica, nascida ainda nos tempos em que o rádio era o veículo de comunicação de massas mais importante. Foi assim que surgiram marcas fortes, como Doril, Estomazil, Vitasay Stress, Gelol, Biotônico Fontoura e tantas outras. Mas o Genomma leva a receita ao paroxismo.

A empresa cresceu tanto no Brasil graças a um acordo de exclusividade com a TV Record. Se as horas e mais horas de propaganda do Genomma na Record custassem o valor “cheio”, ou seja, sem descontos, os mexicanos teriam gastado 3 bilhões de reais no ano passado — ou seis vezes seu faturamento no país. Esse é o valor que é usado para dizer que a empresa é a segunda maior anunciante do Brasil.

Mas a verdade é que, com o acordo, o Genomma consegue descontos altíssimos, estimados em 98% (nem a empresa nem a Record divulgam qual é o desconto). Assim, a verba de publicidade cai para 60 milhões de reais por ano. Ainda é muito, mas ajuda a colocar as coisas em perspectiva.

Nos Estados Unidos, o Genomma tem há seis anos uma associação com a rede mexicana Televisa para a venda de medicamentos. A TV é acionista majoritária da distribuidora de medicamentos nos Estados Unidos, com 51% do negócio. É natural, portanto, que surjam especulações de que a parceria se repita por aqui com a Record — algo negado pelo Genomma (a Record não comenta). Neste ano, o Genomma passou a anunciar também na TV Bandeirantes.

Naturalmente, a fórmula do Genomma começou a incomodar. Os concorrentes começaram a questionar a estratégia comercial no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). No ano passado, o laboratório mexicano foi condenado pelo Conar a mudar uma propaganda do hidratante Goicoechea, que prometia eliminar varizes, após uma reclamação da Unilever. No fim das contas, o próprio Genomma admitiu que o Goicoechea não elimina as varizes — apenas alivia a sensação de formigamento. Nos últimos dois anos, foram 12 reclamações ao Conar.
Enquanto a briga se limitava à tentativa de barrar propagandas, o Genomma não tinha grandes problemas. A coisa ficou séria quando vários concorrentes começaram a lançar produtos parecidos para tentar pegar carona­ na propaganda alheia. Um ponto fraco dos produtos do Genomma é que são fáceis de copiar.

No último ano, foram lançados 15 produtos de laboratórios nacionais para concorrer com os maiores sucessos do Genomma. Eles têm nomes similares para criar uma associação com as marcas marteladas nos comerciais. O Cicatricure ganhou um concorrente fabricado pela Cimed, chamado Cicatrimed. A União Química lançou o Cicatrigel. E a Kley Hertz tem o Cicatriclin.

O hidratante Goicoechea ganhou o concorrente Goicodrat, da Cimed. “Podemos fazer campanhas nos pontos de venda e cobrar menos”, diz um concorrente. Enquanto o Cicatricure custa cerca de 35 reais, o Cicatrimed é vendido por, aproximadamente, 22 reais; o Cicatriclin, por 29 reais; e o Cicatrigel, por 25 reais. “Quando há novos concorrentes nas categorias em que somos líderes, temos a certeza de que estamos no caminho certo”, diz Daniel Prida, presidente do Genomma no Brasil.

Mas a verdade é que o aumento da concorrência começou a atrapalhar. Em 2013, o Genomma triplicou de tamanho. No ano passado, cresceu 17%, e, nos 12 meses até abril de 2015, apenas 2%, segundo dados da consultoria IMS Health. Esperava-se uma queda na taxa de crescimento após anos de expansão acelerada.

Mas a participação de mercado da empresa, que chegou a se aproximar de 0,8% do total do mercado farmacêutico brasileiro, caiu para menos de 0,7%. (O Genomma diz esperar crescer 20% neste ano.) No ano passado, os resultados da empresa no México foram ruins e assustaram o mercado financeiro.

No último trimestre do ano passado, as vendas caíram 43%, por causa da quebra de um varejista local de medicamentos e por excesso de estoque. Foram as boas vendas no Brasil, nos Estados Unidos e no Chile que ajudaram a manter a receita global praticamente estável em 750 milhões de dólares. Ainda assim, as ações do Genomma, listadas no México, caíram 54% em 12 meses.

Em março, Rodrigo Herrera anunciou uma recompra de ações e uma nova estratégia comercial, com redução do estoque. Mesmo assim, bancos como Santander, Barclays e Credit Suisse hoje recomendam a venda das ações. “O risco da companhia aumentou consideravelmente”, diz o analista Reinaldo Santana, do Santander, em relatório. Crescer no Brasil seria um bom remédio para o Genomma. Manter ou não a fórmula atual? É a pergunta que o mexicano vai precisar responder.

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