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A receita do Habib's

Por que o modelo de negócio voltado para consumidores de baixa renda, construído por Alberto Saraiva, tornou-se uma referência

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Da Redação

Publicado em 30 de abril de 2014 às 13h51.

No último mês de outubro, a loja do Habib's situada na avenida Itaberaba, na zona norte de São Paulo, bateu um recorde. Vendeu uma esfiha aberta a cada 7 segundos, num total de 360 000 unidades -- ou 30% acima da média das lojas do grupo. O segredo? Cada esfiha custa 39 centavos de real, 20 centavos a menos que o preço sugerido pela matriz aos franqueados.

"O grande volume nos permite manter o preço baixo", diz Wellington Almeida Junior, dono da loja. Graças a Almeida e aos donos das demais 260 lojas Habib's espalhadas por 15 estados, a cadeia deverá alcançar 800 milhões de reais de faturamento em 2005 -- 160% mais que há cinco anos.

O Habib's obteve sucesso ao apostar num mercado cobiçado por praticamente todas as empresas de consumo nos dias de hoje: os consumidores de baixa renda. "No Brasil, empresas como Habib's e Casas Bahia apontam para um caminho importante", diz o indiano Coimbatore Krishnarao Prahalad, professor da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, cujo livro A Riqueza na Base da Pirâmide já se tornou um clássico dos negócios. "Esses casos mostram que esse mercado ainda tem para onde crescer e pode ser muito lucrativo."

Analisar a estratégia do Habib's pode trazer lições preciosas para os executivos que enfrentam o mesmo desafio. A empresa mantém um ritmo de crescimento vigoroso, com a inauguração de 30 lojas por ano. Muitos especialistas interpretam essa expansão como uma prova de que o potencial de consumo do público de baixa renda é mesmo enorme.

A fórmula do Habib's combina metas e controles rígidos com produção em alta escala. A rede vende 50 milhões de esfihas por mês. Para chegar a esses números, cada loja tem o objetivo de vender, em média, 7,80 reais por cliente. A lógica é a mesma de 17 anos atrás, quando Alberto Saraiva, o fundador do Habib's, era um pequeno empresário do ramo de alimentos.

Saraiva descobriu que havia um espaço a ocupar com a produção de comida árabe para pessoas de baixo poder aquisitivo. "Quando se facilita o acesso da população de baixa renda a algum produto, dá para ganhar dinheiro", diz Saraiva, hoje com 53 anos.

A estratégia do Habib's é oferecer preços baixos nos itens principais e estimular o cliente a consumir itens mais caros e lucrativos, como bebidas e sobremesas, que chegam a dar lucro superior a 400%. "Para ser rentáveis, as lojas precisam vender uma bebida e meia por cliente e 33 sobremesas para cada 100 pessoas", diz Saraiva.

A loja que não atingir a rentabilidade mínima de 15% passa pela Unidade de Terapia Intensiva Habib's, ou UTI-H. Inspirado por sua formação de médico -- profissão que nunca exerceu --, Saraiva criou o grupo para zelar pela saúde de cada loja. Na UTI-H, os executivos da cadeia funcionam como uma consultoria. Vão à loja problemática, identificam o que está errado e propõem soluções.

Outro segredo para os baixos preços do Habib's é a verticalização. Há uma cozinha central em cada estado em que a rede mantém presença, de onde os alimentos são distribuídos entre as lojas. Em São Paulo, que reúne quase metade das unidades, o Habib's vai inaugurar uma nova cozinha, com o dobro da capacidade da atual.

Além da centralização na produção da comida, o Habib's mantém seis empresas próprias, que respondem por 30% do negócio do grupo. A Arabian Bread é o braço de panificação e doces. A indústria de laticínios Promilat fabrica os queijos utilizados nas esfihas. Há uma marca própria de sorvetes, a Ice Lips, que também abastece redes de supermercados.

A empresa de telemarketing VoxLine, encarregada dos pedidos de entrega expressa, é fornecedora para outras empresas, como a Avon. "A verticalização é uma estratégia importante para quem lida com produtos de baixo custo e precisa ter controle dos processos de fabricação", diz o especialista em varejo Alberto Serrentino, da consultoria Gouvêa de Souza & MD.

Esse é um ponto comum entre Habib's e Casas Bahia, outra empresa brasileira que conseguiu conquistar o consumidor de baixa renda. A Bartira, braço industrial da Casas Bahia, abastece quase 40% das linhas de móveis das lojas. A empresa mantém ainda um gigantesco centro de distribuição próprio em Jundiaí, a poucos quilômetros da capital paulista.

Quando não é possível o público ir ao Habib's, o Habib's vai até o público. Há dois anos, a empresa inaugurou uma unidade no interior do estádio do Morumbi, em São Paulo, onde comercializa os seus produtos durante os jogos. A escolha dos pontos onde as novas unidades serão abertas é especialmente cuidadosa.

Esse trabalho é feito por uma imobiliária do grupo, a Planej, que caça os pontos comerciais com as melhores condições de locação. "Nenhum local é fruto do acaso", diz Saraiva. Nas ruas, as lojas do Habib's normalmente se localizam em esquinas com grande fluxo de populares, o público-alvo da empresa.

Cinco anos atrás, Saraiva tentou exportar o sucesso do Habib's. Nesse período, o grupo investiu 5 milhões de dólares na abertura de oito lojas no México. "Os mexicanos faziam filas para comer as nossas esfijas", diz Saraiva. Não deu certo. Saraiva afirma que era difícil manter bons administradores brasileiros no México.

"Eles não se adaptaram e errei ao não fazer parceria com empresários locais", diz ele. Saraiva acabou vendendo as lojas no último ano. "Não estou disposto a correr sozinho esse risco novamente", afirma. Agora, Saraiva aposta na expansão do modelo de sucesso do Habib's para sua outra rede de alimentação popular, o Ragazzo, que serve comida italiana a preços módicos. Está prevista a inauguração de duas lojas na capital paulista até dezembro. "Queremos abrir dez novos Ragazzo por ano", diz Saraiva.
 

As lições de Saraiva
Como o Habibs aumentou o faturamento de 300 milhões em 2000 para mais de 800 milhões de reais neste ano(1)
1 - Despesas
A folha de pagamento não pode ultrapassar 19% do faturamento, e as matérias-primas não podem ser mais de 20,5% das vendas totais da loja
2 - Metas
O tíquete médio do cliente deve ser de pelo menos 7,80 reais, e a meta é vender 33 sobremesas a cada 100 clientes
3 - Padronização
Uma bebida deve ser servida em 4 minutos após o pedido e uma Bibsfiha deve ter 35 gramas de carne
(1) Estimativa
Fonte: empresa

Com reportagem de Carolina Meyer
 

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