Porto no Guarujá: exportar resolveu a vida de muitas empresas em 2015 (Germano Luders/Exame)
Da Redação
Publicado em 3 de agosto de 2016 às 14h17.
São Paulo — Em meio ao clima de terra arrasada que se abateu sobre a economia brasileira, tem sido uma tarefa das mais difíceis encontrar empresas com boas histórias para contar. Em alguns mercados, especialmente, o que se vê é um show de horrores. Além daqueles atingidos diretamente pela Operação Lava-Jato (como o setor de petróleo), outros vivem dramas particulares devido à crise.
Setores como automotivo, de autopeças, bens de capital, açúcar e álcool e construção civil passam pelos piores momentos em muitas décadas. Mas, mesmo dentro desses navios que parecem já naufragados, algumas empresas conseguiram se agarrar ao bote salva-vidas e navegar até águas tranquilas.
Como elas conseguiram? EXAME ouviu dezenas de especialistas em gestão e executivos dos setores mais afetados pela crise para chegar às lições das empresas que venceram em meio ao caos.
Vender exclusivamente para o mercado brasileiro é, obviamente, uma desvantagem neste momento de recessão profunda no país. Mas, quando a economia brasileira estava indo bem, parecia desperdício gastar tempo e dinheiro lá fora. A catarinense WEG foi uma exceção.
Com fábricas em 12 países e escritórios em mais 18, a empresa, uma das maiores fabricante de motores elétricos do mundo, beneficiou-se de sua rede internacional para escoar parte da produção não absorvida pelo mercado doméstico.
A unidade brasileira está exportando para os Estados Unidos no lugar da subsidiária do México, o que não fazia antes: um alívio, já que a receita do setor de bens de capital diminuiu 14% no ano passado, em meio à queda generalizada dos investimentos na indústria.
“Atualmente, a energia do grupo está voltada para o exterior, porque os projetos no Brasil não vão maturar na velocidade que queríamos”, afirma Harry Schmelzer, presidente da WEG. Em 2015, 57% da receita da empresa veio das vendas internacionais — ante 51% no ano anterior. O cenário externo também ajudou a fabricante de calçados Grendene a atenuar a forte queda da demanda em seu setor.
Enquanto a receita com as vendas no Brasil caiu 9%, a de exportações, graças à valorização do dólar, subiu 14%. Em 2015, as vendas de calçados, tecidos e vestuário caíram cerca de 9% no país. Com o empurrão dado pelo câmbio favorável, a Grendene manteve a liderança na exportação de calçados brasileiros — 37% dos pares que saíram do país no ano passado foram de suas marcas.
Em 2015, a empresa lucrou 22% mais do que no ano anterior — 603 milhões de reais. Dentro do setor industrial, é difícil achar um segmento que tenha se saído tão mal quanto o automotivo e o de autopeças. De 2013 para cá, 49 empresas que proviam peças para as montadoras pediram recuperação judicial.
A Tupy, fabricante de peças de ferro fundido que vende 90% de sua produção para a indústria automotiva, escapou dessa tragédia vendendo para fora do Brasil. No ano passado, 82% da receita de 3,4 bilhões de reais da empresa veio do exterior.
As exportações subiram 24%, enquanto a demanda local desabou 27%. O faturamento do segmento de autopeças caiu, em média, 18% no ano passado, de acordo com o Sindipeças, que reúne as empresas do setor.
É fácil entrar em pânico numa crise como a atual. Mas, mesmo nas piores recessões, há mercados que crescem e consumidores dispostos a gastar. Para descobrir onde estão as oportunidades, é preciso saber ler os sinais — separar o som do ruído, como diz o estatístico americano Nate Silver — e apostar dinheiro numa ideia matadora. A japonesa Honda fez isso e está se dando bem.
Enquanto poucas montadoras se arriscavam em lançamentos novos, no ano passado ela colocou no mercado seu utilitário compacto HR-V e o modelo a ajudou a aumentar 11% seu número de emplacamentos, quando as vendas totais de veículos leves no país caíram 24%.
O consumidor brasileiro vinha dando sinais de que queria um jipinho novo em folha, e a Honda manteve seus planos mesmo quando o mercado já embicava para baixo. Foi o que fez também a Jeep, marca do grupo Fiat Chrysler que comemora a aposta acertada de reduzir os preços com o lançamento de outro jipinho, o Renegade, em abril de 2015.
Até então, a média de preço dos carros Jeep no país era de 150 000 reais. O novo modelo, produzido na fábrica de Pernambuco, custa 70 000 reais. Já foram vendidas mais de 60 000 unidades do Renegade e, nos cinco primeiros meses de 2016, o Jeep respondeu por 22% dos licenciamentos do grupo Fiat no Brasil.
Juntamente com a produção local, a Jeep precisou expandir sua rede de concessionárias, e mais de 200 pontos de vendas foram abertos desde o início de 2015. Enquanto isso, mais de 1 000 concessionárias de outras redes fecharam as portas em todo o Brasil, afetadas pela forte queda nas vendas. A fabricante de bens de consumo e varejista Alpargatas continuou investindo mesmo quando a concorrência freava.
Uma fábrica que ampliou a capacidade produtiva de sandálias em 30% entrou em operação plena no ano passado — e havia demanda para tanta oferta. As vendas cresceram 17% em 2015.
A manutenção dos planos vem de uma decepção anterior: o início da construção da fábrica foi adiado por dois anos em razão da crise de 2008 e 2009. Em 2010, já faltavam sandálias no mercado. “Adiamos a nova fábrica por tempo demais”, diz Márcio Utsch, presidente da Alpargatas. “Isso nos mostrou a importância de ter uma cultura anticrise.”
As empresas que estão bem atualmente não são lideradas por executivos que estamparam as capas de revistas no momento de boom dos setores em que atuam. Isso acontece porque eles não dão grandes saltos, não fazem grandes aquisições, preferem centrar -se no dia a dia e crescer com paciência. Esse é o caso de Fábio Venturelli, presidente desde 2007 do grupo sucroalcooleiro São Martinho.
Em um setor endividado e com histórico de prejuízos, Venturelli conseguiu conduzir a companhia sem grandes solavancos. Desde 2008 mais de 80 usinas entraram em recuperação judicial e a dívida do setor beira hoje os 100 bilhões de reais. Até 2008, as usinas endividaram-se para expandir a produção e atender à crescente demanda por etanol.
Mas, quando a Petrobras começou a segurar o preço da gasolina em 2011, o etanol perdeu competitividade e o setor ficou à míngua. Fábricas inteiras foram postas à venda a preço de banana e, mesmo assim, não conseguiram encontrar compradores.
“O controle de preço da gasolina, a má gestão das usinas e, agora, a restrição ao crédito estão deixando muitas usinas com a corda no pescoço”, afirma Renato Buranello, especialista em agronegócio do escritório de advocacia Demarest. Em setores como esse, quem foi conservador nos anos de euforia está passando pela crise com certa folga.
Mesmo com 900 milhões de reais em caixa, Venturelli resiste à tentação de sair comprando concorrentes — as aquisições da São Martinho são raríssimas. Isso lhe permite uma situação financeira confortável. Sua dívida equivale a 2,4 vezes a geração de caixa, ante 3,0 da Biosev, do grupo Dreyfus, e 4,9 da Tereos, outras usinas de capital aberto.
A Biosev é resultado de uma série de fusões de usinas, o que resultou numa dívida difícil de administrar. Nos últimos três anos, as ações da São Martinho valorizaram 115% na bolsa, desempenho muito melhor do que o das concorrentes: o valor de mercado da Biosev caiu 40%; e o da Tereos, 60%. Com isso, a São Martinho lucrou 125 milhões de reais em 2015, enquanto as grandes de capital aberto tiveram prejuízo.
Assim como Venturelli, José Galló, presidente da gaúcha Renner, maior varejista de moda do país, dirige a companhia com parcimônia. Sem grandes gastos com celebridades nem estilistas famosos, a empresa pouco mudou sua estratégia de gestão quando as concorrentes abriam lojas a toque de caixa para aproveitar a euforia de consumo, anos atrás.
Enquanto a Riachuelo e a Hering tiveram queda nos lucros em 2015 em comparação com o ano anterior, a Renner lucrou 23% mais — ou 578 milhões de reais. “Empresas bem-sucedidas racionalizam e revitalizam em tempos de vacas magras e gordas. Trabalham ao mesmo tempo nas duas frentes, independentemente do cenário”, diz Betânia Tanure, diretora da consultoria BTA, especializada em gestão.
Quando um mercado cresce, é natural que as empresas busquem novas oportunidades, novos mercados e mais clientes. Naturalmente, o risco de se embananar nessa hora é grande. No setor de construção civil, como se sabe, a euforia tomou conta de quase todo mundo e muitas empresas se aventuraram por searas sobre as quais não tinham muito conhecimento.
O resultado foi alto endividamento e dificuldade de desovar os estoques. No entanto, uma empresa conseguiu se destacar: a mineira MRV. Hoje, ela é a maior do setor em valor de mercado e lucro. No ano passado, a receita do setor de construção caiu 18%, de acordo com a consultoria Economatica. O faturamento da MRV subiu 14%.
Seu valor de mercado é de 4,6 bilhões de reais, mais do que a soma das concorrentes Eztec, JHSF, Gafisa e Tecnisa. Seu sucesso é fruto da estratégia adotada desde a fundação da empresa. Há 36 anos, ela começou a desbravar o segmento de construção para a baixa renda. Gostou e permanece nele até hoje, sem desviar o foco.
Atualmente está bem à frente de seus concorrentes em número de lançamentos e em volume de vendas. Há algum tempo a empresa constrói já pensando no público do programa Minha Casa, Minha Vida, o que lhe permite reduzir o risco de rescisão de contratos por falta de financiamento.
Dos 973 milhões de reais em lançamentos feitos pela empresa no primeiro trimestre de 2016, 100% cumprem os requisitos do programa federal de habitação popular. Das 17 empresas que construíam imóveis para a baixa renda em 2010, sobreviveram apenas oito. Não é, portanto, um mercado para iniciantes.
A gaúcha Fras-le, fabricante de freios para caminhões e carros que vende para mais de 100 países, é outro exemplo da resistência de alguns mercados. Enquanto a concorrência cresceu para atender à demanda por carros novos dos anos de otimismo, a Fras-le continou fazendo o que sempre fez: produzir peças de reposição para carros usados, segmento que responde por 85% de sua receita de 875 milhões de reais.
Com a crise, o brasileiros deixaram de comprar carros novos, mas continuam demandando peças e serviços para manter os já em atividade. Mesmo em 2012, quando as montadoras batiam recordes de produção, a empresa já mantinha 78% de suas vendas no mercado de reposição.
“Faça chuva ou faça sol, nós crescemos a uma taxa de 12% ao ano”, diz Pedro Ferro, presidente da Fras-le. É o tipo de decisão difícil de tomar quando o mercado está indo, eufórico, em outra direção. Na hora da crise, eis a boa notícia para empresas como a Fras-le e as outras citadas nesta reportagem: elas continuam na contramão do mercado.