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Para Ben-Ishai, do Google, tecnologia não é vilã e pode ajudar na criação de postos de trabalho

Para economista do Google, a tecnologia pode impulsionar a recuperação econômica no Brasil pós-pandemia

Guy Ben-Ishai, do Google: “Os brasileiros querem explorar o espírito inovador. E é isso que a tecnologia permite fazer” (Divulgação/Divulgação)

Guy Ben-Ishai, do Google: “Os brasileiros querem explorar o espírito inovador. E é isso que a tecnologia permite fazer” (Divulgação/Divulgação)

TL

Thiago Lavado

Publicado em 14 de janeiro de 2021 às 05h31.

A dificuldade de uma retomada econômica é um fantasma que ronda os países em desenvolvimento em 2021. Já prejudicados por condições econômicas desfavoráveis — inflação crescente, altas taxas de desemprego, baixa produtividade e baixos níveis de crescimento —, eles enfrentam desafios ainda mais severos para se recuperar da crise causada pela pandemia de covid-19.

Para Guy Ben-Ishai, diretor de pesquisa em política econômica do Google, o momento é ideal para desburocratizar, aumentar incentivos à digitalização e facilitar a entrada desses países no século 21. Em um documento chamado Digital Sprinters, publicado em dezembro, ele e sua equipe abordam a importância da digitalização e como fazê-la, levando em conta o atual momento e as condições econômicas desses países. Ben-Ishai falou com a EXAME sobre sua visão do futuro. 

    É o momento adequado para dar incentivos à economia digital, diante da crise em que estamos? 

    Muitos questionam por que falar em política digital quando estamos tentando salvar vidas. É uma pergunta justa e nós nos questionamos também. A realidade é que acreditamos que não poderia haver momento melhor. O fato de que estamos focando a recuperação no curto prazo é uma oportunidade tremenda para lidar com os desafios econômicos. É o momento correto para pensar nos impactos de longo prazo, porque estamos em crise. A crise é uma oportunidade. 

    Como combinar as políticas para a digitalização com os problemas econômicos anteriores à crise? 

    Entre os desafios para a recuperação econômica da covid-19, há três que são proeminentes: prover estabilidade econômica para o setor informal, que no Brasil é muito grande; lidar com o desemprego; e preparar a força de trabalho para a economia do século 21.

    Esses objetivos de curto prazo são na realidade objetivos de longo prazo. Eles são “tijolos” que países como o Brasil podem usar para construir uma economia avançada. São problemas que já estavam aí antes da crise, mas a crise exige que lidemos com eles e que haja foco. É exatamente o que precisa ser feito para pular sobre os competidores e ganhar mercado. Por isso há uma grande oportunidade para fazer mudanças fenomenais na política econômica que permitiriam a países como o Brasil decolar. 

    Como esse salto pode ocorrer? 

    É uma questão de prioridades. No documento que publicamos, há muito poucos casos em que ativamente falamos sobre financiamento e investimentos adicionais. Tentamos focar em fazer mais com menos. É sobre ter um gerenciamento equilibrado de alocação de recursos e parcerias entre governos locais e federais, entidades sem fins lucrativos, setor privado. A proposta foi feita tendo em mente países como o Brasil, que tem recursos limitados e uma longa lista de prioridades para avançar na transformação digital, reduzir o desemprego e aumentar a produtividade, de uma maneira que não consuma recursos. 

    Como lidar com as disparidades de ensino na força de trabalho? 

    A vantagem de alguns países emergentes é o baixo custo do trabalho, utilizado para a produção de itens em massa, que seria mais cara em países desenvolvidos. Há uma preocupação em abraçar a tecnologia porque isso inclui automação, inteligência artificial e aprendizado de máquina, o que poderia substituir trabalhadores e minar os esforços de manutenção do emprego. É preciso ter algumas coisas em mente. Imagine o cenário hipotético, que eu, pessoalmente, não acredito ser verdade, em que pessoas de manufaturas e eletrônica perdem os empregos para a automação.

    O Brasil poderia prevenir a automação para tentar salvar esses empregos, mas isso não vai acontecer, porque outros países vão abraçar a automação. É algo que a China fez de maneira eficiente. A China tinha uma vantagem com o trabalho de baixo custo, a produção em massa, e foi a primeira a adotar a transformação digital de uma maneira que afetou a força de trabalho mundial. O Brasil teria uma escolha de tentar salvar sua força de trabalho contra a digitalização, mas não conseguiria. O que aconteceria é que isso impediria o país de ter os benefícios da transformação digital, como a criação de novos e melhores empregos. Os brasileiros não querem o trabalho redundante, de baixo valor, que nenhum outro país quer. Querem explorar o espírito inovador. E é isso que a tecnologia permite fazer.

    "É o momento correto para pensar nos impactos de longo prazo, porque estamos em crise. A crise é uma oportunidade".

    Essa é uma discussão ultrapassada? 

    Não acho que seja ultrapassada. O que era verdade há dez anos pode ser diferente nos próximos 20. Tendemos a ver a tecnologia como algo que substitui postos de trabalho, mas há extensa evidência do contrário. O surgimento das máquinas de autoatendimento nos bancos elevou o número de bancários. Outro exemplo vem dos frigoríficos. Com a covid-19, muitos não puderam ter pessoas trabalhando na linha de produção e fecharam. E empresas de robótica proveram soluções. Inicialmente, os robôs não eram precisos para cortar carne, mas estão melhorando e se tornando tão eficientes quanto os humanos.

    Muitas pessoas disseram que esse era um tremendo exemplo da tecnologia eliminando empregos. É uma visão incompleta. As fábricas que puderam trazer robôs se mantiveram ativas e salvaram o emprego de quem não estava na linha de produção. Agora as empresas digitais e agências do governo devem trabalhar em conjunto para encontrar o trabalho correto para esses empregos que foram perdidos. Isso vai gerar a certeza de que a tecnologia cria mais postos de trabalho para a economia.

     

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