Revista Exame

A operação da Gerdau que deixou acionistas de cabelo em pé

Há quase um ano, a família Gerdau foi acusada de usar 2 bilhões de reais da empresa para pagar uma dívida do próprio clã. Pelo visto, foi isso mesmo

André Gerdau: a operação é um “escárnio”, diz a associação dos minoritários (Germano Luders/Exame)

André Gerdau: a operação é um “escárnio”, diz a associação dos minoritários (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 23 de maio de 2016 às 05h56.

São Paulo — Há quase um ano, a siderúrgica Gerdau anunciou uma operação que deixou alguns acionistas minoritários de cabelo em pé. Apesar do agravamento da crise econômica, da fraqueza dos negócios no mercado de aço e do endividamento alto, a empresa decidiu gastar 1,98 bilhão de reais na compra de pequenas participações em quatro subsidiá­rias da própria Gerdau.

O que tornava a operação ainda mais estranha era a constatação de que a Gerdau já controlava essas empresas, com uma participação acionária superior a 95%. Ou seja, os quase 2 bilhões de reais gastos em plena crise pareciam dinheiro desperdiçado e no pior momento possível — a dinheirama representava cerca de 20% do valor de mercado da Gerdau inteira.

Estupefatos, os sócios da gestora de recursos Tarpon, na época uma das maiores acionistas da Gerdau, ligaram para a empresa para entender o que tinha acontecido, mas nem os responsáveis pela área de relações com investidores sabiam explicar os benefícios da operação.

A Tarpon logo suspeitou que a família Gerdau estivesse usando o dinheiro da empresa para pagar uma dívida dos controladores com o banco Itaú BBA e pediu à Comissão de Valores Mobiliá­rios (CVM) que suspendesse o negócio.

Em abril, finalmente veio o esclarecimento, escondido na página 44 de um documento elaborado para orientar a participação dos acionistas na assembleia anual de aprovação de contas. Ali, a Gerdau, meio constrangida, admite que a operação foi mesmo heterodoxa. Os minoritários constataram: pagaram mesmo uma conta bilionária que nada tinha a ver com eles.

As origens do rolo atual remontam a 2005. A Gerdau tinha, nas quatro subsidiárias, dois sócios — a siderúrgica anglo-indiana ArcelorMittal e o banco Itaú BBA. Naquele ano, quando comprou a participação, o banco pediu uma “porta de saída” para quando desejasse vender suas ações, e a um preço vantajoso.

A solução encontrada foi dar ao Itaú BBA o direito de, após determinado prazo, vender as participações por um preço já fixado naquele momento, corrigido pela taxa do CDI do período. Quem se comprometeu a comprar as ações do Itaú foi a Indac, empresa por meio da qual a família controla a Metalúrgica Gerdau, que, por sua vez, controla a Gerdau.

Com o passar dos anos, a participação do Itaú BBA atingiu 1,7 bilhão de reais, patamar totalmente descolado do real valor de mercado das ações.

Numa conversa entre o departamento de relações com investidores e a Tarpon, anexada ao processo que corre na CVM, o representante da Gerdau frisa que a empresa não tinha a obrigação de comprar a participação do Itaú BBA — mas o fato é que, dias antes da data em que o Itaú teria o direito de vender as ações para a Indac, a companhia anunciou ela mesma a compra dos papéis.

Ou seja, assumiu para si uma fatura que era da família Gerdau. Fez isso, conforme alegou, porque o banco concordou em parcelar o pagamento e porque, depois de anos de tratativas, a Arcelor também aceitara vender suas ações. Era a chance de assumir 100% das subsidiárias.

Defesa

Na página 44 do documento enviado à CVM em abril, a Gerdau informa que as ações do Itaú BBA custaram três vezes mais do que as detidas pela Arcelor. Do total de 1,98 bilhão de reais gastos na operação, o Itaú recebeu exatamente o mesmo 1,7 bilhão de reais a que tinha direito de receber da Indac. Para os acionistas, essa foi uma confissão de culpa.

Roberto Decourt, conselheiro fiscal da Metalúrgica Gerdau, reforçou essa tese em manifestação por escrito entregue na assembleia da empresa em 28 de abril ao observar que Arcelor e Gerdau, duas siderúr­gicas, certamente sabem precificar corretamente o valor de ativos do setor e chegaram a um valor equivalente a um terço do pago ao Itaú.

Para Decourt, como o Itaú BBA tinha o direito de vender as ações por 1,7 bilhão de reais para a Indac, não houve negociação de preços independente na transação. Fez-se, segundo ele, apenas uma conta de chegada para que a Gerdau assumisse a dívida.

E ele também relatou a existência de um laudo de avaliação das participações feito pela consultoria Apsis, cujo valor encontrado “também não justifica os valores da transação”. Para Decourt, a Gerdau deveria cobrar da Indac o valor a mais que pagou pelas participações. — aproximadamente 1 bilhão de reais. “Essa operação é um escárnio.

Não faz sentido ser mino­ritário no Brasil enquanto o controlador puder transferir dívidas que são de sua empresa fechada para a companhia aberta”, afirma Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais. 

Em sua defesa, a Gerdau diz que só comprou as ações do Itaú BBA porque a transação representava uma oportunidade: com 100% das empresas, elas poderão ser incorporadas no futuro, o que trará, segundo a Gerdau, ganhos fiscais e contábeis com a simplificação da estrutura societária. “A operação tem de ser avaliada com base nesses efeitos de longo prazo.

A maioria de nossos mais de 100.000 acionistas entendeu isso. Houve apenas questionamentos pontuais”, diz Harley Scar­doelli, vice-presidente de finanças da Gerdau. Ele explica que, apesar de anunciadas no mesmo dia, as operações com Arcelor e Itaú BBA foram negociadas separadamente, e a diferença entre os valores pagos para cada um se explica pela forma de pagamento.

A Arcelor recebeu 295 milhões de reais à vista, 30% em dinheiro e o restante em ações da Gerdau, que podem ser vendidas em bolsa. O banco recebeu apenas 15% à vista — 38% serão parcelados em cinco anos e 47% pagos quando a siderúrgica conseguir receber 802 milhões de reais em créditos que tem da Eletrobras, mas cujo direito cedeu ao Itaú BBA.

O negócio foi aprovado por unanimidade pelo conselho de administração, que desde 2015 não tem representantes dos minoritários. O Itaú BBA não comentou. Não é a primeira vez que a família Gerdau e seus minoritários entram em conflito. Em 2002, a empresa emprestou 45 milhões de reais a um haras de Jorge Gerdau Johannpeter, ex-presidente e pai do atual presidente, André.

Foi um alvoroço. Em 2006, a família tentou cobrar dos acionistas royalties pelo uso de seu nome, mas o projeto foi barrado. Em 16 de maio, a Polícia Federal indiciou André Gerdau, investigado pela Operação Zelotes e acusado de pagar propina para ganhar casos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. A CVM está analisando a operação que envolve a Gerdau e o Itaú BBA.

Caso a autarquia decida abrir um processo sancionador, advogados ouvidos por EXAME afirmam que o clã Gerdau pode ser acusado de abuso de poder do controlador­, e as multas, em caso de condenação, podem ser calculadas com base no tamanho do prejuízo causado à empresa.

Os administradores que aprovaram a operação, caso fique comprovado que prejudicaram os interesses da empresa, podem ser proibidos de atuar no mercado de capitais. Outra opção seria um acordo, sem a necessidade de julgamento e, nesse caso, o combinado poderá ser um ressarcimento do controlador à Gerdau. E, claro, existe aquela velha possibilidade de sempre — que tudo fique por isso mesmo.

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