Revista Exame

A obra mais enrolada do Brasil é o Comperj

Como a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj, virou um roteiro acabado dos males que travam a infraestrutura brasileira


	Vista aérea do Comperj: muita ambição, muitos discursos e, por ora, pouco resultado
 (Frederico Bailoni/Petrobras)

Vista aérea do Comperj: muita ambição, muitos discursos e, por ora, pouco resultado (Frederico Bailoni/Petrobras)

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Da Redação

Publicado em 28 de junho de 2013 às 06h00.

Rio de Janeiro - Em junho de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou a cidade de Itaboraí, na região metropolitana da capital fluminense, para lançar a pedra fundamental do maior empreendimento da história da Petrobras, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, mais conhecido como Comperj.

Lá, seriam investidos 6,5 bilhões de dólares numa refinaria inovadora, que transformaria óleo pesado em produtos petroquímicos. Em março de 2008, Lula voltou à cidade para dar início à obra de terraplenagem, que se tornou a maior já feita no país. Itaboraí e os municípios vizinhos entraram em polvorosa com o anúncio de que o Comperj geraria 200 000 empregos diretos e indiretos.

Em março de 2010, quatro anos após o lançamento da pedra fundamental, Lula voltou a Itaboraí pela terceira vez. Foi participar da assinatura dos contratos que, finalmente, permitiriam o início da construção. Até então, nenhum tijolo havia sido assentado no local.

Sete anos se passaram desde a primeira visita de Lula ao Comperj. Pelo plano inicial, o complexo já deveria estar funcionando. Não está. Apenas metade da obra foi executada — 53%, segundo a estatal. Nesse período, quase tudo mudou. Em vez de uma refinaria, serão construídas duas.

Em vez de produzir petroquímicos, elas fabricarão combustíveis. Em vez de consumir 6,5 bilhões de dólares, só a primeira demandará 13,5 bilhões. Em vez de ser uma obra tocada em sociedade com o setor privado, ela virou 100% estatal. Por fim, em vez de ser inaugurada em 2012, a obra ficou para o final de 2015, segundo a Petrobras — os fornecedores dizem que só haverá inauguração em 2016.

Também não se sabe se o Comperj algum dia será realmente um complexo petroquímico — a Braskem, empresa do setor interessada em se instalar no empreendimento, ainda analisa a viabilidade econômica do projeto. O que já se sabe é que a construção enfrenta tantos problemas que o Comperj disputa o título de obra mais enrolada do país.

Um dos problemas que mais atrasaram o empreendimento é de ordem ambiental. A empresa não consegue transportar um conjunto de equipamentos encomendados na Itália que chegaram ao porto do Rio há um ano e meio. São torres que pesam 1 100 toneladas cada uma e, por causa do peso, não podem trafegar por estradas convencionais nem sobre a ponte Rio-Niterói.

A solução seria levar as torres em uma barcaça pela baía de Guanabara até um rio, o Guaxindiba. Esse rio, que recebe boa parte do esgoto do município de São Gonçalo, dá acesso ao píer de uma cimenteira nas proximidades do Comperj. A barcaça teria apenas 80 centímetros de calado para não encalhar nas águas rasas da região. Ainda assim, seria necessário dragar áreas assoreadas pelo acúmulo de dejetos no rio.

A princípio, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) aprovou a solução, e a Petrobras chegou a marcar o primeiro transporte para 24 de janeiro de 2011. A situação desandou quando se constatou que o tal rio passa por uma área de proteção ambiental, cuja responsabilidade é do órgão federal Instituto Chico Mendes.


Consultado, o instituto vetou a operação, alegando que a dragagem poderia espalhar materiais tóxicos no mangue da região. Resultado: a Petrobras terá de construir um píer em São Gonçalo e uma estrada especial de 19 quilômetros para transportar cargas ultrapesadas. As duas obras devem ficar prontas em algum momento de 2014, e o aluguel pela armazenagem dos equipamentos no porto do Rio será pago por pelo menos três anos.

Olho do dono

Era de esperar que um projeto como o Comperj passasse por um rigoroso processo de licenciamento ambiental. Além das unidades de processamento de petróleo, o empreendimento depende de várias obras de infraestrutura, entre elas um gasoduto, um oleoduto, uma usina de geração de energia e um emissário de efluentes.

Por esse motivo, o Comperj será obrigado a adotar padrões muito rigorosos — o tratamento dos efluen­tes do complexo, por exemplo, será cinco vezes mais restritivo do que o definido por lei. A estatal também arcará com 1 bilhão de reais em compensações ambientais.

Entre elas a recuperação de 4 800 hectares de mata Atlântica da região, devastados no século 19, que receberão 7 milhões de árvores nativas. Outra obrigação assumida é levar o serviço de saneamento básico a 78 000 pessoas em Itaboraí.

Mesmo assim, em maio, a Justiça paralisou a obra por dois dias com base numa ação aberta em 2008 pelo Ministério Público. Na época, o MP alegou que o licenciamento não deveria ser feito pelo Inea, um órgão estadual, mas pelo Ibama, que é federal. O surpreendente é que o próprio Ibama considera que a competência do licenciamento é do Inea.

“É lamentável que um magistrado tome uma decisão dessas no caso de um empreendimento com um licenciamento tão rigoroso, enquanto não faltam crimes ambientais no Brasil”, afirma Marilene Ramos, presidente do Inea. A Petrobras conseguiu reverter a sentença, mas terá de conviver com a insegurança jurídica até o mérito da ação ser julgado em última instância.

As paralisações estão longe de ser exceção no Comperj. Até agora, cinco greves de trabalhadores interromperam o trabalho por nada menos que 100 dias. O Tribunal de Contas da União é outra fonte de preocupação. Durante as fiscali­zações, o órgão encontrou vários indícios de irregularidades, como indicações de superfaturamento que somam mais de 780 milhões de reais.

Por enquanto, nenhum processo foi encerrado, cabendo recurso por parte da Petrobras. Em uma das decisões, o TCU recomendou a paralisação da obra, que foi acata­da pelo Congresso. O ex-presidente Lula peitou o TCU e o Legislativo e capitalizou o episódio na visita à obra, em 2010, durante a pré-campanha eleitoral.

Ao lado de Dilma Rousseff, Lula afirmou: “É o olho do dono que engorda o porco. Se eu não estivesse atento, 27 000 trabalhadores estariam desempregados”.


Em meio a essa epopeia, a obra ainda foi atingida no ano passado pela perda de um dos principais fornecedores, a Delta Construção, acusada de envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. A Delta participava de dois consórcios, cujos contratos somavam 843 milhões de reais. Um deles ainda está em fase de licitação.

A Petrobras afirma que o episódio não atrasou a obra, mas funcionários e fornecedores dizem o contrário: uma unidade depende da outra e a integração dos módulos da refinaria está prejudicada.

Muitos dos problemas enfrentados na obra do Comperj não dependem da Petrobras e poderiam atingir qualquer empreendimento do país. Mas há sinais de que a companhia não estava prepara­da para tocar um empreendimento desse tamanho. A estatal não construía uma nova refinaria havia 32 anos.

De 2007 a 2010, ainda na gestão de José Sérgio Gabrielli, decidiu construir quatro: a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco — que também passa por maus bocados e um atraso de cinco anos —, o Comperj e as refinarias do Maranhão e do Ceará, ambas em fase de projeto e em marcha lenta.

Aumentar a capacidade de refino é uma necessidade da Petrobras e do país. O consumo de combustíveis subiu muito no Brasil nos últimos anos. O que deveria fazer a alegria de uma petroleira se tornou um pe­sadelo, já que a Petrobras tem de importar óleo diesel e gasolina a preços mais altos do que o governo lhe permite vender ao consumidor.

O problema é que faltam braços e cérebros para tanto trabalho. E, assim, as obras não avançam. As falhas de gestão ficam evidentes no relato do prefeito de Itaboraí, Helil Cardozo. Em novembro, antes de assumir a prefeitura, Cardozo foi recebido pela presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster.

Ouviu dela que os prefeitos da região não estavam se empenhando em desapropriar as áreas para a construção da estrada que ligará o píer de São Gonçalo ao Comperj. “Já se passaram seis meses e a Petrobras ainda não entregou o projeto da estrada”, diz Cardozo. “A construtora já me procurou pedindo a licença para começar a trabalhar. Mas como vou autorizar se nem sabemos onde a estrada vai passar?”

Há, por fim, outro drama: a falta de dinheiro para levar o Comperj adiante. Segundo o presidente de uma construto­ra que participa das obras, a ordem dentro do Comperj é “tirar o pé”. A EXAME, a empresa declarou por escrito que a estatal não tem problema de caixa.

Entretanto, sob a condição de não ser identificado, um funcionário graduado da companhia afirmou: “A Petrobras não tem dinheiro para nada. Acabamos de captar 11 bilhões de dólares, mas a maior parte foi para pagar dívida”. E, assim, o que foi anunciado como uma revolução na petroquímica do país virou um rotei­ro acabado dos nós que seguram a infraestrutura brasileira. O Comperj virou, por assim dizer, uma aula de Brasil.

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