Rubens Henriques (Clave), Florian Bartunek (Constellation) e Sara Delfim (Dahlia Capital) (Arte/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 15 de julho de 2021 às 05h28.
Última atualização em 18 de julho de 2021 às 09h06.
Faria Lima e Leblon são o epicentro de uma revolução que não para no Brasil. A avenida da capital paulista e o bairro carioca simbolizam o mercado financeiro brasileiro por concentrar o endereço dos profissionais que fazem essa roda girar.
A indústria de fundos brasileira alcançou em junho nada menos do que 6,6 trilhões de reais sob seus cuidados, mais do que o dobro dos 3,2 trilhões de reais há cinco anos, no mesmo mês de 2016.
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Nos seis primeiros meses deste ano, a captação de recursos alcançou um volume recorde para um período de seis meses. Foram 206 bilhões de reais, 25% mais do que a marca histórica anterior, registrada em 2019.
Os gestores dessas duas regiões decidem todos os dias como cuidar de uma riqueza que é quase um Brasil inteiro. O produto interno bruto (PIB) nacional foi de 7,4 trilhões de reais no ano passado.
Se o total de investidores diretos na bolsa explodiu, e já passa de 3,8 milhões de contas em corretoras, o mesmo vale para os fundos, com o detalhe que a base aqui é muito maior.
Há cinco anos, havia 11,6 milhões de contas para aplicações em fundos e agora já são 28,3 milhões. Esse número indica que há mais e mais pessoas aplicando em fundos e em uma variedade cada vez maior de companhias.
Somente de janeiro de 2020 a maio deste ano, nada mais do que 166 gestoras de recursos foram abertas — e 61 encerraram suas operações, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). São 105 novas casas em 15 meses, uma média de seis inaugurações mensais. O total no país subiu de 650 para 755.
Isso tem uma razão de ser, mesmo com pandemia, incerteza política e risco de uma inflação mais consistente mundo afora. O Brasil passou a ser um país considerado economicamente estável e com taxa de juro de um dígito — que chegou aos impensáveis 2% ao ano. Uma legião de órfãos dos rendimentos da Selic se formou e acelerou uma diversificação das aplicações.
A bolsa, com volatilidade gerada pela pandemia e uma infinidade de novas empresas, trouxe um mar de oportunidades. Em março do ano passado, o Índice Bovespa foi a 63.000 pontos e agora já navega em níveis recordes, acima dos 127.000 — indicando que a recuperação da atividade vem com força, se nada atrapalhar.
A leitura é que nem a alta dos juros, que podem fechar dezembro em 6,5% ao ano, muda o que o brasileiro já aprendeu sobre investimento. Pelo menos não enquanto os juros continuarem de um só dígito e a recuperação seguir forte.
O mercado brasileiro está conquistando não só tamanho mas especialização. O cenário inclui o aumento e o fortalecimento de gestoras independentes dos grandes bancos.
Rubens Henriques, o ex-chefe da gestora de recursos do Itaú, que tem cerca de 700 bilhões de reais em recursos aplicados, é o retrato integral de todas essas tendências. Ele deixou uma das instituições líderes de mercado para fundar o próprio negócio, a Clave. Sua empresa começa grande para padrões independentes, com 3,5 bilhões de reais sob gestão.
O valor é a soma do que já captou desde a largada de seus produtos em junho, mais o patrimônio que virá de uma associação com a gestora Vintage e mais um aporte de recursos do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME).
“É lógico que tudo isso é reflexo de uma combinação de fatores, que incluem a queda da Selic e a tecnologia, mas que tem como motor algo de que se fala menos: o protagonismo do cliente. Não existe mais espaço para não fazer o melhor para o cliente”, diz Henriques.
“Acontecerá aqui o que se vê nos Estados Unidos: os maiores volumes de dinheiro estarão fora dos bancos, nas mãos das casas independentes, que vão ampliar a gama de produtos.” Lá, no maior mercado de capitais do mundo, os três maiores não estão vinculados a nenhuma instituição financeira: BlackRock, Vanguard e Fidelity estão no topo da lista, cada qual com seus vários trilhões de dólares sob gestão.
Sara Delfim, que fundou a gestora Dahlia Capital em 2018, destaca que os agentes autônomos, e a difusão dessa profissão, tiveram papel fundamental no crescimento da indústria de fundos.
Em três anos, a Dahlia alcançou nada menos do que 13 bilhões de reais sob seus cuidados. “Há cada vez mais informação e conteúdo disponíveis para o investidor, e as pessoas percebem que hoje deixar aplicações no CDI é perder dinheiro.” Esses elementos também ajudam os investidores a perder o medo e a perceber que os fundos são menos voláteis do que os mercados.
“Não é porque a bolsa cai 50% que os fundos vão perder isso”, diz Delfim, uma das raras mulheres a fundar o próprio negócio nesse ramo.
O movimento não apenas atrai novas gestoras mas fortalece aquelas que já consagraram sua estratégia, como é o caso da Constellation, de Florian Bartunek, criada há mais de 20 anos para gerir o dinheiro pessoal do trio 3G, de Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles.
Quando a casa, especializada em análises fundamentalistas, abriu seus fundos nas plataformas de investimento, em 2017, o total gerido estava em 3,3 bilhões de reais. Em menos de quatro anos, portanto, multiplicou seu saldo por 6.
“O brasileiro tem compreendido melhor que retorno maior envolve mais risco”, diz Bartunek, destacando que o país vive agora o que ocorreu há muitas décadas no mercado internacional. “É um momento muito especial, de migração de portfólio e aumento da exposição às aplicações em ações e outros ativos, em busca de rendimentos maiores.”
Tudo isso tem um efeito enorme sobre a economia do país. Quando esses gestores alocam as aplicações, levam o dinheiro do poupador até a economia real. O recurso que durante anos financiou o estado brasileiro — com a compra de títulos públicos, devido à Selic historicamente alta — agora vira combustível para companhias fazerem investimentos.
“Quando o brasileiro investe em fundos imobiliários, ou em uma carteira dedicada a energias renováveis, por exemplo, fica muito mais atento e preocupado com as políticas públicas. Acompanha com mais atenção a reforma tributária e outros debates”, destaca Bartunek. A sociedade, como um todo, fica mais atenta ao país e ao governo.
A disputa pelo bolso do cliente resulta também em inovação. Fundada em 2006 por Luis Felipe Amaral, a Equitas Investimentos, uma gestora de 5 bilhões de reais dedicada à renda variável, pediu à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o registro para fazer uma oferta pública inicial (IPO) de um fundo de ações misto: venture capital, ou seja, investimento em startups ainda fechadas, e ações de empresas já listadas na B3.
Trata-se de uma estrutura conhecida como crossborder e que ainda não existe por aqui. Na prática, o modelo vai tornar a aplicação cada dia mais cobiçada em startups um produto acessível para quem tem pelo menos 1 milhão de reais em investimentos — hoje só os profissionais, ou seja, com mais de 50 milhões de reais, têm acesso a empresas fechadas, por meio de fundos dedicados.
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Além de trazer investimentos para empresas abertas e fechadas, a sofisticação da indústria de fundos deve aumentar a oferta de crédito às companhias. Exemplo disso é a Galapagos, gestora de recursos fundada por Carlos Fonseca, ex-sócio do BTG Pactual.
A casa colocou o nariz na rua há um ano. Além da gestão de patrimônio, que cuida de 2,3 bilhões de reais, completou seu primeiro bilhão nos fundos tradicionais. Entre os diferenciais da proposta está não ter concentração em nenhum mercado específico. Há um time que avalia e concede crédito dentro de casa — dessa forma, o investidor acessa o tão desejado retorno de emprestar dinheiro sem dividir com ninguém na cadeia financeira.
Mais de 400 milhões de reais foram alocados dessa forma. Evitar a comparação com o mercado americano é impossível. “Lá, entre 65% e 70% do crédito está fora do sistema financeiro tradicional, ou seja, dos bancos”, diz Fonseca.
Nem mesmo as gestoras mais icônicas acreditam que podem ou devem ficar paradas diante da revolução em andamento. A carioca Dynamo, com mais de 20 bilhões de reais sob gestão alocados todos de acordo com o fundo original, o Cougar — que nasceu em 1993, logo após as primeiras medidas que pavimentaram o que viria a ser o Plano Real —, criou um novo produto após décadas fiel a seu original.
Em abril, a gestora colocou na rua um fundo global, ou seja, para brasileiros aplicarem em companhias internacionais. Apesar de ainda acessível apenas a investidores com patrimônio investido de pelo menos 1 milhão de reais, o tíquete mínimo da aplicação é de 25.000 reais. A casa, que já tem sócios vivendo em Londres há muitos anos, está sintonizada com o movimento de diversificação mais notável do momento: ações estrangeiras.
Os dados oficiais da indústria apontam isso. Da captação recorde do primeiro semestre, mais de 25% — ou 54 bilhões de reais — foram dedicados às carteiras multimercado com autorização para aplicar no exterior.
Essa é a fronteira da diversificação que os especialistas apontam como a que mais deve avançar nos próximos meses e anos. Até o fim de 2019, pouco mais de 30 bilhões de reais estavam investidos fora do Brasil, e agora esse total alcança 67 bilhões de reais.
Mas as oportunidades devem seguir crescendo também por aqui, como mostra o Pátria. São 30 anos de história e o maior patrimônio entre as casas independentes, por qualquer ótica que se olhe — são 80 bilhões de reais.
A gestora, que ficou historicamente conhecida por fundos de participações em empresas fechadas — o chamado private equity —, colocou o varejo brasileiro no topo de sua estratégia neste ano.
Habituada a buscar recursos fora do Brasil, a casa tem hoje apenas cerca de 7% do capital proveniente de território nacional. O plano da gestora, que em janeiro listou suas próprias ações em Nova York, é ter 100 bilhões de dólares sob gestão dentro de dez anos. E, desse total, cerca de 20 bilhões de dólares deverão ser levantados no Brasil.
O que isso significa? Multiplicar por mais de 6 o total sob seus cuidados e por quase 20 a fatia local. “Certamente, esse plano inclui aquisições e também um aprendizado na forma como o Pátria se comunica com o público investidor”, diz José Teixeira, sócio responsável por marketing e produtos do Pátria. A revolução segue.
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