Revista Exame

A nova moda da internet é empresa de compartilhamento

A onda do momento é fundar empresas de compartilhamento — de malas de viagem, milhas aéreas, espaço em caminhões, vestidos de grife. A boa notícia: é fácil e barato criar esse tipo de negócio. A má: também é fácil e barato para a concorrência


	Bárbara Almeida e Mariana Penazzo, do Dress & Go: receita de milhões, mas sem lucro
 (Daniela Toviansky/Divulgação)

Bárbara Almeida e Mariana Penazzo, do Dress & Go: receita de milhões, mas sem lucro (Daniela Toviansky/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 26 de julho de 2014 às 08h00.

São Paulo - Dona de um armário abarro­tado de roupas e acessórios de grife, a paulistana Bárbara Almeida vira e mexe emprestava algum vestido a suas amigas. Até que uma delas, a administradora Mariana Penazzo, achou que o ímpeto consumista de Bárbara poderia dar dinheiro.

As duas largaram o emprego, levantaram 1 milhão de reais com investidores e lançaram, há um ano e meio, o Dress & Go, site de aluguel de vestidos de grife. Começaram com 25 peças e hoje têm 1 000, de marcas como Carlos Miele, Missoni e Reinaldo Lourenço.

Em 2013, as sócias faturaram cerca de 2,5 milhões de reais alugando esses vestidos por valores que variaram de 150 a 900 reais, e a meta para este ano é chegar aos 5 milhões — por enquanto, todo o dinheiro é reinvestido em publicidade e na expansão da empresa, que tem 15 funcionários e não dá lucro.

O Dress & Go é mais um exemplo daquela que é a grande “onda” entre jovens empreendedores brasileiros — o do compartilhamento. Todos querem surfá-la. Nos últimos dois anos, tornou-se possível compartilhar de tudo. As empresas surgem como intermediárias entre quem tem algo, mas não está usando, e quem precisa daquilo.

A receita vem de taxas cobradas pelo serviço. Aplicativos de táxi e de aluguel de quartos popularizaram o conceito. Após o espantoso crescimento dessas primeiras empresas, compartilhar virou moda.

Já é possível alugar livros acadêmicos, contratar os serviços de babás, usar espaço na mala dos outros para importar pequenos produtos, aproveitar espaço vazio em caminhões e até contratar alguém que esteja disposto a passar algumas horas numa fila.

A startup EZPark planeja lançar até o fim de julho um aplicativo de compartilhamento de vagas de garagem no bairro de Vila Mariana, na zona sul de São Paulo. A ideia é permitir que moradores aluguem sua vaga durante o dia para quem trabalha na região.

Outro site brasileiro é o Max Milhas, de compartilhamento de milhas para a compra de passagens aéreas. Quem tem milhas pode oferecê-las pelo site e emitir a passagem com o nome de quem comprou. 

É fácil entender por que tantas empresas de compartilhamento estão surgindo. Não é preciso ser nenhum geninho da computação para lançar um serviço desses nem ter grandes recursos no banco: todos usam plataformas tecnológicas parecidas, disponíveis no mercado para quem quiser.

O investimento varia, em geral, de 150 000 dólares, no caso dos sites que apenas oferecem a possibilidade de trocar serviços, a 300 000 dólares, quando é preciso comprar um estoque inicial de produtos para ser alugado (as sócias do Dress & Go gastaram mais porque também montaram um ateliê no bairro do Itaim, em São Paulo).

No primeiro caso, é o mesmo que se paga para ter uma franquia de redes como a lanchonete Subway ou a loja de roupas M. Officer. E, uma vez instalado, manter o serviço em operação custa pouco. É diferente, por exemplo, de sites de comércio eletrônico, que precisam de milhões de reais para manter estoques, dar frete grátis e oferecer parcelamento em até 12 vezes no cartão de crédito.

Tanto é que, até hoje, são exceções empresas de comércio eletrônico criadas no Brasil na última década que dão lucro. “O varejo online virou um jogo para grandes empresas. O compartilhamento surge na ressaca, como uma opção para quem quer empreender na internet sem arriscar tanto”, diz Paulo Humberg, presidente do fundo de venture capital A5 Internet Investments, sócio do Dress & Go. 

Mas as vantagens dessas empresas para empresários e investidores são justamente sua maior fraqueza: é fácil copiar um site ou aplicativo que deu certo e é relativamente barato promovê-lo nas redes sociais. Por isso, a chave para vencer nesse mercado é crescer rapidamente e ter uma base de consumidores fiéis. Algo que pouca gente conseguiu até agora.

“Quem ainda não criou uma marca conhecida pode perder boa parte dos clientes em semanas e até sair do mercado”, diz Aníbal Messa, sócio do fundo de venture capital Plataforma Capital. Um dos aplicativos que conseguiram chegar lá é o hoje onipresente Easy Taxi, que permite que os passageiros acionem o táxi mais próximo de onde estão.

Protesto de taxistas contra o Uber em Paris: a empresa já vale 18 bilhões de dólares (Jaoued Idammou/AFP Photo)

Desde que foi lançado, em 2011, sur­giram quase dez clones, como o 99 Taxis e o Resolve Aí.

Para tentar se di­fe­renciar da concorrência, o Easy Taxi expandiu suas operações para 30 países. Outras empresas estão lançando mão de estratégias alternativas para prender clientes.

O Zaznu, de caronas pagas, banca quem divulga o servi­ço nas redes sociais. No ateliê do Dress & Go, é possível provar até sete vestidos durante 1 hora para conhecer os modelos antes de alugá-los pelo site. 

Por enquanto, quase todas as empresas de compartilhamento dão prejuízo, algo que é comum no mundo da internet, sobretudo entre companhias novas que ainda estão investindo para crescer. Outros fenômenos semelhantes acabaram mal.

Há quatro anos, a grande modinha da internet eram os sites de compras coletivas, que dão descontos a grupos de compradores. No exterior, o maior deles é o Groupon.

Aqui, é o Peixe Urbano, que chegou a ter 1 000 funcionários. Mas o negócio cresceu demais, os clientes passaram a ser mal atendidos e a demanda foi minguando. A maioria dos sites de compras coletivas fechou, e o Peixe Urbano, que está à venda, demitiu pelo menos 200 empregados.

A onda do compartilhamento acabará do mesmo jeito? A verdade é que o fenômeno já deu origem a grandes negócios. O americano Uber, maior start­up de compartilhamento do mundo, que conecta motoristas a quem quer contratá-los, foi avaliado recentemente em 18 bilhões de dólares — mais do que o valor de mercado da Alcoa, maior produtora de alumínio do mundo.

O Airbnb, de aluguel de quartos para viajantes, vale 10 bilhões de dólares. A Chegg, empresa americana que aluga livros, captou 187 milhões de dólares com a abertura de capital na bolsa de Nova York em novembro de 2013. Mas mesmo essas empresas enfrentam a ameaça de uma concorrência voraz.

O Uber já tem pelo menos 18 clones. O Airbnb, 17. O valor de mercado da ­Chegg caiu 33% desde a abertura de capital porque ninguém menos do que a Amazon, gigante do comércio eletrônico, decidiu criar um serviço semelhante. Nada disso tira a esperança de quem acredita que pode se tornar vitorioso nesse violento processo de seleção natural.

O empreendedor Luiz Candreva, da EZPark, tem planos de lançar empresas de compartilhamento de lavadoras de roupas e outros eletrodomésticos entre vizinhos e até do jantar feito em casa. É possível aplicar o mesmo conceito a centenas de usos.

Como transformar essas ideias em negócios lucrativos e duradouros? É um segredo que ninguém conseguiu desvendar até agora — se conseguiu, não vai compartilhar com ninguém.

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