Revista Exame

A nova Guerra Fria

Ao longo de 2011, vamos assistir ao aprofundamento de uma grande transformação em curso na economia mundial — a extraordinária mudança em termos de equilíbrio de poder em favor dos mercados emergentes. É uma boa notícia para a economia global, mas traz complicações. O mundo unipolar dominado pelos Estados Unidos está perdendo lugar para um […]

Pela primeira vez em décadas, o livre mercado tem um opositor — o capitalismo de Estado da China (Brendan Smialowski/EXAME.com)

Pela primeira vez em décadas, o livre mercado tem um opositor — o capitalismo de Estado da China (Brendan Smialowski/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.

Ao longo de 2011, vamos assistir ao aprofundamento de uma grande transformação em curso na economia mundial — a extraordinária mudança em termos de equilíbrio de poder em favor dos mercados emergentes. É uma boa notícia para a economia global, mas traz complicações. O mundo unipolar dominado pelos Estados Unidos está perdendo lugar para um modelo não polar.

As grandes economias emergentes estão muito ocupadas cuidando de seus próprios problemas e não parecem dispostas a assumir os riscos exigidos pela liderança internacional. Além disso, pela primeira vez em décadas, o livre mercado tem um opositor real. A ascensão da China coloca em evidência um sistema que eu chamo de “capitalismo de Estado”, no qual o Estado domina o mercado principalmente para obter ganhos políticos. A tensão entre esses dois sistemas está provocando conflitos crescentes entre China e Estados Unidos.

Qual dos dois capitalismos está ganhando, o de Estado ou o de mercado? Ainda não está claro. O capitalismo à moda americana saiu muito arranhado da crise financeira e da recessão global que ele ajudou a criar. Nos próximos anos, governos, tanto de países desenvolvidos como de emergentes, vão adotar elementos de ambos os sistemas. A competição entre as duas formas de capitalismo se tornará mais intensa, e a consequência será uma economia global menos eficiente. Os mercados serão mais fragmentados e menos eficientes na alocação de capital e de trabalho.

Não é que os mercados sejam sempre eficientes — e os dois últimos anos nos deram inúmeras provas disso. Em países onde corporações conseguem escapar da regulação estatal, como vimos nos Estados Unidos, a busca por lucros de curto prazo pode comprometer a sustentabilidade no longo prazo. Porém, o capitalismo de Estado não pode oferecer uma alternativa viável de longo prazo.


Vivemos um momento novo. Nunca vimos uma época em que as duas maiores economias do mundo estão fundamentalmente em conflito. A União Soviética era o contrapeso militar às democracias ocidentais, mas sua economia era uma piada. Hoje, a China tem títulos do Tesouro americano no valor de 1 trilhão de dólares. A China continua dependente do mercado americano para suas exportações. As duas economias estão cada vez mais inter-dependentes — mas, ao mesmo tempo, são incompatíveis. Isso gera conflitos. Existem, claro, muitas gradações entre o preto e o branco.

Muitos sistemas econômicos estão em algum ponto entre os dois polos representados por Estados Unidos e China. Alguns países têm poucas opções. Por questões de história e geografia, o destino econômico do México está atrelado aos Estados Unidos. O mesmo vale para o Vietnã em relação à China. Quais são as alternativas que os governos emergentes têm em mãos? Os casos mais interessantes são os de Brasil e Indonésia.

Os dois parecem não se ater a nenhum dos dois líderes. É algo que a Índia não poderá fazer. Os indianos estão se tornando uma ameaça direta aos chineses — demograficamente, militarmente e em termos de necessidade de recursos. Índia e China estão virtualmente destinadas a se enfrentar. Mas o Brasil — talvez a melhor história de sucesso da última década — pode atrair investimentos tanto dos Estados Unidos quanto da China. A Indonésia tem a estabilidade e os recursos necessários para replicar o sucesso brasileiro na próxima década. O presidente Susilo Yudhoyono poderá ser o próximo Lula.

De onde virá a força da economia global nos anos à frente? Dos países emergentes, certamente, mas é preciso cuidado com as simplificações. O futuro da Rússia não é promissor. O envelhecimento da população, a corrupção desenfreada e a dependência de petróleo impedem que o país concorra com os líderes emergentes mais dinâmicos. Apesar do desempenho dos últimos anos, a China também tem vulnerabilidade.

O modelo dos últimos 30 anos terá de passar por grandes mudanças. Brasil, Índia e Indonésia representam o futuro, mas atenção: o mesmo vale para os Estados Unidos. Estamos num momento de muita má vontade com o Ocidente, mas vale lembrar que os americanos mantêm, com larguíssima margem, o que há de melhor em termos de universidades, centros de pesquisa e empreendedorismo. Outras áreas do mundo desenvolvido, como Japão e Europa, são apostas bem menos certas. É possível que seu tempo como líderes mundiais esteja passando. Mas a maior pergunta para o futuro da economia mundial é se o governo chinês permitirá que o país se afaste do capitalismo de Estado. Talvez isso não seja um problema nos próximos anos. Mas não tenho dúvidas: no longo prazo, a China e seu capitalismo de Estado são nosso maior desafio — um desafio que só vai se tornar maior com o passar do tempo.

Acompanhe tudo sobre:ÁsiaChinaEdição 0983Estados Unidos (EUA)EuropaGlobalizaçãoJapãoPaíses ricosRússia

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda