Revista Exame

A nova geração do setor público

Num meio em que predominam mediocridade e indicações políticas, alguns jovens gestores injetam ideias novas e eficiência — e provam que é possível melhorar o sofrível serviço público no Brasil

Marcello Faulhaber, 40 anos, secretário de Desenvolvimento Econômico de Belo Horizonte: boa formação acadêmica e experiência internacional ou no setor privado são traços do perfil dos jovens gestores públicos (Omar Paixão/EXAME.com)

Marcello Faulhaber, 40 anos, secretário de Desenvolvimento Econômico de Belo Horizonte: boa formação acadêmica e experiência internacional ou no setor privado são traços do perfil dos jovens gestores públicos (Omar Paixão/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 5 de outubro de 2011 às 18h54.

Brasília - Há no mercado de recrutamento de executivos um perfil de profissional disputado por suas qualidades para ocupar cargos de gestão. Espírito de liderança, apetite por risco, capacidade de trabalho em equipe e dedicação ao cumprimento de metas fazem parte da bagagem que eles têm em comum.

Com idade entre 25 e 40 anos, têm a energia necessária para resistir a longas jornadas. No setor privado, esse perfil, dos chamados golden boys and girls, costuma ser o passaporte para uma carreira promissora e um salário respeitável. Uma boa notícia é que, hoje, também no setor público já existe uma geração de jovens gestores com essas características.

Apesar de receber salários entre 10 000 e 18 000 reais, inferiores ao que poderiam ganhar em empresas privadas, eles se dispõem, pelo menos temporariamen­te, a trabalhar para introduzir agilidade e inovação na máquina burocrática.

No mundo do funcionalismo, ainda dominado por gente aquém da qualificação necessária e por milhares de chefes medíocres que ganham o cargo por indicação política, tais profissionais representam uma esperança de melhoria do serviço e de aumento da eficiência.

O que os leva a trabalhar para o governo? A resposta é que, além do gosto pelo desafio e do senso de desempenhar uma missão, labutar na máquina pública pode significar um belo salto na carreira numa etapa seguinte, de ingresso ou volta ao setor privado. 

Aos 40 anos, o secretário de Desenvolvimento de Pernambuco, Geraldo Julio, é um autêntico golden boy do setor público. Braço direito do governador Eduardo Campos, Geraldo, como é chamado, comandou de 2007 a 2010 a primeira fase do choque de gestão do estado, feito em parceria com o Movimento Brasil Competitivo (MBC), consultoria criada pelo empresário Jorge Gerdau Johannpeter em prol da administração pública.

Com as finanças em ordem, Pernambuco desfruta de um ciclo de crescimento capitaneado pelo polo de Suape, misto de porto e complexo industrial a 40 quilômetros de Recife. “Escalei o Geraldo para tocar Suape porque lá nada pode dar errado”, diz Campos. “Ele combina conhecimento técnico com entusiasmo e discrição.”

Geraldo está incumbido de atrair novos negócios e zelar por investimentos que já somam 24 bilhões de dólares. Cabe a ele entregar a estrutura de estradas, píeres e rede elétrica a empreendimentos como a nova refinaria da Petrobras. “Eu trabalho duro, mas o sucesso de Pernambuco resulta basicamente do novo modelo de gestão, que conta com a adesão dos servidores do estado”, diz Geraldo.


Mas, segundo Eduardo Campos e Jorge Gerdau, sem o “fator Geraldo” a colheita pernambucana seria mais magra. “Vi o Geraldo muitas vezes em ação e sei de suas qualidades extraordinárias”, diz Gerdau. Sempre que se encontram, Gerdau convida Geraldo a mudar-se para Brasília e a assessorá-lo na coordenação da Câmara de Competitividade e Gestão.

“Profissionais como esses têm um efeito catalisador na hierarquia de governo, motivando a equipe e eliminando gargalos”, diz Erik Camarano, presidente do MBC. 

A carreira de Geraldo Julio, formado em administração e funcionário concursado do Tribunal de Contas de Pernambuco, é uma exceção. O foco nos resultados só costuma vigorar até a admissão no governo.

Depois, graças a benesses como estabilidade no emprego e aposentadoria integral, muitos dos aprovados costumam relaxar. Um estudo recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indica que, embora sejam apenas 11% da mão de obra formal, os funcionários públicos absorvem 28% da massa salarial do país.

Para melhorar o aproveitamento desses quadros, a recomendação da OCDE­ é que o governo racionalize a política salarial e introduza a gestão por resultados. “Hoje, já não resta dúvida de que a qualidade do capital humano na administração é um fator-chave para o desenvolvimento econômico e social”, diz o economista Aart Kraay, do Banco Mundial

Isso explica por que boa parte dos jovens líderes da gestão pública vem do setor privado, como é o caso do carioca Marcello Faulhaber, um flamenguista de 40 anos. Desde o começo do ano, ele é o secretário de Desenvolvimento de Belo Horizonte, onde é responsável pela montagem de parcerias público-privadas para revitalizar o centro da cidade e modernizar os setores de educação e saúde.

Ex-consultor da McKinsey, Faulhaber é engenheiro e fez mestrado na London School of Economics. Sua primeira incursão no governo foi no primeiro mandato do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Entre outras atribuições, cabia a Faulhaber ir à Câmara Municipal explicar o choque de gestão.


Foi lá que ele conheceu a vereadora e hoje presidente do Flamengo, Patrícia Amorim, que o convidou a ser vice-presidente de planejamento, um trabalho voluntário para sanear o passivo de 300 milhões de reais do clube. “O Marcello criou metas de aumento de receita em patrocínio, ingressos e merchandising”, diz Patrícia.

“Graças a ele, nosso faturamento, de 130 milhões de reais em 2010, deve crescer 30% neste ano.” Vivendo na ponte aérea Rio-BH, é nas tardes de sábado que Faulhaber se debruça sobre as planilhas do Flamengo. Ninguém nunca o questionou sobre o sacrifício que faz pelo time, mas não raro ele é indagado com ironia sobre por que resolveu trabalhar para o governo.

“Sei que poderia ganhar bem mais em empresas, mas o fato é que adoro o desafio de gerar modelos inovadores em gestão pública”, diz Faulhaber. Ele, porém, cogita voltar ao setor privado no final de 2012, depois de concluir o trabalho em Minas.

Visão empreendedora

Outro incentivo poderoso a atrair jovens talentos para os governos é a vontade de participar de uma transformação como a que vive o Rio de Janeiro. Nos últimos anos, a melhoria da gestão local resultou numa onda de investimentos, no combate mais efetivo à violência e na escolha da cidade como sede da Olimpíada de 2016.

Isso explica por que Alessandra Souza, de 37 anos, uma bem-sucedida gestora de bancos de investimento, com passagens por Pactual e UBS, virou chefe de gabinete da secretária municipal da Fazenda do Rio, Eduarda La Rocque, outra ex-executiva do mercado financeiro.

“Em parte, topei a parada porque adoro correr riscos”, diz Alessandra. “Mas pintou também uma vontade danada de deixar minha marca nesta virada histórica do Rio.” Ao assumir as finanças da cidade, no começo de 2009, a dupla herdou um déficit de 200 milhões de reais da gestão César Maia.

Já em 2010 o Rio de Janeiro apresentou superávit de 1 bilhão de reais. “A Alessandra tem sido crucial em inovações como a nota fiscal eletrônica carioca”, diz a secretária Eduarda.


Mas nem só de idealismo vivem os jovens de ouro da máquina pública. Para eles, trabalhar para o governo pode ser um belo trampolim profissional. Como o ambiente no setor público é menos competitivo, ao entregar bons resultados, podem rapidamente se destacar e alçar posições mais altas.

No início do ano, a administradora e advo­gada Karla Bertocco, de 34 anos, conquistou o posto de diretora da Artesp, a agência paulista do setor de transportes, responsável pela regulação de 19 rodovias, com receita anual de 6 bilhões de reais em pedágios. Mesmo sem ser do ramo, Karla foi indicada ao governador Geraldo Alckmin pelo secretário de Transportes, Saulo Abreu.

“Sem falsa modéstia, acho que mereço meu cargo em razão da experiência que acumulei na regulação de energia e de saneamento”, diz Karla. Ela estruturou a agência paulista desses setores e foi executiva da Sabesp.

Na máquina federal, profissionais como Karla ainda são minoria, mas já despontam alguns exemplos. No Ministério do Desenvolvimento, o secretário executivo é o gaúcho Alessandro Teixeira, de 39 anos. E na direção da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério, um departamento com 320 técnicos, está a catarinense Tatiana Prazeres, de 31.

Doutora em direito econômico pela universidade americana de Georgetown, ela já trabalhou para as Nações Unidas. “Tatiana tem sido fundamental para que o Brasil assuma uma postura mais assertiva na defesa comercial”, diz Teixeira. Além de jovens formados em universidades e instituições internacionais, o setor público começa a colher os frutos de boas escolas locais de gestão.

É o caso da Fundação João Pinheiro, iniciativa do governo mineiro pioneira no país na formação de gestores públicos com visão empreendedora. Foi de lá que saiu Éder Sá Alves, que, aos 25 anos, é o gerente adjunto para a Copa do Mundo no estado. Alves participa de preparativos que incluem desde a reforma do Mineirão até a segurança do evento.

“Como já entrei para o governo com a cabeça de empreendedor, dou o sangue, pois sei que meu desempenho será cobrado”, diz Alves. Pena que tal atitude ainda seja uma raridade no setor público brasileiro.

Acompanhe tudo sobre:Edição 0999FuncionalismoGestão de pessoasGestão públicagestao-de-negociosRecursos humanos (RH)

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil