Revista Exame

A nova esquerda americana ganha força

Planos para combater o aquecimento global e aumentar os gastos públicos ganham força na ala mais progressista do Partido Democrata

Alexandria Ocasio-Cortez: o apoio a um “New Deal Verde” | Sarah Siliger/The New York Times/Foto Arena /

Alexandria Ocasio-Cortez: o apoio a um “New Deal Verde” | Sarah Siliger/The New York Times/Foto Arena /

FS

Filipe Serrano

Publicado em 28 de fevereiro de 2019 às 05h38.

Última atualização em 28 de fevereiro de 2019 às 05h38.

Um tipo de manifestação tem se tornado comum em Washington. Um grupo de dezenas de estudantes entra no Congresso americano e caminha até os corredores onde ficam os gabinetes de deputados e senadores. Quando eles encontram a sala de um político influente com quem desejam conversar, os jovens entram, sentam-se no chão e ocupam o escritório durante 1 ou 2 horas. Tudo é devidamente filmado e transmitido nas redes sociais. A cada ocasião o alvo dos estudantes é um político específico. Na segunda-feira, 25 de fevereiro, foi a vez de Mitch McConnell, senador pelo estado de Kentucky e líder do Partido Republicano no Senado. Mas outros já enfrentaram a mesma situação, como Nancy Pelosi, deputada democrata e presidente da Câmara.

Em todas as ações desse grupo de jovens, chamado de Sunrise Movement, o objetivo é o mesmo: pressionar os políticos americanos a tomar medidas mais duras contra o aquecimento global em uma espécie de “New Deal Verde” — uma referência ao plano de estímulo econômico executado depois da crise de 1929 pelo presidente Franklin Delano Roosevelt. Vestindo camisetas com o slogan “Nós temos direito a bons empregos e a um futuro habitável”, os jovens, em sua maioria de 16 a 25 anos, argumentam que serão os mais prejudicados pelas mudanças climáticas e que é urgente tomar medidas agora.

A ideia de um New Deal Verde não é nova. Ela foi sugerida pela primeira vez em um artigo do jornalista Thomas Fried-man, colunista do jornal The New York Times, publicado em 2007. E, de lá para cá, foi mencionada em algumas reuniões das Nações Unidas e em livros sobre o aquecimento global, mas nunca havia sido levada a sério no meio político. O que fez o plano voltar à tona foi o apoio da ala mais progressista do Partido Democrata e, em especial, da deputada Alexandria Ocasio-Cortez, de 29 anos.

Ocasio-Cortez (ou AOC, como é conhecida) está em seu primeiro mandato na Câmara. Ela foi eleita em novembro do ano passado como representante de um dos distritos de Nova York depois de desbancar o democrata veterano Joe Crowley. Por causa de seu carisma, presença constante nas redes sociais e defesa das causas públicas, a jovem deputada virou uma das estrelas em ascensão no Partido Democrata. Numa das intervenções dos estudantes no Congresso, no fim de novembro, a política nova-iorquina juntou-se ao grupo de jovens manifestantes e passou a incorporar a ideia de lançar um New Deal Verde no Congresso.

A promessa está sendo cumprida agora. Em fevereiro, Alexandria Ocasio-Cortez e o senador democrata Edward Markey divulgaram um esboço de seu New Deal Verde e têm buscado apoio de outros congressistas para transformá-lo em lei. A proposta principal é fazer com que 100% da energia produzida nos Estados Unidos venha de fontes renováveis em dez anos — um objetivo que muitos especialistas dizem ser impossível de atingir num tempo tão curto. Mas há outras ideias, como investir em trens de alta velocidade, reformar prédios para que tenham um consumo de energia mais eficiente, adotar novas tecnologias inteligentes nas redes elétricas, reduzir as emissões de gás carbônico nas propriedades rurais, entre outras.

Por trás das propostas está uma tentativa de gerar empregos estáveis e bem remunerados por meio do aumento dos gastos públicos. Segundo estimativa do American Action Forum, um instituto independente liderado pelo ex-diretor do Escritório de Orçamento do Congresso Douglas Holtz-Eakin, o custo poderia ficar entre 53 trilhões e 93 trilhões de dólares. “O New Deal Verde é claramente muito caro. E ele é uma expansão do papel do governo federal em algumas das decisões mais básicas da vida cotidiana, portanto teria um impacto mais duradouro e custoso do que seu preço inicial”, dizem os autores do estudo.

Rumo a 2020

Projetos custosos que aumentam os gastos do governo federal costumam ser barrados logo na largada nos Estados Unidos. Mas o apoio ao New Deal Verde tem sido maior do que o esperado. Já declararam ser a favor do projeto 60 deputados e nove senadores democratas, incluindo as senadoras Kamala Harris, Elizabeth Warren, Kirsten Gillibrand, e o senador Cory Booker. Os quatro são alguns dos políticos que já lançaram sua pré-campanha para disputar a Presidência dos Estados Unidos nas eleições de 2020. Já o senador Bernie Sanders, que também anunciou a intenção de concorrer à Presidência, disse que vai criar o próprio New Deal.

A senadora Kamala Harris: uma das candidatas na disputa | Elijah Nouvelage/Reuters

Na eleição presidencial de 2016, Bernie Sanders era visto como uma excentricidade dentro do Partido Democrata porque defendia propostas radicais (para os padrões americanos), como aumentar os impostos sobre os multimilionários, tornar as universidades públicas gratuitas e criar um sistema de saúde pública também de graça. Agora, cada vez mais pré-candidatos e políticos democratas vêm flertando com essas ideias. A deputada Alexandria Ocasio-Cortez, por exemplo, define-se como uma “democrata socialista” e tem defendido uma alíquota de imposto de renda de 70% para os ultrarricos.

A virada à esquerda é uma tentativa de atrair os eleitores que se identificam cada vez mais com essas propostas. Entre os americanos democratas, quase metade (46%) diz se identificar com a ala mais progressista do partido, um recorde nos últimos 20 anos. Além disso, mais eleitores democratas afirmam ter uma visão negativa do capitalismo e positiva do socialismo, e dizem que gostariam de ver um candidato totalmente novo nas eleições de 2020.

São questões que estarão em discussão até a disputa eleitoral. “Num cenário com muitos candidatos nas primárias, há um incentivo à radicalização. O candidato que conseguir mobilizar sua base e atingir 20% ou 30% dos votos vai avançando. Foi o que aconteceu com o Trump”, diz Carlos Gustavo Poggio, pesquisador visitante na Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos.

Bernie Sanders: uma nova tentativa de chegar à Presidência | Alex Wong/Getty Images

Para o Partido Republicano, a radicalização democrata cai como uma luva. Só em fevereiro o presidente Donald Trump alertou em duas ocasiões sobre o avanço do socialismo nos Estados Unidos. Se depender da ala radical dos democratas, o republicano só tende a se fortalecer.

Acompanhe tudo sobre:Bernie SandersDemocraciaEstados Unidos (EUA)Política

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda