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A nova chance dos sindicatos ante à crise trabalhista

A filiação a entidades trabalhistas tem se mantido em queda desde antes da pandemia.há futuro para o movimento?

Trabalhadores da Amazon em manifestação no Alabama: sindicalização frustrada pela varejista  (Lev Radin/Pacific Press/Getty Images)

Trabalhadores da Amazon em manifestação no Alabama: sindicalização frustrada pela varejista (Lev Radin/Pacific Press/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 4 de outubro de 2022 às 06h00.

O recente fracasso em sindicalizar trabalhadores no armazém da Amazon, no Alabama, nos Estados Unidos, é apenas o capítulo mais recente do longo declínio das organizações tradicionais da classe trabalhadora. Mas a pandemia tornou as coisas ainda piores.

Desde 1985, a filiação sindical vem caindo pela metade, na média, em todos os países da OCDE. Os interesses empresariais têm feito campanhas persistentes e bem financiadas contra os sindicatos, e capturado grande parte da mídia e do circuito de think tanks.

No geral, esses esforços claramente conseguiram restringir os direitos tradicionais e o escopo de representação dos trabalhadores. Embora a legislação de direito ao trabalho favorável ao empregador tenha minado a capacidade dos sindicatos de se financiarem, o uso generalizado do serviço terceirizado — como na Índia — está criando uma classe crescente de trabalhadores sem estabilidade ou benefícios. Muitos desses empregados ao lado de funcionários permanentes. 

A concorrência global, a automação e a concentração de mercado estão enfraquecendo o poder de barganha da mão de obra. Mas a força coletiva dos trabalhadores também tem sido minada pela fragmentação interna. Há uma divisão acentuada entre produção industrial e transporte, de um lado, e serviços, varejo e cuidados com a saúde, do outro.

Embora os trabalhadores do setor de serviços nos Estados Unidos e no Canadá tenham sido organizados pelo Service Employees International Union (Sindicato Internacional dos Trabalhadores de Serviços, na tradução do inglês) e na Europa pelo UNI Europa (Sindicato Europeu dos Trabalhadores de Serviços), sabemos pela pandemia que os trabalhadores dos setores de saúde, prestação de serviços e outros segmentos continuam muito mal pagos e desprotegidos.

Nos países em desenvolvimento, a fragmentação do trabalho é ainda mais profunda, devido ao abismo entre os setores formal e informal.

Em países como Índia, Quênia e Peru, a esmagadora maioria dos trabalhadores está envolvida em atividades informais, sem quaisquer benefícios ou proteção social. Como esses trabalhadores em geral são autônomos, as organizações trabalhistas raramente são sensíveis à necessidade deles de estabelecimentos de crédito e compras, serviços de saúde, creches ou serviços jurídicos e de seguros.

Existem algumas poucas exceções, como a Associação das Mulheres Autônomas, maior organização informal de trabalhadores da Índia.

Com a ascensão da economia de bicos, mais trabalhadores nos países ricos também estão se vendo sem proteção social e com pouquíssima ajuda para suas necessidades particulares.

Os sindicatos na Alemanha estão tentando expandir a disponibilidade de sites de avaliação de clientes acessíveis aos colaboradores, porque os trabalhadores de bicos dependem fortemente de avaliações online para conseguir serviço.

Nos Estados Unidos, algumas pequenas empresas estão entrando no mercado para fornecer seguros a preços acessíveis ou licenças médicas aos trabalhadores autônomos.

O IG Metall da Alemanha, maior sindicato industrial da Europa, está se abrindo para os autônomos, e o Sindicato dos Trabalhadores Independentes da Grã-Bretanha também está tentando, cada vez mais, alcançar os que fazem bicos.

A fragmentação intratrabalhista também é consequência de como os sindicatos se organizam. Nos Estados Unidos e na Índia, a sindicalização é tão descentralizada que os empregadores corporativos podem facilmente bloquear ou enfraquecer os esforços de organização nascentes.

Desde sua derrota, os organizadores sindicais de Bessemer reconheceram que precisam mover seus esforços de organização para o nível da indústria — como costuma acontecer na Europa, onde as empresas individuais têm menos incentivo ou alavancagem para conter os sindicatos — e também para mobilizar os clientes da Amazon contra as práticas trabalhistas da empresa.

No recente esforço de sindicalização, a demanda primária tinha menos a ver com salários e mais com o uso de robôs e algoritmos de monitoramento pela empresa para definir um ritmo de trabalho implacável.

Em vários países, as dificuldades da pandemia parecem ter desencadeado um aumento de algumas formas de organização trabalhista.

Dada a idade média relativamente alta dos membros dos sindicatos à moda antiga, os organizadores estão tentando atualizar seus métodos, como usar mídias sociais e redes trabalhistas para atrair a geração millennial com petições e mensagens online voltadas para preocupações não associadas a um local de trabalho físico. Mesmo os jovens trabalhadores mais qualificados e mais bem pagos estão cada vez mais preocupados com a insegurança trabalhista. 

Na Nova Zelândia, onde o mercado de trabalho foi fortemente dessindicalizado na década de 1990, esforços de barganha estão em andamento para estabelecer novos pisos salariais e condições de trabalho padronizadas em certos setores e ocupações.

Felizmente, mais acionistas hoje em dia parecem abertos à ideia de que negociar programas de estabilidade no emprego, de bem-estar e de treinamento com os funcionários pode ser bom para a produtividade e para os lucros no longo prazo — uma mudança da antiga visão do trabalho como só mais um custo a ser minimizado em prol de lucros trimestrais e bônus executivos de fim de ano.

Por meio de algum nível de cogestão, em que todas as partes têm interesse em articular e trabalhar em direção a objetivos mutuamente benéficos de longo prazo, os sindicatos podem assumir mais responsabilidade pela trajetória geral das empresas e das indústrias. 

Um problema, no entanto, é que os governos às vezes podem ser mais míopes do que os patrões. Por exemplo, o primeiro-ministro de direita da Índia, Narendra Modi, usou a pandemia como pretexto para impor leis que diluem os direitos e a segurança dos trabalhadores.

Aplaudido por interesses corporativos míopes e seus apoiadores na mídia financeira, o governo Modi está empurrando a economia na direção de mais desconfiança de classe, agitação industrial e produtividade do trabalho estagnada.

Essas tendências já são visíveis em incidentes recentes, como os violentos saques da fábrica de montagem do iPhone da ­Wistron perto de Bangalore, que emprega cerca de 2.000 trabalhadores permanentes não sindicalizados ao lado de 7.000 trabalhadores contratados.

As queixas que incomodam muitos trabalhadores supostamente incluem atraso ou não pagamento de salários, extensão da jornada de trabalho para 12 horas com pouco aviso prévio e sem consulta, e condições inadequadas de segurança para as mulheres no turno da noite.

Uma fonte de longa data de fragmentação da mão de obra na Índia tem sido o sequestro de organizações trabalhistas por partidos políticos nacionais cujos líderes muitas vezes estão mais preocupados em mobilizar apoio eleitoral para sua própria agenda política do que para as questões do dia a dia no local de trabalho.

Felizmente, movimentos independentes, como o New Trade Union (Nova União Sindical, na tradução do inglês), têm surgido nos últimos anos para desafiar essa dominação política. 

Mas as organizações trabalhistas, apesar disso, estão de olhos fechados em muitos paí­ses. Para restabelecer uma posição, elas vão ter de se aliar a movimentos sociais mais amplos pelos direitos humanos. Essa é a única maneira pela qual os sindicatos dos Estados Unidos, por exemplo, serão capazes de superar as muitas restrições atuais à ação coletiva.

O progresso será lento até que haja apoio público suficiente para os sindicatos e responsabilidade pública suficiente para os empregadores corporativos, para evitar que gigantes como a Amazon bloqueiem ou dificultem impunemente a organização do trabalho.


 

(Publicidade/Exame)

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