Revista Exame

Ativo de R$ 10 bilhões: entenda o potencial da moeda ambiental do Pará

O estado protagoniza uma revolução econômica sustentável e social com os créditos de carbono

A experiência pioneira que colocaremos em prática será um divisor de águas não  apenas na história do meio ambiente brasileiro, mas da própria Amazônia (Akinbostanci/Getty Images)

A experiência pioneira que colocaremos em prática será um divisor de águas não apenas na história do meio ambiente brasileiro, mas da própria Amazônia (Akinbostanci/Getty Images)

Helder Barbalho
Helder Barbalho

Governador do Pará

Publicado em 18 de junho de 2024 às 06h00.

Quanto mais me envolvo na questão ambiental, mais vejo que meu maior esforço é compreender o que essa discussão não é. Afinal, há tanta ideologização sobre o tema, de todos os lados, que é preciso olhar o fundamental: o ambiental não é caridade, não é idealismo. É pressuposto da vida como conhecemos e é a condição necessária para toda geração de riqueza que o mundo experimenta. Se compreendermos corretamente a questão, será também a maior transformação econômica desde a Revolução Industrial.

Quero apresentar um ativo que ao mesmo tempo é ambiental, social e financeiro — observando que este último atributo costuma andar afastado dos dois primeiros. Falo da moeda ambiental do Pará ou do crédito de carbono do Pará, como queiram.

É um ativo da mais alta integridade ambiental e social. De um lado, créditos jurisdicionais olham para uma performance já realizada e verificada na prática. De outro lado, amenizam os riscos de reversão e vazamento, o que dá ainda mais robustez ao ativo.

Do ponto de vista social, tem de passar por um processo rico e amplo de contribuições, especialmente dos povos indígenas, quilombolas e extrativistas. Sem os povos da floresta não se vai a lugar algum. Além disso, o produto da venda é majoritariamente reinvestido nas comunidades locais, além de financiar políticas públicas de transição econômica e combate ao desmatamento.

Cumpridas as metas de redução do desmatamento, o Pará poderá dispor de mais de 150 milhões de toneladas equivalentes de carbono até 2026. Estamos falando, conservadoramente, de um ativo de mais de 10 bilhões de reais, que poderão financiar a transição econômica de que a Amazônia tanto precisa, a serem alocados nesse caso no Pará. Ou seja, os outros estados da região podem se beneficiar ainda mais.

Essa é uma inversão completa da lógica da devastação: a sociedade participando e decidindo junto. Dessa forma, poderá dispor de 2 bilhões de dólares a mais de uma riqueza que já existe e que não podia ser mensurada, justamente porque, a partir de agora, a transformação econômica em curso deixa evidente que a floresta viva, em pé, é muito mais valiosa do que a floresta destruída.

Não é mais discurso político. É fato concreto, e o mercado financeiro entende. Essa quantia representa dois anos de toda a capacidade de investimento do Pará. Significa que a preservação vai permitir à sociedade paraense construir um gigantesco tesouro para si e para o mundo, com uma lógica de mercado, mas sem danos à natureza e aos seus povos.

O Pará, seu povo, as comunidades da floresta e o mundo ganham.

Agora é hora de deixar as ideologias de lado e adotar uma visão pragmática e ao mesmo tempo alinhada com as melhores práticas socioambientais. Os grandes grupos empresariais do mundo precisarão zerar suas emissões. Isso é dado. A maior parte, como recomenda a ciência, deve vir de esforços próprios, da transformação de sua forma de produzir, mas há espaço para compensações vindas da maior e mais rica floresta tropical do planeta.

Nossa ideia é fazermos o primeiro lançamento mundial desses créditos num total inicial de 5 milhões de toneladas. Será a maior iniciativa mundial desse tipo feita até hoje. Nossa primeira emissão de créditos se dará antes da COP de Belém, já confirmada para o final de 2025, a Conferência Mundial das Nações Unidas do Meio Ambiente, em que durante mais de dez dias as atenções do mundo estarão voltadas para o Pará.

O tempo da transformação chegou, e o Pará, em defesa e de mãos dadas com sua população, quer liderar esse processo. Em 2023, lançamos um decreto de emergência ambiental em 15 municípios com garimpos ilegais e desmatamento. Colhemos inúmeros resultados benéficos, como a redução da violência. A queda no desmatamento nessas áreas protegidas foi de 59%. Isso demonstra que preservar e resgatar áreas degradadas é criar também riqueza, na medida em que amplia e preserva o tesouro ambiental e social dos créditos de carbono.

A primeira emissão do crédito de carbono do Pará será uma demonstração prática de que pode haver, sim, convergência entre a compreensão correta da grande transformação econômica que o mundo vive e políticas públicas adequadas para gerar enormes avanços para as sociedades. Não poderia haver síntese mais precisa do que é, na prática, o ESG em termos de política pública: ela envolve o meio ambiente, o social e a governança. Um tripé que se complementa e se multiplica.

Por tudo isso, tenho convicção de que a experiência pioneira que colocaremos em prática será um divisor de águas não apenas na história do meio ambiente brasileiro, mas da própria Amazônia, assim como da história econômica do país. Adotaremos uma solução que não é artificial: é de mercado.

Ganham as empresas que melhoram sua competividade na nova economia ao compensarem parte de suas emissões. Ganha a Amazônia, ganham os povos da floresta, com uma fonte de recursos para a segurança ambiental e social. Ganha também o Brasil, que passa a contar com uma nova fonte de recursos para alavancar o desenvolvimento de suas populações historicamente marginalizadas, garantindo o seu bem viver.

O grande círculo virtuoso desse processo é que, quanto mais houver combate ao desmatamento, quanto mais houver preservação e restauração, maior será a área de floresta e maiores serão os potenciais econômicos dessa equação de compensação.

Esse mecanismo financeiro será uma das muitas alavancas de que o Brasil poderá dispor para conciliar progresso e desenvolvimento com preservação e sustentabilidade. O que o lançamento da moeda ambiental do Pará deixa claro é que a economia verde não é uma “coisa do futuro”. É de agora. Já está aí. Quem não entendeu isso já está atrasado. No mundo dos negócios, atraso é prejuízo. Compreensão é lucro. Um lucro que não é só financeiro: é social e ambiental.

Esta é a lógica deste novo momento: todos podem ganhar, e ninguém precisa perder. Não é preciso haver falsos dilemas entre preservação, sustentabilidade e geração de riquezas e melhorias sociais. Assim como acontece na natureza, é possível buscar e encontrar harmonia. Compensação ambiental é ganha-ganha: a começar pelo planeta, sem o qual não há mais nada. É sempre bom lembrar.

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