Revista Exame

A manada é burra com fundos de ações

O estudo de uma consultoria americana mostra que, ao menos quando se trata de investir em fundos de ações, a teoria de que a inteligência coletiva prevalece sob

Funcionários da bolsa de Nova York (Getty Images/EXAME.com)

Funcionários da bolsa de Nova York (Getty Images/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Quando um grupo de pessoas tente adivinhar quantos feijões existem dentro de um vaso, a resposta dada pela maioria é, invariavelmente, mais próxima do número real do que uma estimativa feita por uma pessoa. Essa afirmação - contida no livro A Sabedoria das Multidões, do jornalista americano James Surowiecki - reflete a poderosa ideia segundo a qual decisões tomadas em conjunto têm mais chances de acerto do que as iniciativas individuais. Segundo essa teoria, a inteligência coletiva tende a amenizar os erros e a criar soluções mais certeiras. No mercado financeiro, portanto, a melhor forma de acertar decisões de investimento seria seguir as decisões da maioria: se a teoria estivesse correta, seria mais seguro seguir a manada que ficar parado e correr o risco de ser atropelado por ela. Mas, segundo um estudo elaborado recentemente nos Estados Unidos, as multidões que povoam o mercado financeiro nada têm de sábias. Pelo contrário. Quando o assunto é investimento em fundos de ações, a manada é burra - e quem a segue costuma fazer um péssimo negócio.

Péssimas escolhas

Confiantes no princípio de que a maioria sempre está com a razão, os investidores americanos acabaram escolhendo os piores momentos da última década para aplicar suas economias nos fundos. Segundo estudo da empresa de pesquisa TrimTabs Research, os aportes realizados pelos americanos desde 2000 ocorreram quando o Índice S&P 500 da bolsa de Nova York estava, em média, a 1 434 pontos - muito próximo do pico histórico de outubro de 2007, quando o índice alcançou 1 565 pontos. A iniciativa de realizar a aplicação errada no momento errado ocorreu porque muitos investidores só decidiram surfar o movimento ascendente do mercado depois de ver as altas rentabilidades obtidas por seus vizinhos, o que os levou a aplicar justamente nos momentos mais aquecidos da bolsa. Se tivessem aplicado aleatoriamente, sem se preocupar em acertar os momentos certos, o patamar médio de entrada teria sido 1 171 pontos. Em resumo: os investidores americanos ficaram 19% mais pobres por acreditarem que a sabedoria popular era realmente sábia.

É claro que não é possível desprezar a conjuntura econômica sob a qual essas decisões foram tomadas. Na última década, os tradicionais movimentos de sobe e desce do mercado foram potencializados, tanto na alta quanto na baixa, por situações extremas como a formação e o estouro da bolha da internet, no início da década, e a eclosão da recente crise financeira, considerada a pior desde 1929. O estudo mostra, no entanto, que não foi apenas na última década que os investidores escolheram a dedo os picos do mercado para aplicar boa parte do dinheiro na renda variável. Ao estender a análise até a década de 80, a equipe de pesquisa da TrimTabs concluiu que o comportamento foi praticamente o mesmo. "Os investidores se sentem mais seguros ao investir quando todos estão investindo", diz Vincent Deluard, vice-presidente executivo de pesquisa da TrimTabs. "Mas deveriam fazer exatamente o contrário."

A lógica de ser "do contra" é muito mais fácil dita do que aplicada à rotina dos investidores. Hoje, parece óbvio que comprar ações da mineradora Vale em plena crise de 2008 era um ótimo negócio. As ações da empresa - que nunca esteve em risco de quebrar - chegaram a valer 19,50 reais em outubro de 2008. Hoje, custam 47,50 reais. Na época, porém, o que a manada mais queria era distância das aplicações de risco. Para ter a noção exata de quão difícil é colocar seu rico dinheirinho na frente da manada, basta pensar: quem teria estômago, hoje, para aplicar em títulos da dívida grega? Ou em ações do setor imobiliário espanhol? Ou, quem sabe, apostar num novo milagre econômico japonês? "Há quem esteja fazendo isso. Um pequeno grupo de corajosos está investindo no mercado imobiliário de Tóquio justamente por saber que, neste caso, os preços estão subavaliados", diz Oji Otani, diretor e analista do setor de construção civil do Deutsche Bank no Japão.

Existem, ainda, algumas razões de ordem prática que afastam o investidor de manobras tão ousadas. O economista britânico John Maynard Keynes escreveu que o mercado pode permanecer irracional por mais tempo do que você pode se manter solvente. Ou seja, não adianta rigorosamente nada estar certo se o mercado inteiro estiver errado - sobretudo se esse "erro" levar anos para ser corrigido. E, claro, sempre há a hipótese de a manada estar coberta de razão justamente quando você decide enfrentá-la.

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