Revista Exame

A maldição do iPad

Em vez de culpar os suspeitos de sempre, o recém-lançado livro de um economista americano vem chamando a atenção ao atribuir a estagnação dos Estados Unidos às inovações atuais

iPad 2, da Apple  (Reprodução)

iPad 2, da Apple (Reprodução)

DR

Da Redação

Publicado em 5 de junho de 2011 às 08h52.

Enquanto a combalida economia americana não dá sinais de melhora, persiste também a proliferação de teses para explicar a apatia. Uma delas se destaca por não apontar os suspeitos de sempre e é a base do livro de economia mais comentado do ano, segundo a revista The Economist.

The Great Stagnation (“A grande estagnação”, sem tradução para o português), do americano Tyler Cowen, professor de economia da Universidade George Mason, não demoniza os especuladores de Wall Street nem o efeito perverso do excesso de liquidez no mundo, a exemplo de pensadores como Paul Krugman, Nouriel Roubini e Jeffrey Sachs.

Para ele, a culpa pela demora da retomada do crescimento está na mudança da natureza da inovação tecnológica no último século. A comparação entre a indústria automobilística e a indústria da internet é simbólica. A GM tem 202 000 funcionários. A Apple emprega 49 400 e o Facebook, com 500 milhões de clientes, apenas 2 000.

“A internet é maravilhosa, mas não gera empregos ou receitas na mesma velocidade que inovações do passado”, escreve Cowen em seu livro publicado, por ironia, apenas em versão online para tablets.

A alegoria que marca a transição entre a pujança e a decadência, para Cowen, é o pouso do homem na Lua, em 1969. O que naquele momento parecia o início de um longo período de novas descobertas se mostrou, na verdade, o auge de uma era de conquistas. O ritmo de inovações no país atingiu um platô.

De acordo com o autor, os Estados Unidos produziram mais patentes em 1966 do que em 1993 — o volume de registros caiu de 54 600 para 53 200. E o que veio a partir daí enterrou de vez a era da mão de obra intensiva. Não por coincidência, diz, o salário médio dos americanos praticamente estagnou de lá para cá.

A renda média da população dobrou de 1945 a 1975, de 25 000 para 50 000 dólares per capita por ano. Hoje é de apenas 55 000 dólares. (Se tivesse mantido a progressão das décadas anteriores, estaria num patamar bem maior — de 90 000 dólares anuais para cada americano.) Isso não significa que o país tenha deixado de produzir bilionários.

Ao contrário. Mark Zuckerberg, criador do Facebook, e a dupla Sergey Brin e Larry Page, cofundadores do Google, estão aí para provar que, assim como na Revolução Industrial, amadores podem fazer sucesso na revolução da internet (e até construir fortunas numa velocidade ainda maior). Para o autor, essa é apenas mais uma evidência de que as novas tecnologias criam mais riqueza particular do que coletiva — e só aumentam o abismo de renda no país.


Polêmica

A investigação histórica de Cowen começa nos tempos do faroeste. Ao olhar para o passado, ele observa oportunidades de crescimento que se colocaram diante dos Estados Unidos 300 anos atrás e se esgotaram com o tempo. Com uma infinidade de terra sem dono e levas de imigrantes dispostos a trabalhar em troca de pouco dinheiro, havia muito o que melhorar.

Boa parte da população era rural e com baixa escolaridade. Em 1900, 6,4% dos americanos em idade própria estavam no ensino médio. Em 1960, eram 60%. No fim da década, esse índice chegou a 80%. Mas, da mesma maneira que o ritmo das inovações arrefeceu, os avanços em outras áreas também atingiram um platô.

Hoje, a taxa de adolescentes americanos no ensino médio caiu para 72%. A queda se deu também nos cursos universitários. Um terço dos alunos hoje deixa a faculdade versus um em cada cinco nos anos 60.

Mesmo com níveis de educação estagnados, os Estados Unidos dobraram o investimento por aluno para 12 000 dólares por ano nas últimas quatro décadas. Igualmente, os americanos gastam com saúde mais do que qualquer outro povo — o equivalente a 17% do PIB — e nem por isso o esforço dá resultado.

A Grã-Bretanha, diz Cowen, gasta metade, e a expectativa de vida de seus cidadãos é maior. Parte da culpa pela crise, para o autor, está na gastança do governo. “Ainda não nos acostumamos com o fato de que somos mais pobres”, diz. Cowen vê aí os efeitos de uma  síndrome de superconfiança: “Nós nos sentimos invulneráveis”.

Ninguém questiona o efeito nefasto da dívida pública. O livro se torna polêmico, porém, ao apontar problema onde todos só veem solução. É consenso que as inovações atuais trouxeram benefícios, como tornar a comunicação mais eficiente e barata. Platôs de crescimento já foram apontados antes, para a posterior frustração de seus profetas.

Cowen, por sua vez, se mostra mais empenhado em alimentar o debate do que apontar saídas. Segundo sua visão pessimista, a solução está distante. Certo ou não, ele demonstra como a crise ajudou a dar mais um golpe na outrora inabalável autoestima dos americanos.

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