Revista Exame

A mágica da Souza Cruz e seus cigarros acabou?

Habituada a lucros crescentes mesmo nos piores cenários, a Souza Cruz enfim sente o impacto do contrabando de cigarros e dos impostos — e admite que ficou difícil repetir o passado

Fábrica da Souza Cruz: a empresa intensificou ainda mais o corte de custos e as despesas diminuíram 35%  (Germano Lüders/EXAME.com)

Fábrica da Souza Cruz: a empresa intensificou ainda mais o corte de custos e as despesas diminuíram 35% (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 25 de outubro de 2013 às 13h20.

São Paulo - Nos últimos cinco anos, a fabricante de cigarros Souza Cruz se transformou num fenômeno da bolsa de valores. Desde janeiro de 2008, o preço de suas ações quadruplicou, enquanto o Índice Bovespa caiu 15%. Esse seria um desempenho espetacular, não fosse por um detalhe: a Souza Cruz vende menos ano a ano.

No período em questão, seu volume caiu 15,5%. A queda nas vendas, no entanto, foi amplamente compensada pelo aumento no preço dos cigarros — o que fez o lucro da Souza Cruz crescer 40%. Para a alegria dos acionistas, a empresa distribuiu 7 bilhões de reais em dividendos nesses cinco anos.

Fabricantes de cigarros tendem mesmo a ser resistentes a crises, já que muitos de seus consumidores são viciados em seus produtos. Mesmo assim, o que vinha acontecendo com a Souza Cruz destoava. O valor de mercado de sua controladora, a British American Tobacco, cresceu “apenas” 82% desde 2008. A Souza Cruz é campeã de rentabilidade nos 180 países em que a British American Tobacco atua. 

Foi um período mágico — que não poderia durar para sempre. A dúvida era: quanto tempo a fabricante de um produto tão massacrado resistiria como se nada estivesse acontecendo? Pois 2013 é o ano em que a mágica da Souza Cruz entrou em questão. No primeiro semestre, o número de cigarros vendidos caiu 15%, ritmo que nunca havia sido visto — e, ao contrário do que acontecia antes, a margem caiu junto.

De janeiro a setembro, a empresa perdeu 17% de valor de mercado. Foi o suficiente para que o banco Itaú BBA tirasse as ações da Souza Cruz do grupo de papéis “defensivos” — ou seja, com capacidade de dar retorno em qualquer cenário. Atualmente, cinco dos oito analistas que acompanham a empresa recomendam a manutenção das ações — um eufemismo muitas vezes usado como sinônimo de “venda quando der”.

Por que 2013 é diferente? Em suma, a Souza Cruz está perdendo a capacidade de ditar o que seu consumidor vai pagar pelos cigarros. Dois aumentos de impostos fizeram o preço subir 40%. Levando em conta a renda per capita, o Brasil tem hoje o quinto cigarro mais caro do mundo.


O aumento dos tributos levou milhares de consumidores a comprar produtos pirateados, que custam a metade, alimentando o principal concorrente da Souza Cruz — o contrabando. “O aumento dos impostos não diminui o número de fumantes. Mas faz com que parte deles migre para os produtos mais baratos do mercado ilegal”, diz Andrea Martini, presidente da Souza Cruz.

Ameaça paraguaia 

Três em cada dez cigarros consumidos no Brasil são contrabandeados, um recorde (veja quadro ao lado). Os produtores ilegais usam tabaco e componentes de qualidade inferior. A maior parte vem do Paraguai. O país vizinho produz 60 bilhões de cigarros por ano e só consome 5% disso.

Grande parte do excedente vem para o Brasil escondida em caminhões, na bagagem de sacoleiros ou em balsas que cruzam a fronteira. A competição é desleal. Os tributos sobre o cigarro chegam a 65% do preço final no Brasil. As empresas paraguaias pagam — quando pagam — 10%. E, claro, não arcam com impostos para vender seus produtos no Brasil, já que a coisa toda acontece por baixo dos panos.

Para complicar um pouco mais a situação, em abril o Paraguai elegeu como presidente seu maior produtor de cigarros, Horacio Cartes. Ele é um velho conhecido da Souza Cruz, que já o enfrentou na Justiça por uma suposta cópia de embalagens. Um relatório da CPI da Pirataria da Câmara de Deputados, de 2003, aponta a Tabesa, empresa de Cartes, como uma das que contrabandeiam cigarros para cá.

Para atenuar o problema, a Souza Cruz vem ajudando a polícia e a Receita Federal a atrapalhar a vida de quem vende cigarros pirateados. Nos últimos dois anos, informações levantadas com o auxílio da empresa levaram ao fechamento de 12 fábricas clandestinas.

“Nosso trabalho não é combater o contrabando, mas ajudamos como podemos”, diz Martini. Como luta com inimigos que não pode vencer — governo e contrabando —, a Souza Cruz faz o que pode para manter as margens de lucro. O corte de custos é um caminho.

Em 2013, as despesas operacionais caíram 35%. Outra saída tem sido usar suas vans para entregar, também, produtos de outras empresas. A Souza Cruz, é bom que se diga, ainda tem números de dar inveja. Sua margem líquida de lucro beira os 30%. Para ficar por aí, o governo brasileiro e o Paraguai vão ter de ajudar.

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