Fábrica da Unilever em Minas Gerais: o Brasil está entre os mercados mais promissores para a expansão da empresa (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 2 de dezembro de 2013 às 06h00.
São Paulo - O holandês Paul Polman, presidente mundial da gigante de bens de consumo anglo-holandesa Unilever, ganhou destaque entre os executivos mais badalados da atualidade por razões pouco convencionais. Assim que assumiu o cargo, em janeiro de 2009, alardeou que deixaria de divulgar o lucro da companhia a cada trimestre (na Europa, as empresas não são obrigadas a relatar esse número) — o faturamento, porém, continua sendo divulgado.
Previsões para os resultados a cada três meses também ficariam no passado. Dali para a frente, só duas vezes por ano o mercado recebe essas informações. Desrespeito aos investidores? Polman acha que não. Afinal, diz ele, se os planos de investimento e de marketing da empresa não são definidos a cada 90 dias, usar essa periodicidade para divulgar resultados não faz sentido.
Polman demonstrou que não quer se esconder da cobrança pública ao estabelecer abertamente uma meta ousada para o longo prazo. Disse que vai dobrar as vendas da Unilever até 2020. Ao mesmo tempo, pretende reduzir pela metade o impacto ambiental da companhia.
A primeira reação do mercado foi de estranhamento — e as ações caíram 8% no dia em que ele anunciou as novas regras. A pecha de subversivo e excêntrico, porém, cedeu aos fatos. A companhia faturou quase 70 bilhões de dólares em 2012, 16% mais que em 2010 — o dobro da taxa de crescimento da principal concorrente, a Procter&Gamble. Desde então as ações valorizaram 25%.
O executivo de 57 anos, que trabalhou a vida inteira no setor privado, fala como um aguerrido ativista. Em todas as suas inúmeras aparições públicas, defende mudanças no capitalismo e na lógica do mercado de capitais. Diz que, ao gastar seu tempo dedicando-se a causas como o combate à desnutrição, está também preocupado com o que os acionistas da empresa vão embolsar.
Seu raciocínio é o de que a Unilever é uma empresa de alimentos e de produtos de higiene e, por isso, tem muito a lucrar se ajudar a resolver problemas como a fome, por exemplo. De seu escritório na sede da Unilever, em Londres, falou com EXAME.
EXAME - Ao virar presidente da Unilever, o senhor divulgou metas ambiciosas para 2020. Faz sentido uma grande multinacional se comprometer publicamente com resultados num prazo de uma década?
Paul Polman - Nosso plano de ação é muito ambicioso, mas necessário. Por isso, passei meu primeiro ano inteiro na empresa trabalhando em seu desenvolvimento e em como alinhá-lo internamente. Seria um erro tornar público um desafio como esse sem a devida aceitação dos funcionários.
Analisamos em profundidade nossa cadeia e os impactos ambientais e sociais que geramos. Se fosse fácil dissociar crescimento desses impactos, metade dos dilemas do mundo estaria resolvida. Se ainda hoje lidamos com problemas como mortalidade infantil e falta de saneamento, é porque as soluções tradicionais não funcionaram.
Pense: parte de nosso negócio é vender comida, e ainda hoje vivemos num mundo em que bilhões de pessoas vão dormir com fome. De 30% a 40% da comida disponível no planeta é desperdiçada. Cerca de 1,2 bilhão de pessoas estão obesas. É um sinal claro de desequilíbrio e precisamos ser parte da solução, mas não conseguiremos fazer nada sozinhos.
Alardear nosso plano foi nossa estratégia para dizer ao mundo — empresas, ONGs, entidades governamentais — que precisamos trabalhar juntos.
EXAME - O senhor pretende dobrar o tamanho da empresa e reduzir pela metade o impacto ambiental até o fim de 2020. Qual das duas metas é mais desafiadora?
Paul Polman - Os dois objetivos são audaciosos, mas o mundo é grande o suficiente para pensarmos em nosso crescimento. Cerca de 60 milhões de pessoas estão subindo para a classe média, e os países emergentes continuam crescendo, a despeito do que lemos nos jornais todos os dias.
Temos milhares de funcionários inseridos nas comunidades para desenvolver novos produtos. Há muito potencial para que nosso negócio cresça dois dígitos de maneira consistente nos próximos anos. Mas não é viável crescer a qualquer custo. Diria, portanto, que reduzir o impacto ambiental — ou seja, crescer de forma sustentável — é uma meta mais difícil de conquistar.
EXAME - O senhor declaradamente desafiou o mercado ao interromper a divulgação de resultados trimestrais. Valeu a pena?
Paul Polman - Se você diz que não vai mais informar resultados no curto prazo, os investidores logo pensam: “Lá vêm más notícias”. Mas, com o tempo, construímos essa confiança. Não tive medo porque estava baseado em fortes princípios e tínhamos uma crença muito forte de que estávamos fazendo a coisa certa. E qual é o risco de fazer a coisa certa?
O mundo dos negócios não é regido por trimestres. No primeiro dia, nossas ações caíram 8%. Mas, à medida que os acionistas perceberam que sabíamos o que queríamos, a confiança voltou, o valor das ações subiu, a empresa cresceu, e os investidores estão muito felizes.
O tempo médio que um presidente permanece numa empresa é muito curto porque a maioria fica obcecada em satisfazer as expectativas dos investidores em 90 dias, e isso não é possível. Acabei de ler um estudo recente que revelou que 75% dos vice-presidentes financeiros adiam decisões importantes que serão benéficas para a empresa no longo prazo porque elas afetarão os resultados trimestrais.
Outros estudos provam que empresas obcecadas pelo curto prazo atraem investidores focados no curto prazo. Partimos do princípio de que vamos investir, no longo prazo, para beneficiar toda a sociedade. Se fizermos isso bem, o acionista também sairá lucrando.
Ao seguir essa linha, vimos o perfil de nossa base de investidores mudar. De maneira geral, nosso acionista hoje é alguém mais comprometido com o longo prazo, e o preço de nossas ações está mais estável agora.
EXAME - O senhor costuma dizer que as empresas devem alinhar seus investidores à estratégia, e não o oposto. Como é possível subverter a ordem imposta pelo mercado?
Paul Polman - Muitos executivos se dedicam a gerenciar sua base atual de investidores em vez de ir atrás daqueles que realmente têm afinidade com a estratégia da empresa. É claro que falar sobre isso é mais fácil do que fazer, mas passamos muito tempo procurando investidores de longo prazo.
A maior parte do dinheiro investido no mundo vem de grandes fundos de pensão. Tentamos nos aproximar deles porque são instituições que valorizam a perenidade. Mas é algo que toma tempo e exige muita dedicação. Ainda não estamos completamente satisfeitos, mas já melhoramos muito o perfil de nossa base de investidores.
EXAME - O senhor diz não gostar dos fundos de hedge. Há menos deles entre seus investidores atualmente?
Sim. Sempre digo que cada investidor tem um papel a cumprir, mas esses fundos nunca beneficiaram nosso negócio, por ter um comportamento mais imediatista. Eles se tornaram menos numerosos depois que adotamos nossa estratégia de longo prazo.
EXAME - Os números da Unilever até aqui davam respaldo às mudanças que o senhor adotou. O crescimento do terceiro trimestre de 2013, porém, foi o resultado mais fraco dos últimos quatro anos. Isso pode mudar a tolerância do mercado a suas ideias pouco ortodoxas?
Paul Polman - Não estou em pânico por ter tido um trimestre mais fraco. Vínhamos crescendo a taxas de 5% a 7%. Mas infelizmente houve muitos ajustes de câmbio e crescemos apenas 3,2% de julho a setembro de 2013. O real vem sofrendo, assim como a rúpia indiana e o rublo russo.
Muitas economias estão crescendo mais devagar, e o Brasil não é uma exceção. Claro que não gostamos disso, mas não é algo que nos fará mudar nosso modelo de negócios. Houve um pânico generalizado na mídia quando soltamos os números, e é justamente desse tipo de situação que não queremos mais ser reféns.
Uma empresa não deve repensar sua estratégia por causa de um desempenho de 90 dias. Se vai fazer isso, a melhor saída é comprar logo um ioiô.
EXAME - O senhor é considerado uma referência entre executivos que se dedicam a metas de responsabilidade corporativa e de sustentabilidade, mas rejeita esses termos. Por quê?
Paul Polman - Não há nada errado com os dois termos, só não considero que eles sejam completos. Filantropia é muito importante e há filantropos muito poderosos provocando mudanças significativas no mundo hoje. Mas uma empresa não pode se limitar a fazer doações. Ela também não pode ter apenas um departamento separado na empresa para cuidar dos problemas sociais e ambientais, porque isso não vai mudar o mundo. Precisamos de soluções maiores.
Um presidente e todos abaixo dele precisam entender de maneira clara que a missão de um negócio é servir a sociedade e promover o bem comum. Só dessa maneira todos — e isso inclui os acionistas — serão recompensados. Muitos executivos perderam esse foco, mas para mim ele é óbvio. A lógica do mercado tem de mudar.
EXAME - Por que o senhor diz que o capitalismo precisa evoluir?
Paul Polman - Um dos objetivos do milênio definidos pela ONU em 2000 era reduzir à metade o número de pessoas que vivem na miséria, e isso foi alcançado, em parte, graças ao capitalismo e à globalização. Infelizmente, no começo deste século o capitalismo passou a ser guiado apenas por ganância, muita gente foi deixada para trás, e nos tornamos extremamente dependentes do setor financeiro.
O resultado é que hoje vivemos num mundo em desequilíbrio, no qual as 500 pessoas mais ricas possuem uma fortuna equivalente ao PIB da Índia. Por isso acredito que não devemos questionar o sistema capitalista na essência, mas trabalhar para que ele evolua, e rápido.
A humanidade está vivendo um momento único: pela primeira vez na história temos a possibilidade de levar esse esforço um passo adiante e erradicar completamente a pobreza. A tarefa não é fácil, mas queremos fazer a nossa parte.