Johan Rockström: “O que precisamos agora [em COPs] são sessões de prestação de contas em que países sejam responsabilizados pelo progresso, discutindo soluções e financiamento” (Jadranko Marjanovic/Divulgação)
Editora ESG
Publicado em 28 de agosto de 2025 às 06h00.
Última atualização em 28 de agosto de 2025 às 09h21.
Há mais de duas décadas, os estudos de Johan Rockström passaram a se aprofundar em uma ideia que soava como ficção científica para muitos: o Planeta Terra teria fronteiras invisíveis que, uma vez ultrapassadas, colocariam em risco a estabilidade climática que permitiu o desenvolvimento da civilização humana.
O que então parecia um alerta distante tornou-se realidade tangível. Atual diretor do prestigiado Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático, Rockström — com todos nós — observa hoje seis dessas fronteiras serem cruzadas. E se pergunta se não deveria ter sido ainda mais alarmista naquela época.
Uma das vozes científicas mais respeitadas em sustentabilidade global, nesta entrevista à EXAME o pesquisador sueco — que estará na COP30 e foi uma das atrações do Encontro Futuro Vivo — parece viver um paradoxo: embora com seus dados mostre o mundo em estado crítico, sua convicção de que ainda há tempo para mudança permanece inabalável.
Com Trump de volta ao poder, os EUA fora do Acordo de Paris e cortes no financiamento científico, a necessária cooperação global para sair dessa condição está comprometida, certo?
Penso que há razões para estarmos profundamente preocupados. De uma perspectiva puramente científica, se analisarmos apenas os limites planetários e o que o mundo pode tolerar, não é tarde demais. O planeta é notavelmente resiliente. Mas quando adicionamos a geopolítica, o negacionismo, o populismo, o egoísmo, a tendência dos países de construir muros e argumentar contra colaboração… é quase como se “solidariedade” tivesse se tornado uma palavra ruim. A única chance de retornarmos a um espaço operacional seguro é que todas as nações colaborem. Pois você não pode ter um punhado de nações fazendo a coisa certa quando há um monte fazendo a coisa errada, porque há apenas um planeta.
No último Fórum Econômico Mundial, falou-se muito que IA e energia de fusão poderiam resolver o clima por meio de captura massiva de carbono. Mas seus “health checks” mostram o planeta mais doente a cada ano. A IA não seria, na verdade, uma distração perigosa?
A IA pode se tornar uma distração que recebe quantidade desproporcional de foco quando temos uma crise planetária. E não só a IA, como as guerras na Ucrânia e em Gaza, as tarifas ridículas da administração Trump. São muitos os fatores que nos empurram para longe do foco necessário no combate à crise climática. Por exemplo, sempre me perguntam se não estou preocupado com a IA pelo consumo de energia dos data centers. Respondo que não, pelo simples fato de que as energias renováveis estão se desenvolvendo tão rapidamente que teremos energia abundante. Minha preocupação é com biodiversidade, água doce, minerais, solo e toda a biosfera viva.
Durante a COP29, o senhor assinou uma carta com outras autoridades afirmando que as cúpulas climáticas não funcionam mais. A COP30, no Brasil, ainda pode ser efetiva, ou precisamos mesmo de um modelo completamente novo?
O que sugerimos foi uma reforma da COP, não um fechamento. Devemos celebrar que ao longo de 29 reuniões conseguimos finalizar muitos documentos formais da estrutura climática legal, como o Acordo de Paris e termos sobre desmatamento, metano, perdas e danos… Mas não precisamos negociar mais. O que precisamos agora são sessões de prestação de contas em que países sejam responsabilizados pelo progresso, discutindo soluções e financiamento. E a COP30 é uma oportunidade únicade conectar formalmente a mudança climática com a natureza.
Imagino que o senhor esteja acompanhando as tensões no Brasil sobre exploração petrolífera e mudanças nas leis ambientais. Como podemos liderar uma nova abordagem climática na COP30 sem que as questões domésticas comprometam nossa soberania?
Fico preocupado, claro, quando ouço o presidente Lula sugerindo dar novos direitos para explorar petróleo na Bacia Amazônica. Mas o Brasil tem características únicas de liderança, é um país que realmente entende e articula que sustentabilidade é sobre desenvolvimento, não apenas conservação. Segundo, vocês entendem que comunidades indígenas são fundamentalmente parte da agenda sustentável. E, terceiro, compreendem que clima e natureza andam juntos.
Realizar a COP30 na Amazônia pode fazer com que líderes empresariais finalmente entendam que um planeta doente significa economia quebrada?
Já há grandes corporações que entendem que um planeta saudável significa negócios saudáveis. O setor empresarial também teve um papel importante, ao dar confiança aos líderes políticos para assinar o Acordo de Paris, em 2015. A questão é que as companhias operam em mercados regulados por políticas. Quando políticas são removidas, como agora nos EUA, você não pode estar sozinho com impostos sobre carbono e legislação ambiental ambiciosa se aqueles com quem compete não têm tal legislação. E aí voltamos ao ponto inicial: se você quer ser bem-sucedido como empresa ou economia e ainda ser sustentável, precisa de regras que se apliquem globalmente.
Quinze anos depois de criar o conceito de limites planetários, seus “health checks” mostram o planeta em condição crítica, com seis fronteiras ultrapassadas. O senhor ainda acredita na humanidade para evitar um colapso civilizacional, ou já passamos do ponto em que ações graduais podem funcionar?
O orçamento global de carbono restante está reduzido a menos de 130 bilhões de toneladas, o equivalente a três anos de emissões. Estamos neste ponto de urgência, em que não podemos emitir mais carbono ou perder mais biodiversidade e ecossistemas. Portanto, precisamos de uma mudança transformativa, acelerada e escalável, o que significa dobrar resultados positivos ao longo de uma geração.
Então, honestamente, não podemos excluir um futuro muito sombrio. Seis fronteiras foram violadas, caminhamos para a sétima, e todas, exceto a poluição do ar, ainda se movem na direção errada. Mas, da perspectiva científica, a janela ainda está aberta. Temos as soluções e sabemos como produzir dentro de sistemas que voltem ao espaço seguro. Portanto, falhar não é inevitável; falhar será escolha. Se pudermos virar a página, porém, haverá um futuro mais brilhante nos esperando.