Revista Exame

Referendo italiano pode ser estopim da próxima crise na UE

Um referendo para reduzir os poderes do Senado tornou-se o maior teste político para o primeiro-ministro Matteo Renzi.


	Matteo Renzi no Senado: o primeiro-ministro prometeu renunciar se a reforma não for aprovada
 (Tony Gentile/Reuters)

Matteo Renzi no Senado: o primeiro-ministro prometeu renunciar se a reforma não for aprovada (Tony Gentile/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 26 de setembro de 2016 às 18h48.

São Paulo – Pode soar estranho, mas a itália, quarto maior PIB da Europa e oitavo do mun­do, fica longe da maior parte dos demais países ricos em rankings importantes, como o da ONG Transparência Internacional, que mede a percepção de corrupção. Na última lista, o país aparece na 61ª posição, ao lado de Senegal e África do Sul e não muito distante do Brasil, na 76ª.

No ranking Doing Business, do Banco Mundial, que avalia o ambiente de negócios em 189 países, a Itália fica em 45º lugar, pior do que o México, que é o 38º (o Brasil está na 116ª posição). O diagnóstico de que o país precisa mudar já foi feito há bastante tempo, e a Itália até tem se esforçado. O difícil tem sido acelerar esse movimento.

Em 2014, o primeiro-ministro Matteo Renzi, de 41 anos, assumiu o governo prometendo simplificar o processo legislativo. Em sua avaliação, a Itália tem sido vagarosa nas mudanças em parte por causa da estrutura de seu Parlamento. Para formar um novo governo é necessário que um partido ou uma coalizão tenha maioria não apenas na Câmara dos Deputados, como é normal no sistema parlamentarista, mas também no Senado.

Quando uma lei aprovada na Câmara é modificada pelo Senado, todo o texto volta para a apreciação dos deputados — e o resultado não raro é uma confusione, espécie de pingue-pongue sem-fim entre as duas casas. Em média, um projeto de lei leva mais de 500 dias para ser aprovado.

Em abril, Renzi conseguiu um feito inédito: o Parlamento aprovou uma bem-vinda legislação que reduz o papel do Senado. De acordo com a reforma, o número de senadores cai de 315 para 95, um partido ou uma coalizão só precisa do voto da Câmara para formar o governo e os senadores ficam responsáveis apenas pela revisão das leis criadas pelos deputados e pela votação de leis e tratados da União Europeia.

Mas essas mudanças precisam ser aprovadas num referendo em novembro. A última pesquisa de intenção de voto, divulgada em setembro pelo jornal La Reppublica, mostra um empate técnico entre o “sim” e o “não” à reforma, com uma ligeira vantagem de quem defende a aprovação (52%). Mais de 20% dos eleitores ainda estão indecisos e existe o temor de que uma eventual vitória do “não” seja o estopim de uma grande crise política.

Renzi disse em abril que renunciaria ao cargo caso a reforma não fosse aprovada no referendo, o que deu munição para que os principais partidos de oposição ampliassem o discurso em favor do “não”. Na campanha contrária à reforma, o grande destaque é o oposicionista Movimento Cinco Estrelas.

Criado em 2009 pelo comediante ­Beppe Grillo, o partido ganhou o apoio dos eleitores que se sentiram atraídos pelo discurso de renovação. A principal bandeira do Movimento Cinco Estrelas é ser contra os partidos tradicionais, a corrupção e as políticas da União Europeia. Em junho, o novo partido conseguiu eleger prefeitos em cidades importantes, como Turim e Roma.

Enquanto a aprovação de Renzi é de apenas 30%, o Movimento Cinco Estrelas lidera a preferência dos italianos, o que provoca calafrios em autoridades europeias, ainda traumatizadas pelo resultado do referendo no Reino Unido em junho que decidiu pela saída do país da União Europeia.

Uma vitória do “sim” em novembro deve manter Renzi no comando e acalmar o meio empresarial. “Se o referendo passar, a Itália mandará um sinal positivo para os mercados e para a Europa. Mudar a Constituição, mesmo numa situação muito complicada, será uma grande vitória e mostrará que o país está num bom caminho”, diz Massimo Bordignon, professor na Universidade Católica do Sagrado Coração, em Milão, e um dos mais respeitados economistas italianos.

Entre as principais economias da zona do euro, a italiana é uma das que tiveram pior desempenho desde 2008. De acordo com a estimativa do Fundo Monetário Internacional, o PIB da Itália só deverá alcançar em 2025 o nível pré-crise de 2008, o que significará quase duas décadas perdidas de crescimento econômico.

Nos últimos anos, o maior desafio tem sido estancar a perda de competitividade. A produtividade está estagnada, e os salários cresceram acima da inflação. Essa situação, aliada ao desempenho pífio da economia, acabou afugentando os investimentos.

Na tentativa de melhorar o ambiente de negócios, o governo de Renzi conseguiu aprovar uma reforma trabalhista que elimina as restrições para as demissões sem justa causa. Olhando mais no longo prazo, Renzi também fez mudanças no sistema educacional para dar bônus salariais aos professores mais bem avaliados. Para o FMI, manter essa agenda de reformas é essencial para recolocar o país no caminho do crescimento.

Por que “não”?

Embora faça sentido simplificar o funcionamento do Parlamento, o eleitorado contrário à reforma não se resume aos partidários do Movimento Cinco Estrelas. Uma parcela de quem vai votar “não” diz que a reforma constitucional dá poder demasiado ao governo. Isso por­que, em julho, a Itália aprovou uma lei que muda as regras eleitorais para a Câmara dos Deputados.

Segundo a nova legislação, o partido que tiver mais de 40% dos votos numa eleição levará automaticamente 54% dos 630 assentos na Câmara. Se nenhum partido ultrapassar a marca, os dois mais votados vão disputar um segundo turno. A ideia da nova regra é favorecer a aprovação de projetos e combater a instabilidade política, uma marca da Itália.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o país já teve 41 primeiros-ministros (no Reino Unido foram 15). Outra novidade da lei é que o partido que não tiver pelo menos 3% dos votos válidos ficará de fora do Parlamento. Para os críticos, as duas mudanças — a da lei eleitoral e a reforma do Senado — vão longe demais ao garantir ao primeiro-ministro uma maioria definitiva no Parlamento.

“É uma mudança drástica na política italiana. O normal sempre foi ter governos de coalizão, com vários partidos”, diz o italiano Federico Santi, analista da consultoria política Eurasia. O problema é que na Itália o normal também sempre foi a inexistência de blocos políticos fortes para a aprovação de reformas.

Esse imobilismo tem sido uma barreira para a criação de vagas de emprego, o desenvolvimento do empreendedorismo e o dinamismo econômico. A Itália tem a chance de dar um salto — ou de jogar a Europa em um novo buraco.

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