Revista Exame

A invasão chinesa da Europa

Em crise, o bloco europeu precisa de investimentos. E a China tem dinheiro para aplicar no exterior. O resultado? Uma irresistível história de negócios chineses na Europa

George Papandreou, primeiro-ministro grego: atingida pela crise, a Grécia tem recebido com muito interesse os investimentos realizados pelos chineses (Getty Images)

George Papandreou, primeiro-ministro grego: atingida pela crise, a Grécia tem recebido com muito interesse os investimentos realizados pelos chineses (Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 25 de agosto de 2011 às 13h35.

No fim do ano passado, o Coliseu, maior cartão-postal de Roma, ganhou uma decoração pouco usual. Por uma noite, a fachada do monumento foi iluminada de vermelho e trazia, em chinês, os dizeres “amizade sino-italiana”. A ação foi a forma encontrada pelo governo italiano de demonstrar quanto apreciava a visita do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao.

Em janeiro, foi a vez de Li Keqiang, vice-primeiro-ministro chinês, receber uma recepção de gala, desta vez na Espanha. A iluminação da praça de Cibeles, em Madri, não foi mudada, mas Li foi recebido por uma comitiva que ia muito além do protocolo.

Estavam lá o rei Juan Carlos, o primeiro-ministro José Luis Zapatero, dois ministros e a nata do empresariado espanhol formada pelos presidentes dos 40 grandes grupos empresariais da Espanha, como César Alierta, da Telefónica. Em ambos os casos, a generosa hospitalidade dos anfitriões deixou claro o interesse europeu em receber os investimentos chineses.

Nos últimos anos, a Europa vem se convertendo num atraente polo de negócios para a China. Até recentemente, o investimento total dos chineses ainda era baixo, embora a taxa de crescimento já indicasse um expressivo aumento nos negócios — entre 2007 e 2009, o investimento estrangeiro direto da China no Velho Continente dobrou, de 1,5 bilhão para 3,3 bilhões de dólares.

Não há ainda estatísticas fechadas para 2010, mas todas as estimativas são de números muito mais parrudos — e de novos saltos daqui para a frente.

O dinheiro chinês tem se destinado a investimentos em áreas estratégicas, como infraestrutura, energia e tecnologia. Na Itália, a Hutchison Whampoa, um conglomerado de Hong Kong com negócios em logística, varejo e telecomunicações, anunciou que aplicará 660 milhões de dólares em melhorias e expansões no porto de Taranto, no sul do país, enquanto a gigante estatal Cosco, da área de transporte marítimo, integra um consórcio que trabalha na expansão do porto de Nápoles.

Na Espanha, os iuanes compraram recentemente 40% da unidade brasileira da petrolífera Repsol por 7,1 bilhões de dólares. Em junho do ano passado, a Cosco anunciou um investimento de 4,6 bilhões de dólares para assumir o controle de um dos terminais de carga do porto de Pireu, em Atenas.

A estatal chinesa investirá 750 milhões de dólares na construção de um novo terminal, a fim de triplicar o atual volume de cargas do porto. Seu objetivo é fazer do Pireu um concorrente direto do porto de Roterdã, principal terminal europeu em movimento de contêineres. No leste da Europa, a China tem negócios em países como Hungria e Polônia. Em 2009, um consórcio liderado pela China Overseas Engineering Group ganhou um contrato para construir parte de uma estrada que conecta as cidades polonesas de Lodz e Varsóvia.

Não é coincidência que a China esteja investindo em alguns dos países mais atingidos pela crise, como Grécia, Espanha e Itália. É justamente nesses lugares que se encontram algumas das melhores oportunidades devido ao êxodo de parte dos investidores. Do ponto de vista dos europeus, o dinheiro chinês é uma espécie de boia salva-vidas.

Em poucas palavras, representa empregos e impostos. Isso sem falar no valor simbólico dos anúncios para o mercado financeiro. Uma das mensagens implícitas é a de que um país que recebe investimentos chineses conta com o apoio irrestrito da potência asiática. E há razões para acreditar nisso. Em janeiro, o banco central chinês confirmou a compra de títulos da dívida pública de Espanha e Portugal, como forma de demonstrar ao mercado financeiro que os países são confiáveis. Não é à toa que o vice-primeiro-ministro Li tenha recebido na Espanha o apelido de “novo Marshall”.


Se os europeus estão em busca de socorro, a China, por sua vez, tem interesses estratégicos na Europa. A União Europeia é hoje seu maior parceiro comercial — um quinto das exportações chinesas se destina ao bloco. Investir em portos, centros de logística e estradas é uma forma de ampliar o acesso a esse valioso mercado consumidor.

O bloco europeu também representa um polo de acesso à tecnologia para as empresas chinesas. “São marcas, redes de distribuição, clientes e know-how em áreas como a de engenharia”, afirma Jonathan Laurence, especialista em Europa do centro de estudos Brookings Institution, com sede em Washington. Há ainda outra vantagem para a China, dona de reservas externas avaliadas em 2,8 trilhões de dólares: diversificar seus investimentos, atualmente concentrados em títulos do Tesouro americano.

O avanço dos negócios chineses na Europa, porém, assusta alguns governos da região. Um dos temores é de que os benefícios não sejam tão grandes como o alardeado. Na África, os chineses são acusados de não cumprir todas as suas promessas de geração de emprego. Há também o medo de que os investimentos acabem comprando o silêncio europeu.

Afinal, como países como Espanha e Inglaterra deveriam se portar em negociações sobre o clima, um tema em que a posição chinesa é bem mais conservadora do que a da Europa? Ou em casos como o do preso político chinês e ganhador do Nobel da Paz Liu Xiaobo? Como escreveu recentemente o jornal espanhol El País, “que o nosso banqueiro não possa passar no exame elementar de direitos humanos é um problema”.

Isso tudo sem falar do temor de que as empresas chinesas eventualmente acabem engolindo as locais. “Cabe à União Europeia impor suas regras no relacionamento com a China”, afirma o espanhol Alfredo Pastor, professor de economia europeia da prestigiada escola de negócios Iese, em Barcelona. Para ele, o risco é o dragão chinês virar um cavalo de Troia.

Acompanhe tudo sobre:ÁsiaChinaEdição 0985EuropaInvestimentos de empresas

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda