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A indústria senta à mesa do clima: entenda o papel das empresas na COP

A COP30 no Brasil oficializa a entrada do setor privado como peça central na governança climática global

Parque da Cidade, em Belém: no local serão instaladas a Blue Zone e a Green Zone (Rafael Medelima/Divulgação)

Parque da Cidade, em Belém: no local serão instaladas a Blue Zone e a Green Zone (Rafael Medelima/Divulgação)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 28 de agosto de 2025 às 06h00.

Última atualização em 28 de agosto de 2025 às 09h28.

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Enquanto o mundo conta os dias para mais uma rodada de decisões climáticas no principal encontro global dedicado ao tema, uma definitiva transformação estrutural parece tomar forma nos preparativos da COP30, reconfigurando quem senta à mesa das decisões ambientais.

Não se trata mais apenas de diplomatas debatendo metas em salas fechadas. Governos, empresas e sociedade civil descobriram, pela força dos fatos, que precisam trabalhar juntos para transformar acordos em realidade. E o Brasil, anfitrião da conferência, parece decidido não somente a abraçar mas a oficializar essa nova arquitetura de protagonismos.

Durante a cúpula de líderes do Brics em junho, no Rio de Janeiro, André Corrêa do Lago, presidente da COP30, deu pistas claras da estratégia: “Queremos que esta seja a COP em que o setor privado mais participe, que seja uma COP da implementação. E quem implementa é o setor privado”, afirmou.

Para além de um discurso engajador, a declaração é um reconhecimento tácito de que as complexidades e o custo da transição climática exigem uma coalizão relativamente inédita de forças.

Alguns números validam a tese. Uma pesquisa divulgada recentemente pela CNI revelou que 54% das empresas brasileiras demonstram interesse na COP30. Destas, 22% se dizem muito interessadas e 32% reconhecem algum interesse.

Roberto Waack, presidente do conselho do Instituto Arapyaú e veterano observador de COPs, contextualiza a evolução retomando a COP20, na França, quando o célebre Acordo de Paris foi firmado e instituiu-se a figura do Climate Champion, para liderar o diálogo com o setor produtivo.

De lá para cá, esse “primeiro grupo”, formado por um núcleo de especialistas de grandes empresas e associações setoriais, já atuava nos bastidores. E iam para as COPs com objetivos precisos: pautar, influenciar negociadores e moldar políticas públicas, como a própria NDC brasileira.

De acordo com Waack, eram estrategistas que entendiam o jogo dos brackets (termos que não são consenso nas tratativas de acordo) e o funcionamento da máquina diplomática.

“Do Egito para a frente [onde aconteceu a COP27, de Sharm el-Sheikh], começou a onda de ‘eu preciso ir lá para ver o que é esse treco’”, explica, sobre uma segunda leva menos movida por estratégia de longo prazo e mais pela percepção aguda de que ignorar a agenda climática tornou-se um risco intangível para os negócios.

COP29, em Baku: acordo final aprovou a meta de 1,3 trilhão de dólares anuais até 2035, pressionando mobilização para equalizar o financiamento (SOPA Images/LightRocket/Getty Images)

Do bastidor ao centro do palco

A narrativa convencional amplamente difundida credita à COP26, de Glasgow, o marco da entrada oficial do setor privado nas conferências do clima.

“É meio senso comum que essa COP concedeu esse papel ao setor privado, chamando as corporações e lançando o que é conhecido como breakthrough agenda”, diz a embaixadora Liliam Chagas, negociadora-chefe do Brasil para a COP30, em referência ao programa global anunciado na ocasião para acelerar a transição nos principais setores emissores de gás de efeito estufa.

Contudo, documentos históricos oficiais sugerem uma versão anterior dessa influência. 

A atuação empresarial, particularmente da indústria de combustíveis fósseis, é documentada desde a Conferência de Estocolmo, em 1972. Na época, longe de serem excluí-dos, representantes do setor receberam assentos na delegação oficial dos Estados Unidos para influenciar as tratativas.

Foi nesse contexto que o setor petrolífero criou a Associação Internacional de Conservação Ambiental da Indústria do Petróleo (Ipieca) com o aval do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) para atuar como o “principal canal de comunicação” da indústria com a ONU.

Mais tarde, em meados dos anos 1980, a Exxon, presidindo o grupo de trabalho da Ipieca sobre mudanças globais, liderava simpósios internos para definir estratégias setoriais e coordenar a resposta da indústria ao aquecimento global, inserindo-se de forma permanente na estrutura da governança ambiental internacional desde a sua fundação.

Essa presença foi facilitada por figuras-chave, como Maurice Strong, diretor e fundador do Pnuma, que acreditava no poder transformador das empresas.

Essa abordagem garantiu que os produtores de combustíveis fósseis e seus representantes fossem frequentemente incluídos nos processos de tomada de decisão desde o início, moldando não apenas a Convenção-Quadro da ONU, em 1992, mas todas as COPs de lá para cá.

A virada que Waack apontada em Paris, portanto, pode não ter sido a chegada dos negócios à mesa, mas a conquista de sua legitimidade e transparência com uma diversificação maior de setores.

“Antes de Paris, a frequência era de somente poucas empresas da bolha e muitas organizações da sociedade civil”, lembra. “A partir de então, passamos a ver mais corporações falando com os negociadores dentro da Blue Zone, aprendendo… Foi algo muito legal, que marcou uma virada.”

Roberto Waack, presidente do conselho do Instituto Arapyaú: “Caiu a ficha de que temos vantagens competitivas relevantes, soluções de grande escala viáveis economicamente e que podem ser transferíveis.” (Leo Lara/Divulgação)

A migração da moral

A materialização da mudança, contudo, não parece estar no número de credenciais corporativas, mas na natureza das razões que levam as empresas para as COPs.

Os dados da pesquisa CNI, que ouviu cerca de 1.000 empresários, são elucidativos: entre 2023 e 2025, a importância das exigências regulatórias como motivadoras para investir em sustentabilidade saltou de 19% para 30% — um crescimento de 58%. Paralelamente, a “redução de custos”, ainda a principal razão para tais recursos, caiu de 42% para 32%.

Waack, que também faz parte do conselho de administração da Marfrig, resume a transição como “a migração do que era uma conversa de efeito moral para uma conversa de efeito legal”.

Nesse sentido, completa o executivo, “a sustentabilidade deixou de ser uma opção reputacional para se tornar uma variável hard do negócio, um imperativo de compliance e de sobrevivência no mercado”. Em mais um indicativo de apoio à mudança estrutural, a COP no Brasil estabeleceu iniciativas e plataformas inéditas para organizar o movimento.

Um dos exemplos, a Sustainable Business COP (SBCOP), articulada pela CNI, reúne representantes do alto escalão das indústrias nacional e internacional, com um foco explícito na implementação. Ricardo Mussa, chair da SBCOP, que por anos comandou a Raízen, define a iniciativa como uma “aliança global para traduzir as ambições climáticas em projetos investíveis e escaláveis”.

“Não se trata mais apenas de discutir ‘o que’ fazer, mas ‘como’ financiar e operacionalizar a transição”, completa Mussa. A plataforma também foi lembrada por Corrêa do Lago — elogiosamente — no Brics. “É absolutamente excelente, porque isso mostrou uma liderança da indústria brasileira e está sendo abraçado por empresários do mundo inteiro”, disse o presidente da COP30.

Também durante a reunião de junho, o setor privado entregou aos líderes do Brics uma lista com 24 recomendações de políticas públicas, abrangendo desde a recuperação de terras degradadas até a aceleração do financiamento sustentável.

Vista com bons olhos por especialistas e ambientalistas, a ação foi avaliada não mais como um pleito isolado de vozes corporativas, mas como a proposição de uma agenda concreta em mais um importante fórum multilateral.

Governança expandida

A própria estrutura da COP30, dividida em quatro dimensões principais pela presidência brasileira — negociação multilateral, cúpula de líderes, agenda de ação e a inovadora “mobilização global” —, aponta para um reconhecimento formal de que, talvez, a conferência já não se restrinja às tradicionais negociações multilaterais entre diplomatas, e menos ainda à cúpula de líderes que dá o tom político.

Nas palavras da embaixadora Liliam Chagas, “a COP evoluiu de uma reunião puramente entre governos. Hoje não é mais apenas uma conferência das partes”.

Nesse desenho, a Agenda de Ação herdada de Glasgow e que deu protagonismo ao setor privado ganha status oficial e cria um espaço paralelo onde empresas e governos subnacionais anunciam compromissos concretos, sem que alguns avanços práticos dependam do lento — e obrigatório — consenso entre nações.

A grande inovação brasileira, porém, reside na criação do conceito e articulação de uma mobilização global, operacionalizada por meio do Balanço Ético Global e dos “círculos” que envolvem desde ex-presidentes de COPs anteriores e ministros da economia de diversos países até acadêmicos e povos indígenas.

“Essa camada foi idealizada para engajar formalmente a sociedade civil e outros atores não estatais, reconhecendo que a luta climática é um empreendimento global, onde não basta apenas um país se mexer. A atmosfera não tem fronteiras”, define a diplomata.

Embaixadora Liliam Chagas: negociadora-chefe da COP30 (COP30/Divulgação)

Sociedade por transição bilionária

O Brasil recebe a COP30 com um portfólio único: a Amazônia, uma matriz elétrica majoritariamente renovável e um setor agropecuá-rio com potencial de liderança em soluções fundamentadas na natureza.

Para Roberto Waack, o empresariado internalizou essa vantagem: “Caiu a ficha de que temos vantagens competitivas relevantes, soluções de grande escala viáveis economicamente e que podem ser transferíveis”.

Sua percepção é endossada pela pesquisa da CNI, em que 77% das empresas acreditam que o evento pode fortalecer a imagem da indústria brasileira e impulsionar exportações. No entanto, o caminho da transição — tanto para o Brasil quanto para o mundo — está longe de ser linear.

A euforia esbarra em gargalos históricos que só reforçam por que a participação do setor privado é indispensável, e não apenas desejável. O primeiro é fazer a engrenagem financeira girar na escala necessária.

A meta de 1,3 trilhão de dólares anuais até 2035, aprovada na COP29 de Baku, é um ponto de partida que exige mecanismos claros e uma taxonomia robusta para sair do papel. “Não vai ser fundo multilateral que vai equalizar isso. Isso tem a ver com capital privado”, diz Waack.

Além do capital, persiste um entrave crítico e pouco discutido: projeta-se um déficit de 6.000 profissionais qualificados apenas no setor energético até 2030. É uma contradição perversa, uma vez que apenas 0,5% do financiamento é direcionado para capacitação.

Paradoxalmente, são essas mesmas barreiras intransponíveis para os governos que consolidam a mudança de era e a ascensão do setor privado ao centro do palco.

O presidente do conselho do Arapyaú vê uma tendência irreversível: “Estamos falando de negócios e de modelos de negócios, uma mudança estrutural que ultrapassa a COP. A expectativa de que a agenda se aceleraria com a liderança de governos não aconteceu. O protagonismo passou mesmo para as mãos das empresas”.

Para Dan Ioschpe, Climate Champion da COP30, o que se está promovendo é “uma transformação na governança climática mundial, buscando novos equilíbrios e arranjos de execução”. Diante desse cenário, com seu pragmatismo e capacidade de escala, o setor privado não é mais um convidado. É um sócio indispensável, com todas as complexidades que essa parceria carrega.


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