Revista Exame

A incógnita da China no pós-pandemia

O país enfrenta dificuldades na reabertura da economia e tenta se reinventar para manter sua posição de fábrica do mundo

Desemprego na China: cidadãos buscam trabalho em feira de vagas em Tengzhou (VCG/Getty Images)

Desemprego na China: cidadãos buscam trabalho em feira de vagas em Tengzhou (VCG/Getty Images)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 24 de agosto de 2023 às 06h00.

Última atualização em 4 de setembro de 2023 às 16h22.

Um jovem chinês com 24 anos hoje nunca viu a economia de seu país encolher. Desde os anos 1990, a China acumula uma série contínua de crescimento do PIB. De 2003 a 2007, no auge, ficou acima de 10% ao ano. Nos anos seguintes, houve redução de marcha, mas a velocidade continuou alta, sempre acima de 5%. Com a pandemia, porém, as coisas mudaram. Apesar de bons resultados em 2020 e 2021, o PIB subiu 2,9% no ano passado e acendeu alertas. Neste ano, as estimativas seguem sendo revisadas para baixo. Além do PIB, outros indicadores da economia chinesa, como as vendas em lojas e o volume de exportações, preocupam o mundo. Analistas não se arriscam a cravar se o país chegou a um “novo normal” de crescimento mais tímido — nos padrões fora de padrão da China, é claro —, mas seguem atentos aos sinais de que uma mudança mais forte de rumo pode estar em curso.

Na China, uma vida mais difícil

Dentro da China, a vida ficou mais difícil nos últimos anos. O país foi o primeiro a viver o drama da pandemia e um dos últimos a sair dela, só no fim de 2022. “O fechamento prolongado das atividades afetou severamente o setor de serviços, que tem sido uma grande fonte de empregos, especialmente para os jovens”, diz Mary Gallagher, diretora do Instituto Internacional da Universidade de Michigan. O desemprego entre pessoas de 16 a 24 anos nas cidades atingiu 21,3% em junho — ante uma taxa geral de 5,2%. O consumo interno também desanima. Em junho, as vendas no comércio cresceram 3,1% em relação ao mês anterior. Em maio, a alta havia sido de 12,7%. Ao mesmo tempo, os depósitos de poupança das famílias no primeiro semestre foram quase 18% maiores em 2023 do que em 2022, um sinal de que a população não quer gastar, nem mesmo para comprar uma casa. O setor de habitação entrou em crise, que piorou depois que o governo agiu para conter uma alta de preços da moradia, com medidas como limitar o acesso a crédito para empresas do setor. Sem financiamento, começou a faltar dinheiro para terminar obras. Em 2021, a Evergrande, então uma das maiores construtoras do país, faliu. Em agosto, outro gigante, a Country Garden, gerou apreensão ao sugerir adiar o pagamento de títulos de dívida. Um calote delas colocaria em risco o setor financeiro não só da China mas de outros países, como o Reino Unido, onde vários bancos emprestaram milhões de libras a incorporadoras chinesas. O governo chinês, sob o comando de Xi Jinping, mudou de postura nos últimos anos em diversos pontos. Um deles foi na relação com grandes empresas: houve várias iniciativas para conter o poder delas, como reforçar regulações. 

(Arte/Exame)

No exterior, a China também vê cenário diferente: sua posição de grande fábrica do mundo entrou em xeque. O fechamento de indústrias na pandemia levou a atrasos na entrega de peças e travou a fabricação de celulares a aviões. Em resposta, países desenvolvidos buscaram outros fornecedores, para reduzir a dependência de um só país e cortar custos, já que os salários chineses também subiram na última década. Em julho de 2023, as exportações para os Estados Unidos caíram 23%, na comparação com o mesmo mês de 2022. “Estados Unidos e Europa também passaram a comprar mais de países como México e Vietnã. Mas muitas vezes a China exporta produtos semiprontos para esses paí-ses, que vão apenas finalizar a montagem”, diz George Wang, professor na City University de Nova York. “Isso afeta o ganho com exportações. Um produto final vendido a 10 dólares pode render 5 dólares se for comercializado semifinalizado.”

Os impactos da China, segunda maior economia do mundo, são ainda mais sentidos no Brasil, já que o país asiático é hoje o principal destino das exportações brasileiras e tem feito investimentos aqui, como em fábricas de carros elétricos. Claudia Trevisan, diretora executiva do Conselho Empresarial Brasil-China, avalia que o país seguirá com forte demanda por alimentos do Brasil. “Não há uma contração, mas desaceleração — a renda per capita vai continuar crescendo”, diz Trevisan. “Com isso, aumentará o consumo de alimentos, e de alimentos mais sofisticados, como comidas prontas em vez de grãos.”   

O desenvolvimento brasileiro poderá ser impactado pelo apetite por comida dos jovens chineses, que tentam entender como é ser adulto em um país onde o desenvolvimento acelerado não é mais algo garantido. Prova de que, neste mundo, nada é certo. Nem o crescimento chinês.

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