Revista Exame

A incerteza voltou com a inflação

O governo Dilma Rousseff escolheu uma postura nebulosa no combate à inflação. E isso está gerando uma insegurança que há muito não se via na economia brasileira

Um pouco de inflação não dói?: ninguém mais duvida que os preços estão subindo. A dúvida é se o governo está correto ao atacar com mão leve a inflação  (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

Um pouco de inflação não dói?: ninguém mais duvida que os preços estão subindo. A dúvida é se o governo está correto ao atacar com mão leve a inflação (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 28 de abril de 2011 às 06h00.

A economia brasileira usufruiu nos últimos anos, de um longo pe-ríodo de extrema confiança nos seus fundamentos. O êxito do modelo de sustentação da estabilidade — o tripé formado por câmbio flutuante, geração de superávit nas contas do governo e metas para a inflação — era quase um consenso.

Ao menos nas duas últimas eleições presidenciais, candidatos sérios ao Planalto não ousavam contrariar tais princípios. Do final do ano para cá, porém, vem crescendo a dúvida sobre o compromisso do governo com a manutenção do tripé. Estejam as críticas certas ou erradas — e os dados de hoje não permitem nenhuma afirmação categórica nesse sentido —, o fato é que esse debate representa, por si só, uma má notícia: a volta da incerteza à cena brasileira.

No plano da economia, não existe nada mais corrosivo para as empresas, o cidadão comum e até para o próprio governo do que a ausência de parâmetros seguros para planejar o dia a dia. O que está deixando muitos analistas atônitos é a atuação do governo Dilma Rousseff, nos seus primeiros quatro meses, nos fronts fiscal, monetário e cambial.

“O mercado está confuso porque a política econômica tem tentado perseguir simultaneamente vários objetivos díspares”, diz o economista Cláudio Haddad, presidente da escola de negócios Insper, de São Paulo. “De um lado, o governo anuncia um ajuste fiscal, mas, de outro, continua a gastar.

Além disso, embora a presidente Dilma tenha reafirmado seu compromisso com a estabilidade, o Banco Central parece relutante no combate à inflação. Por fim, algumas autoridades pregam a desvalorização do real, mas o próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconhece que o governo não tem como evitar a queda do dólar.”


De acordo com Haddad, o comportamento do governo como um todo sugere um perigoso afrouxamento do tripé lançado no Plano Real e que alicerçou a economia até agora.

À mercê da indexação

Para os críticos como ele, o sinal de leniência foi reforçado pela decisão do Comitê de Política Monetária, no dia 20 de abril, de aumentar em 0,25 ponto percentual a taxa de juro básica, para 12% ao ano.

Para muitos analistas, embora os juros brasileiros sejam dos mais altos do mundo, a escalada da inflação — cuja medição prévia de abril foi de 6,44% acumulados em 12 meses, praticamente o teto da meta — demandaria uma ação mais dura para esfriar a atividade econômica.

Até agora, a tônica oficial tem sido uma combinação de moderação nos juros com adoção das chamadas medidas macroprudenciais, como a restrição do crédito ao consumo. “O BC de Alexandre Tombini vê o choque nos preços das commodities como fenômeno passageiro”, diz o economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central. “Mas a economia brasileira ainda é refém da indexação, e por isso o aumento das commodities contamina os demais preços.”

Um sintoma da desconfiança do mercado é a expectativa de inflação, que não para de subir — já se teme que em breve ela romperá os 6,5% considerados aceitáveis pelo próprio governo.

Esse mesmo governo alimenta a incerteza com sua política fiscal. Há dois meses, a ministra Miriam Belchior, do Planejamento, anunciou cortes de 50 bilhões de reais no orçamento. Até agora, porém, não se viu onde as despesas serão reduzidas.


Ao mesmo tempo, o Tesouro continua a repassar recursos ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social. O dinheiro é emprestado a empresas a juro subsidiado. Segundo o economista Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, até o final do ano o estoque de crédito do governo ao BNDES alcançará 315 bilhões de reais — cinco anos atrás era inferior a 10 bilhões.

“Fica difícil para o BC conter a inflação enquanto o Tesouro injeta mais dinheiro no BNDES”, diz o economista John Welch, do banco de investimento australiano Macquarie.

Certa relutância em atacar a inflação, sob o argumento de não abortar o crescimento, e o aumento da interferência do Estado na economia parecem coerentes com um discurso de linha nacional-desenvolvimentista que há muito não se ouvia. O país já conviveu com ele na década de 70, e colheu maus resultados.

O milagre econômico de então cegou autoridades e investidores. Corria o ano de 1972 quando o diário americano The Wall Street Journal publicou uma reportagem elogiosa sobre o país. “O Brasil, antes uma monumental bagunça, agora protagoniza um milagre econômico”, dizia o jornal.

A única ressalva era a inflação, que rondava os 20%. Mas isso não tirava o sono do então ministro da Fazenda Delfim Netto. “Uma inflação de 19% no Brasil causa menos mal do que 5% nos Estados Unidos”, afirmava ele. O WSJ de então previa que, num prazo de dez anos, nossa economia poderia ser a quinta maior do mundo.

Em 1973, apenas um ano após a publicação da reportagem, o mundo sofreu o primeiro choque do petróleo. O governo brasileiro, em vez de reagir com um ajuste que esfriasse a economia, adotou uma política desenvolvimentista bancada por endividamento externo. No final da década, enquanto o crescimento perdia o fôlego, a inflação alcançava 95%.


Passadas quase quatro décadas, o Brasil volta a ser motivo de elogio no exterior e a esbanjar autoconfiança. Em 2010, o crescimento foi de 7,5% e o nível de emprego formal bateu recorde.

Ao contrário dos anos 70, o país de agora é bem mais resistente a choques externos graças a reservas de 320 bilhões de dólares. Contudo, apesar de mais moderno e robusto, o Brasil de Dilma guarda algumas semelhanças com o dos generais Emílio Medici e Ernesto Geisel.

“A segunda edição do Plano Nacional de Desenvolvimento lançada pelo governo Geisel se parece com o Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC”, diz o economista Samuel Pessôa, da consultoria Tendências. “Ambos têm a mesma premissa ideológica de que o desenvolvimento passa pelo aumento da ação do Estado, financiando obras de infraestrutura e apoiando a indústria nacional.”

No passado, dívidas foram contraídas para erguer obras como a usina de Itaipu, mas também se torrou dinheiro em projetos descabidos, como a Ferrovia do Aço. Hoje, o PAC financia as hidrelétricas do rio Madeira, mas também promete gastar bilhões com o trem-bala. Recentemente, o ex-presidente do BC Armínio Fraga publicou um artigo intitulado O Brasil na Encruzilhada, indagando se o crescimento vai continuar “ou se vamos repetir a experiência de 1950 a 1980, quando nos espatifamos na Década Perdida”.

Avançamos muito nos últimos 15 anos. Merecemos os elogios que nos são feitos. Estamos mais fortes. Mas ainda há muito a fazer, e a história guarda lições preciosas. Para não repetir o pior do passado, a primeira coisa a fazer é dissipar — e já — a incerteza.

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