Revista Exame

A hora da leitura

A mineira Leitura driblou a crise no setor de livrarias e cresce numa média de dez lojas por ano, superando os 700 milhões de reais em faturamento. A receita: agilidade e dinheiro em caixa

Marcus Teles, CEO da Leitura: irmão de um dos fundadores, ele entrou na empresa aos 13 anos (Alexandre Resende/Nitro)

Marcus Teles, CEO da Leitura: irmão de um dos fundadores, ele entrou na empresa aos 13 anos (Alexandre Resende/Nitro)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 14 de fevereiro de 2025 às 06h00.

Quando a livraria mineira Leitura completou 55 anos, em 2022, o conterrâneo dela Ziraldo, um dos maiores cartunistas do Brasil, desejou à empresa sucesso para continuar sendo “um mercador do mundo”. Está aí uma boa síntese de uma livraria. Há, mesmo, milhares de mundos pelos livros das lojas da Leitura, a maior rede de livrarias do país. Um passeio rápido pela unidade do Shopping Parque Dom Pedro, em Campinas, no interior de São Paulo — a operação de maior faturamento da rede — é a prova viva. Livros didáticos se misturam com outros em universos mágicos. Há também áreas para histórias juvenis, como da escritora americana Colleen Hoover, o maior fenômeno literário dos últimos anos, e para obras devocionais, verdadeiros best-sellers no Brasil. Mas isso é o esperado de uma livraria. A justificativa para a Leitura ainda estar por aqui enquanto outras grandes do setor diminuíram ou morreram está justamente no que vai além dos livros. Na Leitura, os corredores não se limitam às estantes: há espaço para presentes (de varinhas mágicas a chaveiros), artigos de papelaria, decoração e, por ali em Campinas, até um Starbucks. É a livraria como uma área de convivência, para além de um ponto de compra — a grande diferença para a rede seguir viva e em ritmo de crescimento.

A Leitura é um dos melhores exemplos de uma empresa que soube interpretar o mercado e driblar a crise do setor. Quando Saraiva e Cultura, então os gigantes do varejo de livros no Brasil, entraram em recuperação judicial, em 2018, com dívidas milionárias e fechamento em massa de lojas, a sensação era de colapso do mercado editorial. “O impacto foi enorme. Considerando também o fechamento da Fnac, foram 130.000 metros quadrados de livrarias encerrando as atividades”, diz Alexandre Martins Fontes, presidente da Associação Nacional de Livrarias e dono da tradicional Martins Fontes, em São Paulo. O encolhimento físico das livrarias foi acompanhado por outro problema: a perda de leitores no Brasil. O país viu desaparecerem 6,7 milhões de leitores nos últimos quatro anos, segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2024. Não que os brasileiros tenham simplesmente abandonado os livros, mas a leitura passou a disputar espaço com outras formas de entretenimento. “Existe uma disputa de tempo. As pessoas estão lendo muito mais WhatsApp e outras mídias, redes sociais”, afirma Marcus Teles, presidente da Leitura.

Livraria Leitura no Shopping Ibirapuera, em São Paulo: lojas vão além dos livros, com forte gama de papelaria e decoração (Leandro Fonseca/Exame)

Enquanto as grandes redes do setor encolhiam, a Leitura tinha 70 lojas e duas cartas na manga: dinheiro em caixa e um profundo conhecimento do seu público. Foi justamente essa combinação que garantiu à rede um destino bem diferente de suas concorrentes. De 2018 para cá, a empresa praticamente dobrou de tamanho, de 70 para 121 lojas em 2024. Todo ano, abre pelo menos dez, a maioria em shop-pings ou pontos onde antes havia uma Saraiva ou uma Cultura. O faturamento também só faz crescer. De 2020 para cá, a receita da empresa dobrou, passando de 380 para 770 milhões de reais no ano passado. “Quando as duas maiores redes do setor praticamente quebraram, o imaginário foi de que todas as livrarias estivessem falindo. Mas essa é uma conclusão errada”, diz Martins Fontes. “A Leitura entendeu o Brasil, abriu lojas menores e soube colocar na prateleira livros que cada comunidade queria consumir.” A tese é compartilhada por Teles, da Leitura. “No último ano, houve uma queda de 1% na venda de livros, mas ainda vendemos muito. Jovens alugam ônibus inteiros para ir a Bienais, livros devocionais geram filas enormes para venda. Há muita oportunidade”, diz. Para 2025, pelo menos outras dez lojas vão ser abertas. Se seguir a mesma toada de crescimento, a Leitura também deverá atingir neste ano um marco importante: ficar às voltas do primeiro bilhão de reais em receita.

O setor era bem diferente quando a Leitura nasceu, em 1967, na época com o nome Lê. Fundada em Belo Horizonte pelos primos Emídio e Lúcio Teles, a livraria começou como um pequeno sebo na Galeria Ouvidor, uma das mais modernas da época, vendendo livros usados para estudantes. O nome original vinha das iniciais dos fundadores, mas em 1975, com a expansão da rede, passou a se chamar Leitura. Inicialmente, a estratégia foi entrar em praças onde as concorrentes não estavam. O crescimento se intensificou na década de 1980, quando os irmãos de Emídio entraram no negócio. Entre eles estava Marcus Teles, atual presidente da empresa. Ele começou a trabalhar na livraria aos 13 anos. “Eu entrava à tarde, depois mudei o horário de estudo e, em 1980, assinei minha carteira”, diz. “No fim dos anos 1980, virei sócio. Hoje estou com 58 anos — sou um ano mais velho que a Leitura.” O grande salto veio em 1998, com a primeira megastore, no BH Shopping. Dois anos depois, a livraria expandiu para além de Minas, com a abertura de uma loja em Brasília.

A expansão da Leitura foi impulsionada por um modelo de sócios-gerentes semelhante ao adotado pelas redes de restaurantes Outback e Coco Bambu. A estratégia, em operação desde 1991, foi transformar funcionários experientes em sócios minoritários das lojas abertas em novas cidades. “Esses sócios passam a morar na cidade da nova loja e a cuidar do dia a dia da operação”, diz Teles. Hoje, cerca de 70% das unidades da Leitura seguem esse formato, um dos fatores que garantiram a sobrevivência da empresa, mesmo no auge da crise do setor. “O fato de termos um tomador de decisão dentro da loja agiliza muito qualquer processo, e ele passa a entender melhor o cliente local”, afirma. “Uma livraria próxima a uma faculdade, por exemplo, atrai mais universitários. O sócio-gerente percebe isso e ajusta a oferta, trazendo mais livros didáticos. O resultado? As vendas sobem.”

As vendas subiram também porque a Leitura entendeu que suas livrarias precisavam ir além da venda de livros. Hoje, a rede fatura com a venda de itens de papelaria e decoração e com jogos educativos e de entretenimento. Para fisgar o cliente, também coloca cafeterias dentro de suas operações e promove uma série de eventos, dos eruditos aos mais populares. Só no ano passado, foram 3.000 encontros com escritores nas lojas. “Para uma livraria física ir bem hoje, ela precisa oferecer o que não se encontra numa loja online”, diz Alexandre Martins Fontes, da associação do setor. “Seja uma curadoria inesperada, seja uma arquitetura confortável, seja um momento de lazer.” E fazer tudo isso em espaços menores. As megastores de mais de 4.000 metros quadrados se tornaram exceção. Mesmo nos pontos da Saraiva assumidos pela Leitura, a estratégia foi reduzir o tamanho das lojas, diminuindo custos. Hoje, o modelo-padrão da rede gira em torno de 500 metros quadrados — o mesmo caminho seguido por outras redes que crescem no país, como a Travessa, no Rio, e a Livraria da Vila, em São Paulo. A própria Cultura tem hoje duas operações enxutas em São Paulo.

Barnes & Noble em Nova York: maior rede de livrarias dos Estados Unidos aposta em lojas de bairro para continuar crescendo (Drew Angerer/Getty Images)

Acima de qualquer outro fator, o que manteve a Leitura de pé em um cenário desafiador foi o conservadorismo financeiro. A empresa sempre operou com dinheiro em caixa e praticamente não se alavanca — com raras exceções de sócios-gerentes que tomam empréstimos para entrar em novas unidades. Quando a Amazon desembarcou no Brasil com a estratégia de vender livros a preços baixíssimos para ganhar mercado, a Leitura não tentou competir no mesmo jogo. Pelo contrário: entre 2015 e 2019, nem sequer operou online, entendendo que a margem era baixa demais para valer o esforço. “A Leitura decidiu naquele momento focar o que sabia fazer: valorizar as lojas físicas, entregar experiências culturais e seguir trabalhando com margem”, diz Teles. Para garantir a saúde financeira das operações, a empresa também não tem medo de fechar lojas. Todos os anos fecha pelo menos uma, encerrando rapidamente as unidades deficitárias.

As estratégias que mantêm a Leitura viva por décadas são as mesmas adotadas recentemente por empresas ao redor do mundo, inclusive pelo gigante do setor Barnes & -Noble. Sob a liderança de James Daunt, CEO desde 2019, a rede abandonou o antigo modelo centralizado e passou a apostar em lojas menores, mais próximas das comunidades e com maior autonomia para seus gerentes decidirem quais livros destacar. Além disso, reduziu o tamanho de suas unidades, estratégia semelhante à adotada pela Leitura. Os resultados já aparecem: em 2024, a Barnes & Noble abriu 57 novas lojas nos Estados Unidos e 12 no Reino Unido, e prevê mais 60 inaugurações em 2025.

Claro que haverá páginas difíceis pela frente. Não há mais tantos pontos deixados pela Saraiva para serem ocupados, e um eventual teto pode obrigar a Leitura a buscar novas formas de crescimento. O desafio de aumentar os índices de leitura no Brasil também persiste, mesmo com uma nova geração de leitores reacendendo o setor. Mas, assim como nos livros, o que move uma livraria não é a certeza do final, e sim a jornada até lá. Para 2025, a rede projeta vender 12 milhões de livros, 1 milhão a mais que no ano passado. Enquanto houver leitores e mundos a serem descobertos, a Leitura seguirá abrindo portas, percorrendo caminhos e provando que, mesmo em tempos incertos, ainda está aqui — e com muita história para contar. 

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