Revista Exame

A guerra que não houve

No delírio em curso nos corredores de Brasília, a “mídia” estaria disposta a destruir o governo Dilma — daí a profusão de denúncias sobre seu ministério. Só faltou explicar onde entram na história as ONGs-laranja, os cursos fajutos de treinamento, o acúmu

Antônio Palocci, ex-ministro e consultor-fenômeno: contra as denúncias, “controle social” (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Antônio Palocci, ex-ministro e consultor-fenômeno: contra as denúncias, “controle social” (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 19 de janeiro de 2012 às 11h52.

São Paulo - Numa época já remota, no que hoje parece ser a pré-história do governo Dilma Rousseff, foi produzida no Palácio do Planalto, e encampada de imediato pelo PT e associados, uma frase que hoje disputa lugar de destaque entre as maiores bobagens ditas neste ano de 2011, ora em via de liquidação.

O leitor talvez ainda se lembre. Havia no governo um ministro chamado Antonio Palocci, homem tido como fortíssimo; em meados de maio, a imprensa publicou uma série de informações dando conta de que seu patrimônio pessoal havia multiplicado 20 vezes num período curto demais para tanta multiplicação.

O governo teve um ataque de nervos. A “mídia”, segundo sua apreciação, estava praticamente cometendo um crime de lesa-pátria. As reportagens sobre o assunto fariam parte de uma sombria conspiração política com o objetivo de “desestabilizar” a Presidência.

Veio, então, a sentença fatal: “A mídia decidiu derrubar um ministro antes de se completarem seis meses de governo”, afirmou-se no Palácio, “e não vai descansar enquanto não conseguir isso”.

Nossas mais altas autoridades, então, garantiram que não tinham medo de nada e que Palocci ia ficar, sim, senhor, no seu cargo. Mas e os números do patrimônio do ministro — que incluía um apartamento de 6,5 milhões de reais registrado em nome de um laranja — eram certos ou tinham sido inventados pela imprensa? Eram certos.

Também eram inexplicáveis, e o resultado é que, no início de junho, Palocci foi demitido, por decisão da única pessoa que podia dispensar seus serviços: a presidente Dilma. Nunca mais o governo tocou no assunto.

De lá para cá, todo mundo sabe de cor o caminho que a procissão seguiu: pelo último balanço, seis ministros foram para a rua (só um deles por decisão própria), e um sétimo, que acabou virando quase uma piada em matéria de “malfeitos”, está no velório, aguardando o rabecão para o cemitério. E a imprensa?

Pela convicção do governo, forjada em titânio nos idos de maio, a imprensa teria conseguido uma das suas mais extraordinárias vitórias desde Gutenberg — em vez de um ministro só, em menos de seis meses, acabou derrubando cinco ou seis, em menos de um ano.


Um feito espantoso, sem dúvida, se tivesse alguma relação com a realidade — mas não tem, e nunca teve, da mesma forma que a convicção dos barões de Brasília não era convicção nenhuma e, sim, palavrório oco, apenas, ou fundo de garrafa vendido como joia. A imprensa não assina demissão de ministro nenhum.

Mas publica informações sobre patrimônios de servidores públicos que aumentam 20 vezes, dinheiro entregue por ministérios para empresas que não existem, funcionários-fantasmas, ministros que acumulam salários sem acumular trabalho, pagamento de propinas e por aí afora.

Às vezes, para azar de suas excelências, a coisa é tão feia que nem o supremo governo popular e democrático de Brasília consegue segurá-las em seus cargos. Vão para a rua, então, em meio a escuros murmúrios de que a “mídia” faz uma guerra “política” contra o governo, trabalha em favor de um “golpe de Estado” e, mais do que tudo, precisa urgentemente ser submetida a algum tipo de “controle social”. 

Nessas horas nunca se menciona, é claro, que não são os órgãos de imprensa que se metem com ONGs-laranja, pagam milhões por programas de “treinamento” que não treinam ninguém ou socam na folha de pagamentos do governo funcionários que não comparecem ao local de trabalho.

A imprensa cuida, apenas, de noticiar o que acontece ou o que fica sabendo — e Deus sabe a trabalheira que isso já dá. Quem faz as coisas descritas acima são os cidadãos que a presidente da República escolhe, sem consultar a “mídia” e muito menos solicitar sua licença, para preencher os cargos-chave de seu governo.

Se achou uma boa ideia ter em volta de si os colossos que se veem por aí, de quem é a responsabilidade — dela ou da imprensa? Pode não ser só dela, mas da imprensa com certeza não é.

O “controle social”, como se vê, é mesmo um santo remédio.

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