Revista Exame

A grana minguou nos fundos de investimento

A combinação de pibinho, juros altos e exigências regulatórias obrigou muitos gestores de fundos a repensar a estratégia


	Bolsa: 274 gestoras perderam dinheiro em 2012
 (Germano Lüders / EXAME)

Bolsa: 274 gestoras perderam dinheiro em 2012 (Germano Lüders / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 12 de agosto de 2015 às 16h45.

São Paulo - É natural que, em tempos de economia fraca, juros altos e muitas dúvidas sobre a retomada do país, os investidores escolham se refugiar em papéis de renda fixa e correr pouco risco. Para gestores de fundos de investimento, ciclos como o atual são, portanto, coisas da vida — algo que vem na hora do aperto, mas que desaparece quando o clima melhora e o investidor volta a ter vontade de arriscar.

Há, no entanto, algo de esquisito acontecendo nesse ciclo de baixa — a debandada nunca foi tão intensa. Os investidores estão abandonando fundos de ações e multimercados, onde de fato as gestoras ganham dinheiro e mostram o resultado da administração ativa de recursos.

Para completar, as empresas menores precisam se adaptar a novas exigências regulatórias que aumentam o custo fixo do negócio. Administrar dinheiro alheio, no Brasil de 2015, tem sido mau negócio.

Nos últimos 12 meses, os resgates superaram as aplicações em 50 bilhões de reais em fundos de ações e multimercados. Um levantamento feito por EXAME com base nos dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostra que, no entra e sai de recursos, 274 gestoras só perderam dinheiro nesse período.

O impacto é maior em gestoras especializadas, que basicamente só vendem esses produtos de maior risco. Muitas delas viram seu patrimônio encolher de 30% a 60%. Mas até para os grandes bancos, normalmente menos sujeitos ao vaivém, ficou bem mais difícil ganhar dinheiro.

Na gestora do Bradesco, por exemplo, o patrimônio até aumentou com a captação em fundos DI, esperada em razão da fuga da poupança — mas o lucro líquido de gestão no ano passado diminuiu 7%, para 32 milhões de reais (valor que se refere a taxas de performance, uma vez que todo lucro de distribuição é contabilizado no balanço do banco).

No balanço da gestora do Banco do Brasil, a maior do país, o lucro aumentou 3% no ano passado, ante um crescimento de 12% do patrimônio. “No Brasil, lucrar com taxa de performance tem sido quase um mito”, diz Edivar Queiroz, sócio da consultoria Luz Engenharia Financeira.

Não que sirva de consolo, mas a vida de gestores também está difícil a milhares de quilômetros da Faria Lima. O descasamento entre volume administrado e lucro é global. Um estudo da consultoria Boston Consulting Group indica que, enquanto o patrimônio global em fundos atingiu um recorde de 68 trilhões de dólares, as receitas e as margens de lucro são menores do que eram há três anos.

A margem das gestoras, que antes da crise financeira de 2008 era de 41%, caiu para 39%. Por aqui, os gestores reclamam principalmente da concorrência que consideram desleal de produtos isentos de imposto de renda (como as LCIs e as LCAs), que ficam ainda mais atrativos em momentos de risco, e da migração de investidores para fundos que acompanham a taxa de juro e pouco rendem para quem administra.

A regulação também está tornando a vida mais dura. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) atualizou duas regras antigas que passam a valer entre julho deste ano e janeiro de 2016 e que, basicamente, exigem um maior investimento das gestoras em sistemas de controle de risco e mais funcionários dedicados. A CVM passou a exigir um diretor de compliance — como são chamadas as boas práticas.

O investimento regulatório extra é estimado pelos gestores em cerca de 1,5 milhão de reais. É um valor pequeno, mas que onera gestoras menores — que não são poucas. Para uma gestora ter um equilíbrio entre receitas e custos, estima-se que seja necessário administrar pelo menos 400 milhões de reais — e 66% das empresas do setor estão abaixo disso. “É possível que o aumento de custos fixos leve a uma consolidação no setor”, diz Francisco Bastos, superintendente de relações com investidores institucionais da CVM.

Inspiração no TripAdvisor

Muito gente avaliou que, do jeito que está, é melhor não estar. Em março, a Arsa Investimento, do ex-BC Sergio Goldenstein, fechou. Em abril, a gestora Quest foi vendida para a italiana Azimut, em maio, a Corttex se uniu à Mauá Sekular e a Simplific Gestão foi comprada pela Guide Investimentos.

Mas o mercado brasileiro de gestão de investimentos tem baixa barreira de entrada e, por isso, ainda que haja movimentos pontuais de consolidação, o número de empresas só cresce. Em dois anos, foram abertas pelo menos 99 gestoras, totalizando quase 600. Sobram dúvidas sobre haver espaço para tanta gente.

Na Europa, uma divisão entre patrimônio e o total de gestoras resultaria em 17 bilhões de reais para cada uma. No Brasil, essa conta não chega a 5 bilhões de reais. Não bastasse, nos últimos dez anos, o número médio de cotistas em relação ao patrimônio líquido dos fundos caiu de 35 637 para 25 582, segundo levantamento da Fundação Getulio Vargas.

Segundo especialistas, são indícios de uma consolidação inevitável. Nos Estados Unidos e na Europa, as fusões e aquisições de gestores de investimento no ano passado tiveram o maior volume desde 2009. Foram 12,7 bilhões de dólares em transações, como a compra da Nuveen Investments pela TIAA-CREF, da Numeric Investors pelo Man Group e a compra da Munder Capital pela Victory Capital.

Segundo a auditoria KPMG, até 2030 o número de gestoras no mundo deve cair pela metade devido ao maior uso de tecnologia e a uma mudança relevante na base de clientes — que deve ficar mais complexa e diversificada e, por isso, exigir mais dos gestores. Nesse cenário, os gestores terão de conquistar investidores mais jovens, mais mulheres e segmentos de público que não alcançavam antes, como a classe média de países emergentes.

Para a KPMG, os clientes vão, num futuro próximo, avaliar e definir investimentos como estão acostumados a fazer, por exemplo, na escolha de roteiros no site de viagens TripAdvisor, em que podem se basear em resultados e nas opiniões de outras pessoas.

Por enquanto, os gestores brasileiros fazem o que podem. Eles têm procurado novas estratégias para ganhar volume e gerar receita. Na gestora do banco BTG Pactual, a solução foi baixar a régua dos milionários. O banco só abria seus fundos para aplicação direta para os clientes da área de gestão de patrimônio, que tinham mais de 5 milhões para investimentos.

Há cinco meses, o BTG começou a testar com funcionários, amigos e parentes uma plataforma de investimento direto para quem tem 25 000 reais na carteira de investimentos. O foco também mudou: antes era concentrado em fundos de risco e agora está à caça de investidores que queiram investir em fundos DI mesmo.

Na gestora Rio Bravo, o investidor paga uma mensalidade de 0,2% do patrimônio administrado ao ano, livrando-se de taxas de corretagem em algumas aplicações e da taxa de performance do próprio gestor de portfólio. Na XP Gestão, a equipe quebra a cabeça e viaja o mundo para lançar produtos que as concorrentes brasileiras não tenham.

Nos últimos 12 meses, a gestora lançou o primeiro fundo de ações ativo listado em bolsa (o mercado brasileiro só tinha fundos atrelados a índices listados) e o primeiro fundo de participação para financiar outras gestoras de investimento. “Se o investidor está saindo de aplicações tradicionais, temos de oferecer produtos inéditos como alternativa”, diz Patrick O’Grady, diretor da XP Gestão.

Mais segurança também ajuda. Na SulAmérica Investimentos, a decisão foi gastar mais para transformar quatro programas de controle de risco em um só — se o gestor der uma ordem de compra de um ativo que não compõe o perfil de risco previsto no estatuto do fundo, só seria possível identificar esse desenquadramento dias depois. Atualmente, a ordem é automaticamente barrada pelo sistema.

“Para manter grandes investidores, como os fundos de pensão e mesmo administradores de patrimônio, esse tipo de segurança é fundamental”, diz Marcelo Mello, presidente da gestora. Não chega a ser um TripAdvisor das finanças, claro — mas pode ajudar as gestoras brasileiras num momento para lá de desafiador.

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